A última live do Laboratório de Inovação Latino-Americano em Práticas de Participação Social em Saúde ocorreu nesta terça-feira, 20 de junho, e abordou a necessidade da ampliação do acesso aos serviços de saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da apresentação de experiências inovadoras provenientes das cidades de Vitória de Santo Antão/PE, Santa Maria/RS, Porto Alegre e São Caetano de Odivela/PA. A live completa está disponível no Canal do Youtube “Portal da Inovação na Gestão do SUS” em português, espanhol e libras.
Fernando Leles, oficial de Sistemas e Serviços de Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) no Brasil, destacou a importância do tema para a OPAS e para os sistemas universais de saúde. “A saúde mental é, historicamente, uma fonte significativa de incapacidades e mortalidades aqui nas Américas, sendo responsável por quase um terço de todos os anos vividos com uma incapacidade. Às vezes a pessoa pode não morrer daquela condição, mas tem um prejuízo, um impacto muito grande na sua qualidade de vida, e a pandemia também aumentou muito os fatores de risco dos problemas de saúde mental, incluindo desemprego, insegurança financeira, luto, perda. Esse tema de saúde mental foi um destaque muito grande nas inscrições do nosso Laboratório, por isso essa nossa última live abordou a participação social em saúde para ampliação do acesso aos serviços de saúde mental”.
“Nós temos experiências do Brasil todo, são muitas, e cada vez com maior visibilidade e mobilização social, e com maior entendimento de que o cidadão é sujeito na construção das políticas públicas e da cidadania. A escuta presente é algo precioso, cada vez mais percebemos a necessidade de recuperar a comunicação entre as pessoas e a comunidade. Muitas vezes a gente dá mais luz aos equipamentos e trabalhos e menos às histórias das pessoas. Todas as experiências ressaltaram muito isso”, apontou o debatedor Neilton de Oliveira, conselheiro nacional de saúde.
Cláudia Braga, consultora OPAS/OMS no Brasil, destacou que as práticas inovadoras garantiram o direito à saúde mental de qualidade a partir da relação de parceria entre profissionais de saúde e usuários. “O serviço de saúde mental por excelência é isso: um serviço que não se localiza necessariamente em uma estrutura física, são práticas realizadas pelas equipes de saúde mental em conjunto com a equipe de atenção básica no território. São essas práticas que produzem encontros, trocas sociais, transformações e produzem cuidados e garantem direitos para as pessoas. É sobre isso que se trata o serviço de saúde mental: terem práticas que estão centradas nas pessoas e, se as pessoas não chegam até o serviço de saúde mental por razões diversas, inclusive territoriais, o serviço vai chegar até elas. Acho belíssimo a gente perceber que os CAPS são espaços de encontros e que eles podem ser acessados pela comunidade, um espaço de trocas e de participação social da comunidade no serviço. Que bom ver que essas experiências abarcam múltiplas formas de participação social”.
Rodrigo Silveira, pesquisador do Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP) comentou sobre o protagonismo dos usuários de saúde mental nas experiências. “Muitos serviços de saúde não pensam em incluir o usuário, e sim em prestar serviço aos usuários, a participação social é diferente, tem como lema “nada sobre nós sem nós”. Todas as quatro experiências resumem em essência o próprio LIS, porque temos experiências que trazem a importância do indivíduo, torná-lo empoderado, consciente, uma liderança, uma pessoa que possa conhecer mais o seu problema, ser especialista nas suas próprias doenças, e poder trazer essa experiência para o próximo. Isso é uma potência muito grande”, comentou Silveira.
Conheça as experiências
“Pré-conferências de caráter territorial como proposta estratégica para potencializar a participação social na construção de políticas públicas de saúde mental” – Vitória de Santo Antão – Pernambuco
Autora: Alexciane Silva, Diretora da Atenção Primária à Saúde da SMS
“Destacamos que esta experiência é exitosa, principalmente por esse olhar territorial, de equidade, considerando populações de comunidades urbanas e rurais, e porque consideramos que essa participação precisava ser com todos os atores envolvidos, a população em geral, os usuários (principalmente os de saúde mental), e a academia. E, o quanto esse espaço foi provocador/facilitador dos processos de fala e de elaboração”, comentou Alexciane Silva.
