Reformular, sem mudar princípios e atributos da APS: a inovação de Florianópolis no enfrentamento à Covid-19

Mudanças no modo de atender as pessoas, com a expansão de tecnologias como teleatendimento, fazem parte das estratégias adotadas em Florianópolis – SC para fortalecer a atuação da Atenção Primária à Saúde (APS) durante a pandemia. Para evitar aglomerações e reduzir o risco de contágio nas unidades de saúde, os profissionais usam ferramentas alternativas, como a troca de mensagens com os pacientes via celular.

A reorganização da APS da capital catarinense à Covid-19 foi tema do debate ocorrido nesta quinta-feira (30/04), pelo Portal da Inovação na Gestão do SUS. Conduzido pelo coordenador da Unidade Técnica de Sistemas e Serviços em Saúde da OPAS/OMS no Brasil, Renato Tasca, o debate contou com três profissionais da secretaria de Saúde de Florianópolis: o gerente de Inteligência e Informação, Matheus Pacheco; o diretor de Atenção à Saúde, Tiago Barra Vidal; e o gerente de Integração Assistencial, Filipe Perini. A responsável pela Atenção Primária à Saúde do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Maria José Evangelista, atuou como moderadora.

Logo no início do debate, os convidados deixaram clara qual é a grande inovação trazida pela experiência de Florianópolis com a Covid-19: a capacidade da APS de reformular o modelo de atenção, mantendo os mesmos princípios e atributos, mas mudando o modo de operar.

Fortalecer a APS para enfrentar a crise

Renato Tasca, da OPAS/OMS no Brasil, perguntou aos gestores catarinenses se, no planejamento das atividades durante as fases de transmissão comunitária da epidemia, consideraram que a APS deveria continuar com suas funções e atributos – acesso, longitudinalidade, integralidade, coordenação do cuidado e derivados – ou se decidiram sacrificar alguma coisa. A resposta dos participantes foi unânime: nunca os atributos da APS foram tão importantes quanto no enfrentamento à Covid-19.

Para o diretor de Atenção à Saúde, Tiago Barra Vidal, é necessário intensificar cada vez mais a operacionalização dos atributos, sejam eles essenciais ou derivados. “A APS é a primeira a entrar e a última a sair em um processo como esse”, salientou Vidal. Em Florianópolis, houve um esforço para manter a APS disponível e acessível, com a exploração de outros recursos tecnológicos, como teleatendimento, que mantêm a APS próxima das pessoas, mesmo sem acesso presencial.

A APS de Florianópolis foi acionada para receber e triar os casos leves, evitando a concentração de pessoas sintomáticas nos hospitais. O gerente de Integração Assistencial, Filipe Perini, contou que, desde a confirmação do primeiro caso positivo de Covid-19, em 12 de março, os gestores viram-se diante de um impasse: centralizar os atendimentos ou manter toda a rede aberta. A decisão foi pela manutenção da capilaridade, com a ampliação dos pontos de atendimento.

A pulverização dos atendimentos reduziu a pressão sobre os hospitais em Florianópolis, explicou Perini. Segundo o gerente, se não houvesse uma orientação correta da APS, o município enfrentaria uma concentração de infectados nos hospitais, misturando casos leves a graves. Ao invés disso, a capilaridade da rede facilitou o acesso à APS, permitindo a demanda espontânea e a inserção na comunidade.

O sucesso da APS é justamente o que não aparece nos indicadores, observou Perini: “Ninguém diz os leitos de UTI que a APS evitou, ninguém diz as mortes que ela evitou, justamente porque ela conseguiu detectar os casos de uma maneira rápida, ou precoce, e conseguiu promover processos educativos de mudanças de hábitos, isolamento, distanciamento social, ou até mesmo de higienização”.

Acesso universal e pandemia

Segundo Renato Tasca, um dos grandes desafios da APS durante a pandemia é a necessidade de combinar o acesso universal com a prevenção de contágios. “Como universalizar o acesso e, ao mesmo tempo, evitar os perigos de contágio e propagação do vírus?”, questionou Tasca.

