O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE – Lei nº 12.594/2012) determina que as medidas socioeducativas (MSE) em Meio Aberto sejam executadas pelos municípios dentro dos Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS). No município de Rio Branco/Acre, é a Divisão de Atendimento Socioeducativo (DIASE), enquanto extensão do CREAS, que executa o Programa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviço à Comunidade (PSC).
A DIASE realiza acompanhamento técnico de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e de suas famílias, respeitando o princípio da Proteção Integral que rege o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90), assim como o SINASE. Atualmente há 98 adolescentes em cumprimento de PSC e 91 adolescentes em cumprimento de LA.
Ressalta-se que o Ministério do Desenvolvimento Social orientou, através do ofício nº28/2018, a Prefeitura Municipal de Rio Branco para que a DIASE executasse os serviços dentro da unidade do CREAS. É importante salientar que o acompanhamento da MSE necessita estar articulado com o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI).
Acrescenta-se que as orientações da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e Internação Provisória – PNAISARI (Portarias 1.082 e 1.083/2014 – em vigor nas Portarias Consolidadas nº 2 e nº 6/2017 – Ministério da Saúde), além de contemplar os adolescentes, contemplam ainda os demais membros da família, visto que fortalecer, promover e prevenir são mecanismos de empoderamento e protagonismo social.
Contexto
Antes das atividades oferecidas pelo projeto, os adolescentes de Rio Branco em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto tinham como referência para atenção à saúde as Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos territórios nos quais residiam. Durante o atendimento técnico realizado pela Divisão de Atendimento Socioeducativo (DIASE), também eram realizadas orientações aos cuidados de saúde, deixando a critério do adolescente e da família a busca pelos serviços de saúde.
Em discussão com o Ministério da Saúde, percebeu-se a necessidade de realizar esse cuidado à saúde de forma integral, envolvendo não somente atendimento de saúde, mas também atividades que promovessem o desenvolvimento saudável desses adolescentes, com oportunidade de vivenciarem novas possibilidades e sonhos de vida.
Assim, em 2013 o Ministério da Saúde indicou o município de Rio Branco para participar de um projeto piloto de atenção à saúde dos adolescentes em medidas socioeducativas em meio aberto. Foi elaborado, assim, um Plano Municipal de Atenção Integral à Saúde dos Adolescentes em Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, em parceria com a Secretaria de Cidadania e Assistência Social e a Área Técnica de Saúde de Adolescentes e Jovens do Estado, e outros parceiros.
As discussões foram iniciadas no I Seminário Municipal do Sistema Socioeducativo em Meio Abert, realizado em 2013 juntamente com os parceiros. A partir do seminário foram realizadas reuniões com as áreas envolvidas para a definição de fluxo de atendimento dos adolescentes em medida socioeducativa em meio aberto na Regional Administrativa Seis (Segmento de Saúde URAP Augusto Hidalgo de Lima), área escolhida para o projeto piloto.
Em 2015, a redefinição das diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e Internação Provisória (PNAISARI), que incluiu o cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto e fechado, através da Portaria Nº 1.082, de 23 de maio de 2014, reafirmou nosso compromisso de gestão na oferta de serviços de saúde aos adolescentes.
Também em 2015, com a realização dos Seminários Integrados (II Seminário Socioeducativo do meio aberto e o III Seminário Socioeducativo do meio fechado) e com a participação dos profissionais envolvidos no atendimento dos adolescentes (saúde, socioeducação, assistência social e poder judiciário) conseguimos a construção do Plano Operativo Municipal (2015-2018) e do Plano de Ação Anual com a definição das metas e ações pactuadas para 2015.
É importante ressaltar que, durante os seminários, adolescentes e profissionais de saúde expressaram a importância das ações de saúde aos adolescentes como forma de ampliar o acesso aos serviços, bem como diminuir a invisibilidade de adolescentes e jovens nas Unidades de Saúde.
Trilhando caminhos para o cuidado de adolescentes e jovens – A inovação
Para desenvolver as atividades propostas no projeto foi necessário um prévio planejamento entre as instituições envolvidas, Área Técnica de Saúde do Adolescente e a equipe de profissionais da DIASE, bem como o alinhamento das ofertas de serviço, definição da Unidade Básica de Saúde para acolher os adolescentes, e as atividades educativas mais pertinentes para cada grupo.
Após esse processo, foi articulado, junto com a equipe de saúde, a proposta de atendimento. Em alguns casos foi necessário sensibilizar os profissionais de saúde, principalmente aqueles que não se sentiam seguros com os adolescentes que cometeram ato infracional. Sabe-se que ainda há muito preconceito com relação aos adolescentes em medida socioeducativa. Porém, após esse trabalho de sensibilização, os profissionais de saúde aceitaram o desafio e acolheram os adolescentes com respeito e carinho.