A autora também destacou que “o nível primário é estratégico para efetivação dos princípios da reforma, da desinstitucionalização, essa participação social é o caminho para efetivar e fazer políticas que atendam, de fato, as necessidades da população e proponham reformas sociais”. Entre os objetivos da experiência apresentada, a autora citou: desenvolver mecanismos de participação social nas etapas do ciclo de planejamento e orçamento, e instituir mecanismos de participação social acessíveis aos grupos sociais historicamente excluídos das decisões do poder público.
As pré-conferências serviram de espaços para discussão e educação em saúde mental, a partir da troca entre ensino-serviço-comunidade, proporcionaram escuta qualificada e exercício de verbalização propositiva dos atores envolvidos no processo, a prática da participação social, e as propostas se transformaram em diretrizes de planejamento para orientação das políticas públicas em saúde mental no município.
“É preciso dar voz a essas pessoas que foram excluídas da tomada de decisão e à importância das pré-conferências como garantia de espaços que promovam elaboração de diretrizes, de propostas, para que as políticas públicas em saúde mental possam estar alinhadas e de acordo com as necessidades da população em geral”, finalizou Silva.
“Comunidade de Fala” – Santa Maria – Rio Grande do Sul
Autora: Martha Noal, psiquiatra e coordenadora do Programa de Extensão Espaço Nise da Silveira – Universidade Federal de Santa Maria/RS.
“O Comunidade de Fala inovou um passo à frente trazendo um método com sete passos, facilitando a clareza das informações e gerando a identificação do público que assiste com as vivências dos palestrantes”, destacou Martha Noal. O Projeto é uma parceria internacional com o jornalista e ativista em saúde mental norte-americano, Richard Weingarten, que propôs a sua criação no Brasil, e consiste em apresentações de palestras com narrativas de usuários de serviços de saúde mental. O projeto iniciou em São Paulo (SP) e Santa Maria (RS) em 2015, expandindo-se posteriormente para o Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e Porto, em Portugal.
O método vem com passos, sempre em pares, as palestras contam com a apresentação de pessoas com vivências prévias de adoecimento psíquico, que se encontram em recuperação, elas descrevem suas histórias desde os momentos mais difíceis, relatando várias etapas do processo de reabilitação, sonhos e esperanças até chegarem à superação. Falam como elas são, relatam sobre os dias difíceis, a aceitação do diagnóstico, especificações do tratamento, contam como eles lidam com os problemas de saúde mental/Autocuidado, com os preconceitos sociais, depois sobre a fase de ser protagonista da própria história (eu sujeito da minha própria história), e terminam contando os sonhos, sucessos e realizações.
A experiência também desenvolveu parcerias internúcleos e interinstitucionais, e realizou publicações científicas, com o objetivo de reduzir estigmas e preconceitos sociais com as questões de saúde mental, além de fomentar o empoderamento, reinserção social, pertencimento, autonomia e protagonismo das pessoas com vivências de adoecimentos psíquicos.
“A gente quer muito uma ampliação e fortalecimento desse projeto, inserir entre as Novas Abordagens em Saúde Mental, isso a gente já tem conseguido, preservar e ampliar o envolvimento e mobilização da sociedade e das instituições, e uma pauta dos relatórios das Conferências de Saúde Mental para financiamento federal como incentivo financeiro aos palestrantes para que eles possam ser remunerados como trabalhadores de saúde mental também”, finalizou Martha Noal.
“Projeto Epa de Saúde Mental na Atenção Primária em Saúde” – São Caetano de Odivelas-Pará
Autor: Paulo Peixoto, coordenador e psicólogo do Projeto EPA.
