APSREDES

Experiências de Cajamar, Uberlândia e Niterói mostram a potência da Atenção Primária na resposta à pandemia

A Covid-19, que se coloca como uma das doença mais graves desde a gripe espanhola, impôs aos gestores e profissionais de saúde a necessidade de reorganização da rede de atenção à saúde, conforme o vírus se disseminava no mundo. Os municípios de Cajamar/ SP, Uberlândia/MG e Niterói/RJ apresentam uma resposta bem-sucedida no combate à Covid-19, a partir do reposicionamento da Atenção Primária à Saúde (APS). Estas cidades mostram que é possível combater os efeitos da Covid-19 na comunidade com uma APS forte, que prioriza a parceria intersetorial, realiza ações integradas entre a APS e a vigilância e exerce a coordenação do cuidado e a comunicação entre outros da rede de saúde.

Estas experiências participaram do debate virtual ocorrido no dia 13 de agosto, promovido pela iniciativa APSForte no SUS no combate à pandemia, desenvolvida pelo Ministério da Saúde e Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no Brasil. O pesquisador Jorge Barreto, da Fiocruz Brasília, destacou a grave situação epidemiológica imposta pela Covid-19 e as mudanças de rearranjos da APS durante a permanência da Covid-19 na comunidade. “São experiências que tem vários componentes que podem ser replicados em diferentes contextos, com pontos importantes a serem desenvolvidos, como a coordenação do cuidado, um aspecto essencial na reação da APS na pandemia”, ressaltou Barreto.

A coordenadora da Unidade Técnica de Sistemas e Serviços de Saúde e Capacidades Humanas em Saúde da OPAS no Brasil, Mónica Padilla, ressaltou o resiliência da APS. “Aprendemos muito neste semestre. É muito importante pensar na APS como um fator protetivo da população, a comunidade precisa de contenção que é parte fundamental para a saúde mental. Nesta pandemia estamos vendo a resiliência da APS, a flexibilidade para se reposicionar e colocar em andamento as medidas de combate à Covid-19”, ressalta Padilla.

Resposta integrada em Cajamar/SP

A SMS Cajamar/SP apostou na APS como coordenadora da rede de atenção na resposta à Covid-19. Foram feitas pactuações com cada ponto da rede local de saúde para definir os papéis na assistência aos pacientes e assegurar a adoção de fluxos de informação e de comunicação, visando qualificar o cuidado dos usuários com Covid-19. Cajamar possui 10 Unidades Básicas de Saúde (19 equipes de APS, sendo 14 ESBucal) para uma população de quase 77 mil habitantes.

Para monitorar a resposta à pandemia, a coordenação da APS no município utilizou ferramentas administrativas, como o ciclo DMAIC (definir, medir, analisar, melhorar e controlar) e promoveu reuniões sistemáticas com os gestores da rede. “A APS assumiu o protagonismo, cuidando dos profissionais e também se responsabilizando com o cuidado da população, para não perder o vínculo”, explica a coordenadora da APS da SMS Cajamar, Juliana Balbino.

“Mantivemos as ofertas de consultas mensais, com a realização de 20 mil consultas em julho. Fizemos visitas domiciliares para a vacinação contra a Influenza (H1N1) no público de risco para Covid-19. E utilizamos o agendamento por telefone das consultas presenciais, intercalando horários para evitar aglomeração e circulação na cidade”, explicou Balbino.

Segunda a coordenadora da APS, todas as unidades básicas de saúde funcionam no município, disponibilizando espaços para triagem dos pacientes e áreas de isolamento para casos suspeitos e confirmados de Covid-19. A continuidade do cuidado dos usuários com condições crônicas também foi garantido, porém com o uso de tecnologia de comunicação à distancia. “Mantivemos o atendimento programático das UBS. Os pacientes crônicos foram assistidos por meio da telemedicina”, explicou Juliana Balbino. “A atenção especializada teve fator preponderante dentro da APS porque contribuiu com profissionais médicos para que a APS continuasse a assistência via teleatendimento”, explica.

“A APS precisa de ter parceiros, a gente precisa amarrar a rede, utilizar os espaços colegiados, integrar os profissionais que fazem o planejamento das ações de vigilância, das especialidades”, reforça Balbino. Outro ponto importante na resposta à Covid-19 em Cajamar foi a parceria com a assistência social e a educação. “A população de rua recebeu testes rápidos para Dengue e Covid-19, dentro dos espaços montados pela prefeitura para estadia, alimentação e higiene”, conta Balbino.

