A eficiência do gasto público em saúde ocupa cada vez mais espaço nas agendas acadêmica, política e técnica do setor saúde. Diante um cenário de restrição orçamentária no Sistema Único de Saúde (SUS) e da necessidade de melhorar a aplicação dos recursos financeiros disponíveis, o debate sobre custo e eficiência se torna ainda mais relevante quando subsidiado por evidências científicas.
Na última quarta-feira (20/01), em Brasília, o Seminário Eficiência do Gasto Público em Saúde reuniu pesquisadores, gestores do SUS, de Organização Social de Saúde (OSS) e profissionais da saúde, para discutir estudos científicos sobre o tema. Promovido pelo Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada (Icipe), OSS que faz o gerenciamento do hospital público – Hospital da Criança de Brasília (HCB) por meio de parceria com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal. O encontro contou com o apoio do Ministério da Saúde (MS), do Conselho de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) e do Instituto Brasileiro de Organizações Sociais de Saúde (Ibross).
“Sabemos das dificuldades dos últimos anos e falamos muito de financiamento, mas não falamos da nossa capacidade de fazer mais com os recursos que temos. Precisamos discutir a eficiência do gasto. Este encontro surgiu da ideia de avaliar o próprio gasto do HCB”, explicou o superintendente executivo HCB, Renilson Rehem, na mesa de abertura do evento.
Para o coordenador da Unidade Técnica de Sistemas e Serviços de Saúde da OPAS, Renato Tasca, a eficiência no setor público é um imperativo ético. “O SUS precisa avançar nesta discussão. O desafio é fazer uma avaliação da eficiência do gasto público utilizando métricas globais, considerando as questões econômicas com outras que mensurem aspectos da qualidade clínica da atenção prestada ao usuário”, sugere. “O SUS já é subfinanciado, dispõe de menos de 4% do Produto Interno Bruto, então esta discussão não é para reduzir os recursos que já são escassos, mas para aprendermos com as experiências bem-sucedidas já avaliadas, especialmente, sobre o que as tornam mais ou menos eficientes nos gastos e na qualidade do serviço que é prestada para a população”, defendeu Tasca.
O economista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Allan Barbosa, defende que as ferramentas avaliativas são importantes para auxiliar a gestão, porém não devem ser tratadas como fim em si mesma. “A eficiência não pode ser o fim em si mesma, ou seja, é um elemento que ajuda na gestão da política publica de saúde. Contribui para refletir qual a entrega da saúde de fato. Precisamos levar essa discussão para o dia a dia da saúde com consistência metodológica, para ajudar o gestor a superar os desafios e encontrar a eficiência no que se refere a custo na saúde”, pondera Barbosa.
O secretário executivo do Ministério da Saúde, Gabardo Reis, elencou na abertura do evento alguns desafios que estão na agenda do governo federal. “Precisamos tornar os hospitais federais do Rio de Janeiro mais eficientes no gasto e melhorar a atenção prestada aos usuários como também discutir a ineficiência dos hospitais de pequeno porte do país que representam mais da metade dos hospitais brasileiros”, enfatizou.
Para o auditor federal do Tribunal de Contas da União (TCU), Carlos Ferraz, o seminário foi ao encontro à agenda do órgão que discute a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS), onde analisa a eficiência alocativa do Ministério da Saúde. “Nossa agenda prevê a discussão da eficiência do gasto público pelas Organizações Sociais de Saúde, hospitais federais, filantrópicos, universitários, administração direta. Vamos analisar também os consórcios municipais de saúde dentro desta complexa máquina administrativa que é o SUS”, explicou.
O presidente do Conass, Leonardo Vilela, enalteceu a aproximação da saúde com os órgãos de controle. “Os tribunais têm um papel muito importante, não apenas de fiscalizar, mas também de contribuir para o aperfeiçoamento dos sistemas de gestão. Nos estados onde temos uma sinergia entre os tribunais de conta e as secretarias de saúde temos avanços perceptíveis”.
Estudo UFMG
O economista Allan Barbosa apresentou dois estudos sobre eficiência do gasto em saúde: um sobre a importância da gestão de Recursos Humanos na eficiência hospitalar e outro sobre a eficiência na Atenção Primária à Saúde, ambos utilizaram como metodologia a Análise Envoltória de Dados (Data Envelopment Analysis – DEA). “Essa metodologia tem caráter neutro, pode-se comparar setores, países, cidades, mas nestes estudos foi utilizada para comparar unidades de serviços através de variáveis gerenciais”, explica Barbosa.
O estudo sobre hospitais brasileiros de pequeno porte, fruto da tese de doutorado de Júnia Marçal Rodrigues (2016), mostra que a gestão de Recursos Humanos tem impacto no desempenho hospitalar avaliado por meio da eficiência. “Um dado interessante da pesquisa é que no universo de 3.524 hospitais de até 50 leitos, a doutoranda encontrou 2.777 hospitais respondentes ao instrumento de coleta de dados, cerca de 78% do total do universo, porém somente 702 tinham as variáveis de RH selecionados pela metodologia DEA. Ou seja, apenas ¼ do total dos hospitais respondentes tem variável de RH, então já se observa uma deficiência de partida”, aponta Barbosa.