“Consideramos a experiência inovadora, pois ela aposta em uma saúde mental sem CAPS, aposta na atenção básica como um lugar social onde é possível fazer saúde mental. A saúde mental é negligenciada pela atenção básica. O projeto é inovador, porque subverte a lógica hegemônica no país que utiliza o CAPS como principal ferramenta de cuidado e aposta na atenção primária em saúde como porta do cuidado em saúde mental de maneira efetiva no território, e portanto, estamos criando uma tecnologia inovadora demonstrando que é possível fazer saúde mental resolutiva e humanizada na APS”, explicou Paulo Peixoto.
O Projeto EPA, programa de saúde pública previsto na Política Nacional de Atenção Básica, o Programa de Saúde Mental conta com equipe multiprofissional, em unidade fixa e itinerante. Entre os resultados do projeto estão a inexistência de usuários de saúde mental sendo atendidos fora do território do município, em um ano de projeto redução do número de suicídios para zero casos, empoderamento do controle social e redução radical na necessidade de internação em hospital psiquiátrico
O autor explicou as atividades do projeto e destacou a realização periódica de oficinas de formação em saúde mental e atenção psicossocial com os serviços da rede de saúde e demais dispositivos intersetoriais (CRAS, CREAS, PSE), rodas de conversas semanais com controle social visando assegurar os direitos fundamentais para os usuários em saúde mental do município, apoio às ações do PSE no território, matriciamento da RAPS, atendimento multiprofissional de crianças, jovens, adultos, idosos e pessoas que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, realização do projeto EPA Itinerante que visa assegurar atenção psicossocial periódica à população ribeirinha e da zona rural do município.
“O Projeto EPA, tal como seu homenageado, já é um patrimônio da cidade, tendo em vista, o papel social que ocupa perante a sociedade civil organizada”, finalizou Paulo Peixoto.
https://www.slideshare.net/apsredes/apresentacao-paulopptx
“Leitura em voz alta passo a passo” – Porto Alegre – Rio Grande do Sul
Autora: Marta Orofino, terapeuta ocupacional do CAPS AD III e líder do Grupo de Pesquisa NarraSUS – Humanidades em Saúde, do grupo Hospitalar Conceição – Porto Alegre, RS.
“A gente se encontra e não existe uma regra de todo mundo ter que ler, lê quem quer. Cada um tem seu jeito de ler, são modos diferentes de leitura, além de possibilitar o encontro com a obra de arte por outros caminhos de prazer e de atividade coletiva, tem essa experiência de dizer e falar, expressar a própria voz, e da escuta”, explicou Marta Orofino. O projeto proporciona a inclusão do usuário em um circuito social, que em geral marginaliza este público: o livro, a literatura, a leitura.
O projeto criou a “Biblioteca Comunitária Passo a Passo”, que conta com mais de 200 obras, na proposta de “Leia-Empreste-Devolva”. Experimentar encontros de diálogo e modos de convivência com a diversidade, mediados pela leitura em voz alta; contribuir para o melhor desempenho das capacidades cognitivas e atitudinais, memória e concentração, compartilhar histórias ficcionais que contribuam para a problematização da vida cotidiana, ampliar estratégias de cuidado e qualidade de vida, para público de usuários AD, na perspectiva de Redução de Danos, são alguns dos objetivos do projeto.
São convidados para participar da atividade: usuários, familiares, amigos e trabalhadores da comunidade CAPS AD “Passo a Passo”. Para as leituras, são escolhidas obras literárias, de histórias relativamente breves (que possam ser lidas em até seis encontros, aproximadamente). Ao iniciar a leitura, se contextualiza a obra, autor, época em que foi escrita, assim como, as pactuações da proposta.
“Essa experiência, além da Universidade fazer a parceria, tem a oportunidade dos estudantes da academia entrarem em contato com o trabalho em saúde mental, refletir e trocar sobre isso. O nosso encontro é voltado para o cuidado com o outro, entre tantas outras ferramentas, a literatura é uma que nos proporciona essa possibilidade de encontro pelo amor e pela leveza”, comentou Marta Orofino. “E os usuários passam a ter um lugar de prazer, um lugar de encontro, nos sábados pelas manhãs que antes não tinham”.