“O nosso pico de internação ocorreu quando fizemos busca ativa de casos de Covid-19 nas casas de longa permanência de idosos”, apontou a coordenadora. Pra ela, a lição aprendida na resposta à Covid-19 passa pela integração dos profissionais e da rede e pela intensificação do uso da telemedicina. “No pós-Covid vamos intensificar o uso da telemedicina e da educação permanente in loco. É muito importante essa troca”, resume Balbino. “A APS virou multidisciplinar, não é mais cada profissional no seu quadrado. A APS não é básica, é complexa. A APS é amor, é uma tradução de entrega, é vínculo, está no acesso e coordena todo o cuidado do paciente”, finaliza Juliana Balbino.

Desejo dos profissionais da APS de Cajamar para após pandemia

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Telemedicina – novo normal em Uberlândia/MG

O protagonismo da APS e o suporte das ferramentas de comunicação (teleconsultoria, teleconsulta e telemonitoramento) fizeram a diferença em Uberlândia no enfrentamento da Convid-19. A cidade possui cerca de 683 mil habitantes, atendidas por 221 equipes de APS, sendo 39 equipes de Saúde Bucal. A enfermeira e coordenadora do Setor Central Norte da SMS de Uberlândia, Poliana Castro Bonati, explicou que o combate à Covid-19 ocorreu em cinco frentes: vigilância, cuidado, comunicação, grupos vulneráveis e manutenção do atendimento.

A resposta da APS começou com os profissionais de saúde realizando o teste rápido para Covid-19 para garantir o atendimento. Outra medida de prevenção citada pela enfermeira Poliana Castro de Resende Bonati foi o sucesso da campanha de vacinação para Influenza, que atingiu a cobertura de 124%. “Por meio do atendimento no domicílio durante a campanha, nós identificamos os pacientes com risco alto e moderado para Covid-19, cerca de 10 mil idosos”, destaca Poliana Bonati.

O uso da tecnologia de comunicação com o usuário, por meio de teleconsulta, também se mostrou efetivo em Uberlândia. “O usuário com síndrome respiratória leve realiza consulta virtual, via whatsapp, com profissional de nível superior para uma avaliação clínica inicial. Os usuários com risco de agravamento, como idosos frágeis e usuários com condições crônicas, que apresentaram casos leves da doença são telemonitorados”, explica Bonati.

A teleconsultoria ofereceu o suporte do médico especialista para o generalista neste processo de telemonitoramento. “Foi possível visualizar a APS coordenando a rede através da discussão de casos de pacientes internados por Covid-19. Nesses momentos de teleconsultoria, a APS apresentava um caso antes do paciente ter adquirido Covid. A Urgência e Emergência falava como recebeu o paciente. O hospital informava como foi o manejo, daí passava o paciente para o Melhor em Casa (atendimento domiciliar) até chegar na APS com um plano de cuidado. Então essa proposição de rede que a APS coordena está sendo possível com a ferramenta de teleconsultoria”, ressaltou Bonati.

A APS em Uberlândia manteve a estratificação de risco para os idosos durante a pandemia. “Já tínhamos realizados a estratificação de risco em 41 mil idosos. Para a manutenção deste trabalho, o instrumento de estratificação foi adaptado para o telemonitoramento. Com isso, na pandemia estratificamos 730 idosos”, explica Bonati. “Vale registrar que desde 2017, Uberlândia trabalhava com a estratificação de risco de pessoas idosas e isso fez diferença na nossa resposta à pandemia. Foi importante ter todos esses processos organizados”, observa a enfermeira. Para os idosos estratificados são ofertadas os planos de cuidado que são monitorados à distância pelos profissionais da APS.

A parceria com a Assistência Social do município possibilitou que a APS coordenasse também as ações de prevenção e assistência nas instituições de longa permanência. Além disso, a APS de Uberlândia manteve as consultas presenciais com hora marcada para pré-natal e puericultura, visando reduzir a taxa de mortalidade infantil no coeficiente de 5 mortes por mil nascidos vivos.