Em Florianópolis, uma das respostas para este dilema veio com o lançamento de um serviço de atendimento clínico por telefone. O modelo, que já vinha sendo planejado, foi lançado quatro dias após o município confirmar o primeiro caso positivo de covid-19.

O gerente de Inteligência e Informação, Matheus Pacheco, contou que todas as equipes de saúde da família receberam telefones celulares para atender aos usuários e responder mensagens pelo WhatsApp. Houve um movimento prévio de comunicabilidade das equipes, que já vinham se preparando para operarem com um novo modelo. “Esta é uma maneira de prover informação, prover direcionamento para as pessoas, buscando fazer o que talvez seja o mais importante neste dilema, que é colocar a pessoa certa no lugar certo”, salientou Pacheco.

Filipe Perini revelou os números do Alô Saúde, um dos projetos do atendimento pré-clínico, que vinha sendo gestado há dois anos e foi implantado com o surgimento da pandemia. Em abril, foram realizados mais de 40 mil atendimentos. Neste grupo, havia sete mil pessoas que apresentavam quadro de síndrome gripal e deixaram de circular pela cidade em busca de uma resposta presencial. “As equipes já tinham o hábito de usar o telefone para atendimentos, e isso intensificou com a crise”, disse Perini.

Entretanto, o uso de ferramentas como o teleatendimento não dispensa o contato presencial das equipes de saúde com os usuários, conforme lembrou Pacheco. “ É preciso fazer um mix de todas as possibilidades, mantendo as portas abertas para a entrada das pessoas. No momento em que as pessoas estão nos centros de saúde, é preciso planejar quais os caminhos que os usuários vão percorrer para evitar contaminação, com salas específicas para pacientes com sintomas respiratórios, com casos suspeitos”.

Na avaliação de Pacheco, é necessário prevenir o contágio, mas esse desafio não deve ser usado como subterfúgio para isentar os gestores da responsabilidade de oferecer cuidado para as pessoas na APS. “Covid-19 não é a única necessidade de saúde das pessoas. Conforme a necessidade, a gente discute a melhor resposta. O crucial é entendermos que a APS nunca conseguiu trabalhar com fórmulas e receitas de bolo”, ressalta Pacheco.

Ferramentas para gestores

A assessora técnica para Atenção Primária à Saúde do Conass, Maria José Evangelista, destacou a importância da adoção do prontuário eletrônico em Florianópolis, enquanto muitos municípios brasileiros sequer têm conectividade. Segundo a gestora, há uma preocupação com a terceira onda que virá pós-epidemia. “Em muitos municípios, está havendo um descontrole de quem tem hipertensão, diabetes, dos idosos que frequentam as unidades”, observou Maria José Evangelista, referindo-se aos casos em que a rede não está preparada para receber as pessoas e não dispõe de atendimento a distância.

Na opinião da assessora, é necessário capacitar as equipes para que a APS consiga manter seus atributos durante a pandemia. Pensando na rede como um todo, o Conass e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) estão lançando um instrutivo, elaborado a partir de notas técnicas do Ministério da Saúde. O material deve ser um instrumento prático para a rede, servindo de ferramenta para os gestores municipais e estaduais elaborarem estratégias com as condições disponíveis.

Por fim, a representante do Conass observou que a pandemia torna ainda mais evidente o subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS). “Esta experiência vai mostrar aos políticos que a saúde é um patrimônio do Brasil. Eu tenho esperança que esta crise mostre que precisamos investir na saúde, porque se tivéssemos uma saúde forte, nós estaríamos melhor preparados para enfrentá-la”, defendeu Evangelista.

Acesse os documentos técnicos produzidos pelo município de Florianópolis para a organização da APS durante a Covid-19 em: bit.ly/covid19floripa

Assista o debate:

 

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