O Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) foi pioneiro no Brasil na utilização de práticas integrativas e complementares no tratamento dos transtornos mentais. O Instituto, que pertence ao complexo do Hospital de Clínicas da USP, atende pessoas com transtornos mentais graves de alta complexidade. A experiência foi selecionada pelo LIS PICS e recebeu a visita da equipe do Laboratório para produção do vídeodocumentário. O uso das terapias integrativas e complementares começou no ano 2000, com a massoterapia e, aos poucos, com os resultados, outras terapias foram incorporadas. São oferecidas como parte oficial da grade de programação do Centro de Reabilitação e Hospital Dia do Instituto de Psiquiatria. As atividades auxiliam no tratamento psiquiátrico intensivo, realizado em regime de semi-internação. Diariamente, são atendidos 35 pacientes, que têm acesso a reike, práticas botânicas, reflexoterapia, aromaterapia, oficina de beleza e autoestima, acupuntura, auriculoterapia, entre outras atividades reconhecidas pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde.
Todos os terapeutas que atuam no Hospital Dia do Instituto de Psiquiatria da USP são voluntários. Os profissionais são selecionados e passam por uma capacitação dentro do Instituto. Há casos de pacientes que também se tornam terapeutas voluntários. A recompensa está no aprendizado diário e no alívio dos sofrimentos humanos. A grade de atividades integrativas semanais conta com práticas como Reiki, Yoga, diálogos fraternos, práticas botânicas, reflexoterapia, oficina de beleza e autoestima, shiatsu, acupuntura, bioenergética, auriculoterapia, psicoterapia, atividades físicas, teatro, mosaico, literatura, entre outras, e ocorrem em paralelo com os demais cuidados ofertados ao paciente com transtorno mental que passam por consultas de psicologia, nutrição, serviço social, medicina, farmácia, enfermagem e medicina.
“Nós começamos a trazer aos pouquinhos estas técnicas, e conseguimos trazer gente boa para começar a implantar isso aqui. A glória maior é nós estarmos visíveis agora, pelo SUS. E somos aceitos”, comentou Maria Helena Ferreira do Nascimento, massoterapeuta, uma das primeiras a atuar como voluntária, há mais de 20 anos. Iniciativas como essa passaram a ser reconhecidas e apoiadas pelo Governo Federal, a partir da implantação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, em 2006. “A partir destas vivências, a gente consegue entender o transtorno mental a partir de outras perspectivas. Amplia tanto um arsenal terapêutico para a parte do paciente como uma vivência mais ampliada de saúde mental para a parte clínica”, pontuou Flávio Guimarães Fernandes, médico psiquiatra e médico assistente do Hospital Dia do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP.
Entre os anos de 2000 e 2019, foram realizados mais de 40 mil atendimentos. As práticas integrativas e complementares estimulam a participação do paciente como sujeito ativo no processo de tratamento. Segundo Osvaldo Takeda, coordenador do Núcleo de Cuidados Complementares e Integrativos do Centro de Reabilitação Hospital Dia do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP, “essas práticas são oferecidas a todos os pacientes, alguns têm mais afinidade com alguma prática, alguma técnica, então ele participa das práticas que ele achar que traz benefício para ele. Além disso, as práticas integrativas e complementares em saúde são associadas ao tratamento médico convencional, observando a integralidade dos indivíduos”.
Renato Del Sant, Diretor do Hospital Dia do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP explicou sobre o quanto é difícil falar em cura de transtorno mental: “O que a gente tem que fazer é com que o paciente elabore os sintomas, e continue se apropriando da vida. Então, uma técnica psicoterápica, uma medicação, uma socioterapia, uma prática integrativa, não cura ninguém. Mas, ajuda a elaborar o sintoma para poder ter uma vida autônoma, independente, continuar tendo vida profissional, acadêmica, social, política, amorosa. As práticas integrativas, como as outras práticas convencionais, ajudam o paciente a ficar mais independente e autônomo. Devolução da liberdade. Eu não falo em cura, falo em devolução da liberdade existencial”.
“Nós percebemos, aqui, como é um acompanhamento diário e processual, o impacto importantíssimo, positivo e benéfico. Nos dias de atendimento em que temos várias atividades e práticas integrativas, a gente vê mais tranquilidade, mais serenidade. O impacto está sendo muito positivo no aspecto de bem-estar, de qualidade de vida, na diminuição da tensão, da diminuição do manejo da ansiedade nos estados depressivos também”, complementou Takeda.
As terapias, além de tocarem e ajudarem os pacientes, também mudam a compreensão dos profissionais de saúde sobre as doenças, a própria medicina e a saúde como um todo. “Eu sou formada aqui na Faculdade de Medicina da USP, e toda a minha formação foi pautada na perspectiva biomédica e convencional. Eu notava que precisava, também, buscar outras alternativas. Eu não tinha abertura para esse tipo de terapia alternativa ou complementar, porque toda minha formação foi numa vertente convencional, e para que eu pudesse me abrir de fato, eu fiz todo um tempo de observação empírica da técnica na comunidade em que eu atendia como médica de família. Com isso, eu comecei a rever, inclusive, as minhas próprias pré-concepções com relação ao que era possível utilizar para aliviar o sofrimento humano. As práticas alternativas se apoiam, muitas vezes, em teorias e explicações fisiológicas que a gente não vai conseguir demonstrar da mesma forma que consegue demonstrar na medicina biomédica. Então, a gente precisa rever todas as nossas concepções, a gente precisa rever as nossas verdades, e se colocar humilde para aquilo que a gente ainda não consegue, pela racionalidade, demonstrar e explicar”, contou Mariana Eri Sato Nishio, médica de família e comunidade, pediatra e coordenadora da terapia de Biocibernética Smit.
Flávio Guimarães Fernandes é médico psiquiatra e médico assistente do Hospital Dia do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP e contou que não conhecia as práticas integrativas até começar a fazer psiquiatria no Instituto. “Eu mesmo tenho feito parte destas práticas integrativas com acupuntura, tenho tratado minha gastrite com isso, e tem funcionado muito bem, e o que observo nos pacientes é que são práticas que complementam muito bem o nosso trabalho! A gente, como psiquiatra, e até pela nossa formação, a gente trabalha muito medicamentosamente, mas a gente sabe que as medicações têm um certo limite de tratamento, a gente consegue chegar até certo ponto. E, as práticas integrativas permitem, ou trazem para o paciente, um certo reequilíbrio das partes corporais, e a gente observa isso no dia a dia com os pacientes, eles ficam mais calmos, têm resposta melhor até ao tratamento medicamentoso, eles são pacientes que se sentem muito bem cuidados e acolhidos, então isso também traz uma experiência interessante para eles”.