“Hoje os médicos especialistas estão sob a coordenação da APS, dividindo o mesmo espaço físico da APS. As agendas estão sendo organizados para que se tenha o atendimento compartilhado com o clínico, então esse é o nosso novo normal”, aponta Bonati. Como aprendizado, Poliana Bonati ressalta a importância da integração da atenção especializada com a APS e diz que o novo normal será aprimorar os novos processos da telemedicina no pós-pandemia.

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Lições da Covid-19 em Niterói fortalecem a APS no município

A psicóloga sanitarista Camilla Franco, subsecretária de saúde em Niterói, destacou que a resposta à Covid-19 adotada por Niterói evitou que a cidade virasse epicentro da pandemia no estado do Rio de Janeiro, especialmente, por possuir um alto número de idosos, cerca de 17% da população de 513 mil habitantes. “Niterói conseguiu achatar a curva de transmissão da Covid-19 e apresentou a menor taxa de letalidade da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro”, apontou Franco.

O comitê de crise instituído pela prefeitura de Niterói adotou 47 medidas para proteger a população e manter as pequenas e médias empresas. “Os desafios agora são avançar na reorganização dos serviços de saúde, manter a população engajada no enfrentamento à doença, retomar as atividades e amparar às famílias carentes”, elenca Camilla Franco.

A subsecretária de saúde destacou ainda outras ações de enfrentamento à Covid-19, como a testagem massiva dos sintomáticos, com a realização de 70 mil testes coordenados pela APS; a sanitarização das ruas, comunidades e unidades de saúde; a abertura do primeiro hospital Covid do país com 140 leitos; a distribuição de máscaras na cidade e; a entrega de kits de higiene para as famílias carentes pelos agentes comunitários de saúde que faziam ao mesmo tempo atividades de orientação.

“Apesar de oferecermos o centro de quarentena para favorecer o isolamento domiciliar, o equipamento teve pouca adesão mostrando que a população, de fato, confiou no acompanhamento dado pela APS e pelo médico de família no território para fazer o isolamento doméstico”, diz Camilla Franco.

Em Niterói, a população de rua identificada pelos Consultórios de Rua foi conduzida para hotéis para garantir o cuidado. Outra ação do município, foi a realização de busca ativa pela equipe de Saúde da Família na comunidade após detectada a circulação do vírus no esgoto sanitário. “A presença da Universidade Federal Fluminense e da Fiocruz no município permitiu análises do comportamento da epidemia e auxiliou na tomada de decisão do comitê de crise. Vivenciamos a relação íntima entre a ciência e o serviço”, afirmou a sanitarista.

Camilla Franco apontou que o desafio atual da gestão municipal é aumentar a socialização sem aumentar a transmissão da Covid-19. “O plano de transição gradual para o novo normal passa pela educação em saúde e comunicação com a população. A gente precisa trazer os conceitos básicos da APS, dos agentes multiplicadores no território, da conversa clara com as pessoas. As associações de moradores são fundamentais nesta etapa, assim como as rádios locais. Tem um novo normal na forma como as equipes de saúde estão conseguindo promover prevenção e promoção da saúde com a comunidade, em uma lógica onde não é mais possível fazer as rondas e encontros presenciais”, explica Camilla Franco.

Para Camilla Franco, o futuro da APS passa pelo aperfeiçoamento de ferramentas de comunicação potencializadas na resposta à Covid-19, como o telemonitoramento que será incorporado em outras linhas de cuidado à saúde pelo município. “A Covid-19 tem que trazer ganhos, não só perdas e dificuldades. Ela precisa trazer uma capacidade de reorganização da gestão e da APS, de toda a rede de cuidado, com um novo olhar”, finaliza Franco.

Outra prática a ser desenvolvida por Niterói será a integração da vigilância em saúde com a rede escolar. “Essa integração vai gerar informação diferenciada na comunidade, com olhar diferenciado”, conta a subsecretária de saúde. Como desafio, Camilla Franco destacou os cuidados pós-Covid-19 para as pessoas com sequelas da doença e, principalmente, priorizar o papel da APS na rede de atenção. “A APS precisa estar presente na fala do gestor em todos os momentos, desde quando ele vai discutir o orçamento, nas ações com a rede hospitalar, na fala com todos os pontos da rede”, finaliza Franco.

Artigo sobre a experiência.

 

 

 

 

 

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