Após a ação de saúde com os adolescentes sempre realizamos uma roda de conversa com a equipe de saúde, para ouvir as percepções dos profissionais. Entendemos que é uma forma efetiva de avaliar o processo de trabalho e melhorar ainda mais o acesso aos serviços de saúde para essa população.
Profissionais relataram que tinham uma visão preconceituosa e de medo, e que durante a atividade eles perceberam que não é nada disso, que, na verdade, são jovens vulneráveis com contexto familiar fragilizado e que por isso, precisam de apoio e atenção.
Durante o processo de mobilização, os profissionais da DIASE encontraram diversas dificuldades como baixa aceitação do adolescente e da família na participação das atividades de saúde, mudança repentina de contato telefônico e residência. Outro fator relevante é o cenário de violência no estado, o que tem fragilizado as ações, pois nem todos os adolescentes podem ultrapassar certo perímetro urbano, uma vez que a cidade está dividida por facções criminosas.
No entanto, para aumentar o número de participantes, utilizamos como estratégia sensibilizar os responsáveis sobre a importância da participação dos adolescentes e do cuidado integral à saúde. Dentre as estratégias está a oferta de atendimento aos responsáveis, com serviços de atendimento médico, atendimento de enfermagem, odontologia, atualização vacinal, realização de teste rápido e exames laboratoriais. Além do envio de relatório à Primeira Vara da Infância e da Juventude, informando as atividades que o adolescente participou. Essa participação é vista como um aspecto positivo ao cumprimento de medida socioeducativa.
Destaca-se que os profissionais de saúde têm total autonomia para articular e criar atividades para desenvolver no dia da ação. Temos como exemplo a participação do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) com profissional Psicólogo e Assistente Social. Neste dia, a Unidade de Saúde realizou um teatro envolvendo todos os membros dada equipe, incluindo o profissional Médico e Odontólogo. A representação teatral foi importante para destacar os serviços de saúde que a unidade oferece, além de temas como gravidez na adolescência e as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Durante a ação os convidados participaram ativamente compartilhando suas experiências de vida e superação.
Ao final da atividade, os profissionais de saúde sensibilizam os adolescentes a procurarem os serviços de saúde colocando-se à disposição, não somente para atendimento, mas também para orientação em saúde ou qualquer outra situação que o adolescente se sinta à vontade para conversar.
No momento dos atendimentos de saúde, era perceptível a satisfação dos adolescentes ao receber o atendimento. Observando-os atentamente a primeira impressão era de encantamento, pareciam não acreditar que tudo aquilo estava à disposição deles. Um adolescente ficou muito surpreso no momento da aplicação de flúor, chegando a perguntar a um colega se aquele serviço era mesmo gratuito.
Os adolescentes em medida socioeducativa do meio aberto, além dos serviços de saúde e orientações diversas, também foram contemplados com oficinas culturais, como capoeira, grafite, pintura em tela, violão, teatro e dança. As oficinas foram desenvolvidas por regional nos CRAS ou espaço cedido pela comunidade. Apesar do cardápio de oferta de atividades culturais, as que mais se destacaram entre os adolescentes foram a capoeira e o grafite.
As oficinas culturais tiveram como objetivo proporcionar o bem-estar físico, mental e social aos adolescentes em conflito com lei. Contribuindo, assim, para a estruturação de uma proposta de desenvolvimento de habilidades, considerando a necessidade de abordar, com esta população, a autoestima e o projeto de vida, passando por temas como o compromisso, o autocuidado, a responsabilidade, os direitos e deveres da meldonium-mildronate, o controle do estresse, as inteligências intra e interpessoal, a influência dos pares, o pensamento crítico e a consequência das ações e escolhas. Em suma, uma proposta de atenção à saúde entendida em sua integralidade.
Lições aprendidas
O trabalho desenvolvido de maneira interinstitucional foi primordial para o sucesso do projeto, pois a necessidade do olhar integral à saúde dos adolescentes perpassa por vários segmentos institucionais que visam a melhor qualidade de vida dos adolescentes em medida socioeducativa.
Outra lição aprendida foi a superação do preconceito com a quebra de barreiras entre os profissionais envolvidos e os adolescentes. A importância de ver além do ato infracional e compreender o contexto social, as vulnerabilidades desses adolescentes.
Ainda nessa perspectiva, observou-se a necessidade de fortalecer as ações de saúde mental oferecida aos adolescentes e seus familiares, tendo em vista o reconhecimento do sofrimento psíquico decorrente do uso de álcool e outras drogas e a privação da liberdade, em alguns casos.
Trabalhar nessa perspectiva é reconhecer o adolescente em medida socioeducativa como sujeito de direito e protagonista da sua própria história, ampliar a participação interinstitucional dos diversos seguimentos de saúde, assistência social, segurança pública, direitos humanos, cultura, esporte e lazer, de maneira a assegurar a esse adolescente o conhecimento de toda a rede de serviços à qual ele tem direito de acesso.