Pesquisadores brasileiros e do Reino Unido estão investigando o impacto da crise econômica na área de recursos humanos no sistema de saúde brasileiro. A pesquisa analisa os efeitos da crise na força de trabalho e na prestação dos serviços de saúde em São Paulo e no Maranhão. O grupo estará em São Luís, entre os dias 6 a 14 de dezembro, planejamento as atividades que prevê a realização de entrevistas com políticos, gestores dos sistemas de saúde dos respectivos estados, médicos e enfermeiros, além de análise de inquéritos quanti-qualitativo representativo da classe médica.
“A nossa hipótese principal é que a crise econômica e as medidas de austeridades associadas estão a criar uma transformação importante no sistema de saúde brasileiro e na articulação do público e do privado, que provavelmente permanecerá além do período da crise. Isto porquê estão a abrir-se oportunidades a nível do privado, que é mais ágil a adaptar-se às novas condições de demanda e de prestação de serviços de saúde – ver o exemplo dos clínicas populares e dos novos planos de saúde”, explica o pesquisador da Quenn Mary University of London, Giuliano Russo, um dos coordenadores do estudo executado em parceria com os pesquisadores da Universidade de São Paulo, Mário Scheffer, e da Universidade Federal do Maranhão, Teresa Seabra, e equipes.
A iniciativa é financiada conjuntamente pelo Medical Research Council (MRC), no contexto do Fundo Newton, e pelo Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e as fundações de amparo à pesquisa das duas cidades envolvidas, com orçamento de R$ 1,7 milhão. Segundo Russo, há pesquisas similares sobre o comportamentfos profissionais de Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, em período de crise econômica, que mostraram a migração dos quadros da saúde para o estrangeiro e para o setor privado.
“Os médicos são um recurso escasso e muito ´móvel’ no sentido que eles facilmente buscam alternativas para manter o mesmo nível de renda. Isso quer dizer que facilmente poderá estar-se a criar uma hemorragia de quadros do sistema público – sobretudo na área rural – para o sistema privado urbano, em particular para especialidades médicas mais procuradas por clínicas e planos de saúde. Também a fuga para o estrangeiro é uma hipótese que terá que ser avaliada, do momento que os médicos brasileiros terão mercado a nível da América latina, mais sobretudo em mercado mais lucrativos como Estados Unidos e Europa do Sul, por causa do idioma e das relações familiares”, explica Russo.
As cidades de São Paulo e Maranhão foram escolhidas para o estudo por apresentarem condições econômicas, problemáticas e desenvolvimento do setor privado bem diferentes, cujas reações serão provavelmente distintas. São Paulo apresenta uma renda per capita quase quatro vezes superior à do Maranhão (USD13,650/2016 e USD3,630 per capita respectivamente) e com um setor privado mais desenvolvido. Maranhão é o segundo estado mais pobre e apresenta 0,79 médicos por 1000 habitantes, com uma cobertura de planos privados de 7,3% da população, enquanto que em São Paulo 43% possuem planos privados.
“O subfinanciamento da saúde pública e a fuga de quadros poderá afetar negativamente a qualidade do serviço prestado e os tempos de atendimento. Isto poderá impulsionar pacientes para o setor privado. Também é preciso ressaltar que o setor saúde representa uma parte importante da economia. Esta duplicidade estará atraindo investidores nacionais e internacionais, que sabem que há (e sempre haverá) bastante lucro nesta área”, adverte o pesquisador Guiliano Russo.
Para Guiliano Russo o principal desafio do SUS em relação a recursos humanos em saúde é assegurar a qualidade do serviço prestado pelo SUS. “Até agora o esforço tem sido de expandir a cobertura da população, mas se os serviços não tem qualidade, os doentes sempre olharão para alternativas. Manter quadros motivados dentro do público, quando eles têm a oportunidade de ganhar muito mais no privado é a grande questão. Como deixar o setor público atrativo para quadros especializados e escassos, é a grande questão que enfrentam todos os sistemas de saúde no mundo. Obviamente a crise económica veio exacerbar este dilema”, aponta.
Seleção de artigos científicos sobre este tema:
Russo, Giuliano, Gerald Bloom, and David McCoy. ‘Universal Health Coverage, Economic Slowdown and System Resilience: Africa’s Policy Dilemma’. BMJ Global Health 2, no. 3 (1 August 2017): e000400. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2017-000400.
Russo, Giuliano, Carlos André Pires, Julian Perelman, Luzia Gonçalves, and Pedro Pita Barros. ‘Exploring Public Sector Physicians’ Resilience, Reactions and Coping Strategies in Times of Economic Crisis; Findings from a Survey in Portugal’s Capital City Area’. BMC Health Services Research 17 (2017): 207. https://doi.org/10.1186/s12913-017-2151-1.
Russo, Giuliano, Inês Rego, Julian Perelman, and Pedro Pita Barros. ‘A Tale of Loss of Privilege, Resilience and Change: The Impact of the Economic Crisis on Physicians and Medical Services in Portugal’. Health Policy (Amsterdam, Netherlands) 120, no. 9 (September 2016): 1079–86. https://doi.org/10.1016/j.healthpol.2016.07.015.
Scheffer, Mário C., and Mario R. Dal Poz. ‘The Privatization of Medical Education in Brazil: Trends and Challenges’. Human Resources for Health 13 (17 December 2015): 96. https://doi.org/10.1186/s12960-015-0095-2.
Bahia, Ligia, Mario Scheffer, Mario Dal Poz, Claudia Travassos, Ligia Bahia, Mario Scheffer, Mario Dal Poz, and Claudia Travassos. ‘Private Health Plans with Limited Coverage: The Updated Privatizing Agenda in the Context of Brazil’s Political and Economic Crisis’. Cadernos de Saúde Pública 32, no. 12 (2016). https://doi.org/10.1590/0102-311×00184516.
Russo, Giuliano, Inês Rego, Julian Perelman, and Pedro Pita Barros. ‘A Tale of Loss of Privilege, Resilience and Change: The Impact of the Economic Crisis on Physicians and Medical Services in Portugal’. Health Policy (Amsterdam, Netherlands) 120, no. 9 (September 2016): 1079–86. https://doi.org/10.1016/j.healthpol.2016.07.015.
Thomas, Steve, Sara Burke, and Sarah Barry. ‘The Irish Health-Care System and Austerity: Sharing the Pain’. Lancet 383, no. 9928 (3 May 2014): 1545–46. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)60744-3.