Implantação da técnica de Recuperação Intraoperatória de Sangue em serviço público de atendimento ao trauma

“A oferta da técnica RIOS, antes utilizada em procedimentos cirúrgicos eletivos da traumato ortopedia e neurocirurgia, abrange cirurgias de urgência e emergência, especialmente, no trauma de tórax e abdômen. Com equipe disponível  24 horas por dia, a autotransfusão beneficia muitos pacientes e contribui para segurança transfusional, melhorando o tempo de internação e mortalidade. A ampliação da RIOS na emergência otimiza recursos e custo hospitalar, configura uma melhor gestão das bolsas de sangue, além de proporcionar uma assisstência de qualidade aos pacientes atendidos no nosso serviço.” Velma Dias do Nascimento, enfermeira

Profissionais de hospitais de trauma lidam diariamente com pacientes que perdem grandes quantidades de sangue, seja em consequência do acidente sofrido ou das cirurgias longas e invasivas necessárias ao tratamento. Muitas vezes essa perda leva a transfusões de sangue alogênico (de doadores voluntários), sabidamente associadas a complicações e ao aumento da morbidade em pacientes cirúrgicos.

Essa era a realidade no Instituto Dr. José Frota (IJF), o maior hospital de trauma do Ceará, em Fortaleza, que recebe usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) politraumatizados de alta complexidade, com risco de choque hemorrágico. Foi o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce), serviço responsável pelo atendimento transfusional do IJF, que propôs a adoção da técnica de Recuperação Intraoperatória de Sangue (RIOS). Essa técnica permite a  coleta e reinfusão de hemácias de sangue autólogo (do próprio paciente) a partir da aspiração do campo cirúrgico, reaproveitando o sangue do próprio paciente em cirurgias eletivas e de urgência/emergência de grande porte.

Essa experiência foi selecionada pelo Laboratório de Inovação em Enfermagem, desenvolvido pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) no Brasil e pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), devido aos resultados exitosos e pelo potencial de difusão no Sistema Único de Saúde. Saiba mais aqui.

A RIOS é recomendada em procedimentos com grande potencial de sangramento, como cirurgias cardíacas e transplantes de órgãos, especialmente o hepático. O procedimento, realizado por enfermeiros do próprio hospital, reduziu de uma só vez a necessidade de transfusão de sangue e a ocorrência de anemia severa no pós-operatório.

As cirurgias que mais se beneficiaram da implantação do método foram as de correção de fratura de fêmur, artroplastia total de quadril, fratura de acetábulo e epifisiólise de fêmur na pediatria, com recuperação de uma a duas bolsas de hemácias em cirurgias eletivas. No trauma toracoabdominal, por sua vez, houve grande redução de transfusões e melhoria da evolução clínica de pacientes com lesão hepática e esplênica, recuperando uma média de três a quatro bolsas de hemácias no cenário emergencial do trauma. No trauma torácico, o reaproveitamento de sangue em drenagem de tórax na emergência, no atendimento inicial desse paciente, também diminuiu a necessidade de transfusões.

Como resultado, percebeu-se também a melhoria da conduta transfusional por parte das equipes de traumatologia do hospital, a partir da aproximação com a equipe de Enfermeiros do Serviço Transfusional, além da ampliação da técnica para uso em pacientes com e sem recusa a transfusão de sangue de forma sistemática.

O protagonismo da enfermagem no manuseio do paciente com hemorragia grave foi potencializado a partir dessa experiência, permitindo a validação de um protocolo pioneiro no Brasil para o Manuseio da Hemorragia Grave – Protocolo MHEG, desenvolvido durante o Mestrado de Enfermagem da Universidade de Fortaleza (Unifor), com o apoio do CAPES/COFEN. Foi possível ainda a formação de uma equipe de Enfermeiros para atuação 24h por dia, com uso da técnica em cenários eletivos e de urgência no trauma.

A atuação do Enfermeiro na operacionalização do procedimento e apoio à equipe cirúrgica mostrou-se relevante para o melhor atendimento ao paciente com risco de choque hemorrágico. Dessa forma, a integração desse profissional em procedimentos cirúrgicos, apoiando sua realização, trouxe ganhos inegáveis para todos os envolvidos e abrindo novas perspectivas e oportunidades para os profissionais, sempre com o objetivo de beneficiar o paciente, reduzindo complicações e promovendo maior segurança em seu cuidado.