Dos 702 hospitais de pequeno porte analisados, 46% são eficientes e estão localizados nas Regiões Norte e Sudeste, possuem entre 30 a 39 leitos e são geridos pelo iniciativa privada com e sem fins lucrativos e pela administração direta dos estados. Os hospitais de pequeno porte ineficientes têm como característica possuir entre 20 a 29 leitos e serem geridos pelo administração direta municipal. “A pesquisa mostra que naqueles hospitais que praticam a gestão de Recursos Humanos são encontrados resultados em saúde melhores, o que ajuda a reforçar a ideia de que Recursos Humanos têm papel importante no processo gerencial dos hospitais”, observa.
Já o estudo sobre eficiência do gasto público na Atenção Primária em Saúde (APS) analisou 2.133 equipes de Estratégia Saúde da Família em 564 municípios e considerou os aspectos de infraestrutura das unidades, gestão e processo de trabalho. “O resultado indica que é preciso trabalhar mais no âmbito do conjunto de variáveis que compõem os princípios da APS, como primeiro contato, integralidade, longitudinalidade, coordenação, direção comunitária e foco na família”, comenta Barbosa.
Estudo TCE/SC
O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC) trouxe o estudo que analisou a produtividade e a eficiência de 18 hospitais catarinenses, entre 2012 a 2017, onde cinco são geridos por OSS e 13 pela administração direta. “Nosso estudo mostra que o hospital gerido por OSS é 46% mais eficiente em relação ao hospital gerido pelo Estado”, afirma Silvio Bhering, auditor do TCE/SC. “Aspectos organizacionais presentes no modelo de gestão por OSS as tornam mais eficientes que os hospitais próprios do Estado, por possuir maior autonomia decisória, estabelecer metas de produção, prestação de contas, maior exposição ao mercado e à concorrência, além da flexibilização na gestão de recursos humanos”, explicou Bhering.
Este estudo também utilizou como metodologia a Análise Envoltória de Dados (Data Envelopment Analysis – DEA). “Por meio da ferramenta DEA é possível fazer um comparativo entre hospitais e também apresentar qual dos insumos estão sendo mal empregados pelo tomador de decisão”, ressalta Bhering. Outro dado relevante do estudo foi que em 46% dos hospitais não respeitam um decreto estadual que obriga uma qualificação profissional para os diretores hospitalares. “Pode ocorrer que o gestor sem qualificação atenda aos interesses do profissional de saúde e não da sociedade em si”, pondera.
O TCE/SC também verificou por meio do Índice de Malmquist que os hospitais catarinenses registraram queda na produtividade total com o tempo. “A eficiência dos hospitais é decrescente, os custos de produção cresceram consideravelmente desde 2012. A folha salarial aumentou 210% ante um aumento de 78% da produção hospitalar”, pontua.
Estudo Banco Mundial
O economista Edson Araújo apresentou estudos do Banco Mundial sobre a eficiência do gasto público em saúde, utilizando também a metodologia DEA. “Na atenção básica, a eficiência média do SUS é estimada em 63%, porém na média e alta complexidade, a eficiência média do SUS é de 29%”, ressalta Araújo. Segundo o economista, a eficiência está diretamente associada à escala, ao tamanho do município. “A grande maioria dos hospitais brasileiros é pequena demais para operar de maneira eficiente”, completa.
Como proposta para melhorar a eficiência do SUS, o Banco Mundial defende a implantação de Redes Integradas de Atenção à Saúde, expansão e fortalecimento da APS e reformulação do pagamento aos prestadores para premiar qualidade, resultado e produtividade.
Experiência da SMS Florianópolis
O Programa Municipal de Gestão de Custos desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, com apoio da OPAS, foi apresentado como uma iniciativa inovadora para qualificar a discussão sobre eficiência da rede municipal de saúde. A ferramenta permite quantificar os custos de todas as Unidades Básicas de Saúde e das Unidades de Pronto-Atendimento, fomentando os debates sobre a avaliação de eficiência na aplicação dos recursos públicos e incorporação de tecnologias leves e duras no sistema de saúde.
A partir de março, Florianópolis terá a primeira UPA gerida por uma OSS, com custo médio mensal de R$ 1,2 milhão. “O contrato de gestão com a OSS Hospital Psiquiátrico Mahatma Gandhi, que vai gerir a UPA, possui 18 indicadores para avaliação dos serviços. Vamos investir na fiscalização e monitoramento deste contrato”, sinaliza Edenice Reis da Silveira, diretora de Inteligência em Saúde da SMS de Florianópolis.
Acesse as apresentações:
Gestão dos Hospitais – Trabalho Completo
Edson C. Araújo – Banco Mundial – Análise da Eficiência do Gasto Público em Saúde (1)
Luiz Eduardo Cherem – TCE-SC – Papel dos órgãos de controle para os gastos públicos em saúde (1)
Por Vanessa Borges, para o Portal da Inovação