Fonte – Informações cedidas pelos autores.

Fotos – visita dos avaliadores do Laboratório de Inovação à experiência.

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Qualificação Profissional

O Ceará utiliza a técnica desde a década de 1990 e ampliou essa aplicação a partir da comprovação dos resultados positivos alcançados. Nesse processo, porém, foi preciso vencer preconceitos entre médicos e enfermeiros e qualificar o conhecimento dos profissionais de saúde. No segundo semestre de 2015, o Hemoce viabilizou equipamentos, materiais e profissionais necessários para a realização do procedimento de RIOS  no IJF.

Mas, por desconhecimento e resistência das equipes médicas, a utilização da RIOS nos primeiros quatro anos foi pequena, praticamente restrita a doze procedimentos realizados em pacientes que se recusaram a receber transfusão por razões religiosas. 

Num primeiro momento, a não formação dos enfermeiros para a aplicação do método – e a consequente escassez de profissionais qualificados para atuar em hemoterapia – representou outro grande desafio para a adoção rotineira da técnica. O problema foi superado quando o Hemoce disponibilizou equipamentos, materiais e capacitou profissionais sem custos para o hospital, facilitando a adesão da diretoria do IJF. O enfermeiro do Serviço Transfusional do IJF passou a operar o equipamento e a interagir com as equipes médicas nas etapas de avaliação, indicação, realização do procedimento e acompanhamento no pós-operatório imediato.

Os problemas foram enfrentados com a formação de pessoal e a divulgação dos benefícios da técnica em pacientes cirúrgicos. A sensibilização dos profissionais, com abordagem direta de cirurgiões e anestesiologistas, foi feita em dois meses de visitas sistemáticas da equipe do Serviço Transfusional do IJF ao centro cirúrgico. Essa ação, apoiada pela chefia da unidade cirúrgica e do Comitê Transfusional Hospitalar (CTH), foi reforçada por meio de um grupo de WhatsApp, que permitiu um contato rápido e constante com os profissionais e residentes.

Passou-se a divulgar de forma sistemática a disponibilidade do método e os resultados obtidos. Foram realizadas aulas e palestras para o corpo clínico e residentes de anestesiologia para mostrar a importância da identificação de cirurgias com benefício potencial. Por três anos consecutivos, foi realizada campanha institucional intitulada “Transfusão Eu levo a Sério”, com divulgação de vídeos testemunhais de profissionais do serviço e materiais informativos, ressaltando os benefícios e diferenciais da utilização de métodos de redução de transfusão, voltada para a implantação dos conceitos de PatientBlood Management – PBM.

Foi elaborada também uma estratégia de feedback para as equipes, com criação de grupo de pesquisa para análise e discussão dos casos, apresentação de trabalhos em congressos e publicação de artigos, além de introdução do tema em reuniões das especialidades e nas aulas dos programas de residência do IJF.s

Procedimento de RIOS de Urgência no IJF, 2019. Procedimento de RIOS de Urgência no IJF, 2017.
Procedimento de RIOS de Urgência no IJF, 2019. Procedimento de RIOS de Urgência no IJF, 2017.
Procedimento de RIOS no IJF, 2019. Procedimento de RIOS em Drenagem Torácica na Emergência do IJF, 2020.
Procedimento de RIOS no IJF, 2019. Procedimento de RIOS em Drenagem Torácica na Emergência do IJF, 2020.

Ficha Técnica: Implantação da técnica de Recuperação Intraoperatória de Sangue em serviço público de atendimento ao trauma

Ampliação do escopo de práticas

Maior adesão ao tratamento, gestão de sintomas e utilização dos serviços
Efetividade clínica na atenção aos usuários/pacientes

  • Velma Dias do Nascimento
  • Luciana Maria de Barros Carlos
  • Claudianne Maia de Farias Lima
  • Márcia Maria Bruno Araújo
  • Franklin José Cândido dos Santos
  • Rita Neuma Dantas Cavalcante de Abreu

A Recuperação Intraoperatória de Sangue (RIOS) é uma técnica que envolve a coleta e reinfusão de sangue autólogo obtido da aspiração do campo cirúrgico, através de equipamento apropriado, apresentando-se como uma alternativa eficaz à transfusão. O seu uso é recomendado quando pode ser esperada a redução da probabilidade de transfusão alogênica (doadores) e / ou anemia severa pós-operatório (KLEIN et al., 2018).

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