O fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS) como ordenadora da Rede de Atenção à Saúde é a estratégia traçada pela Secretaria Estadual de Saúde do Paraná (SES-PR) para otimizar os serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e gerar melhores resultados no cuidado da saúde da população paranaense. O papel do Estado na construção das Redes de Atenção e a articulação com os municípios é tema da entrevista concedida pela Superintendente de Atenção à Saúde da SES-PR, Márcia Huçulak, ao Portal da Inovação em Saúde.
Márcia Huçulak conta como o Estado do Paraná monitora, juntamente com os municípios, as ações das Redes de Atenção implantadas (Mãe Parananense, Urgência, Saúde Bucal e Saúde Mental) com objetivo de resolver oportunamente os problemas operacionais e explica como ocorrem as pactuações sobre financiamento das ações de custeio, investimento e capacitações das Redes.
O modelo de governança utilizado pela Secretaria está sendo acompanhado por uma instituição acadêmica para gerar evidência e conhecimento entre os gestores. O projeto Rede Mãe Paranaense alcançou em três anos uma redução de 40% da mortalidade materna e 10% da morte infantil.
Confira a entrevista com a superintendente de Atenção à Saúde da SES do Paraná, Márcia Huçulak.
Portal da Inovação em Saúde – Qual a importância das secretarias estaduais de saúde no fortalecimento da Atenção Primária e no enfrentamento das doenças crônicas?
Márcia Huçulak – A participação do Estado é de fundamental importância no apoio da organização da Atenção Primária nos municípios. Grande parte dos municípios brasileiros tem menos de 20 mil habitantes e muitos com dificuldades operacionais de organizar o planejamento, as ações de saúde, preparar as equipes e, principalmente, necessitam de apoio financeiro para custeio e investimento. Os estados por muito tempo deixaram que os municípios se organizassem sozinhos, alguns conseguiram, mas outros nem tanto, por dificuldades financeiras ou até de falta de equipe técnica. Então, para o avanço nas Redes de Atenção à Saúde a participação do Estado é fundamental, tanto no custeio das equipes, como em uma proposta de capacitação estruturada, que no Paraná temos o APSUS que hoje atinge 35 mil profissionais da atenção primária. Nós uniformizamos uma linguagem de trabalho, porque para organizar um modelo de atenção às doenças crônicas é necessário que a gente capacite as equipes para realizar a estratificação de risco, e quem vai fazer isso é a Atenção Primária. Se nós não tivermos a Atenção Primária alinhada, entendendo a importância dela na organização do sistema, como porta de entrada, como coordenadora do cuidado do cidadão, fazendo as ações de estratificação de risco e fazendo a vinculação desses usuários que demandam os serviços da atenção segundaria e terciária, o sistema não vai dar os resultados que precisa dar para a nossa população.
Então a grande mudança que eu acredito são os estados atuarem fortemente na Atenção Primária. Hoje, 2/3 dos cânceres no Brasil são tratados em estágios terminais, ou seja, pouco se pode fazer por aquele paciente. Agora, se a gente organiza a Atenção Primária, fazendo a capacitação precoce, vinculando essa população, tomando as medidas de prevenção com o apoio do Estado nós podemos inverter essa lógica. O papel da Secretaria de Saúde do Estado é organizar o sistema de saúde a partir da sua base que é a atenção primária, sem a atenção primária funcionando nós não vamos avançar no modelo de atenção no Brasil.
Portal da Inovação em Saúde – Como o Paraná está reduzindo a mortalidade materna e infantil por meio do fortalecimento da Atenção Primária? O que é o projeto Mãe Paranaense?
Márcia Huçulak – Foi baseado no Projeto Mãe Curitibana, iniciou-se em 2011 na Secretária de Estado de Saúde, uma reformulação de todo a atenção materno e infantil no Paraná. Nós temos no Paraná cerca de 150 mil nascidos vivos por ano e cerca de 170 mil gestantes por ano. Nós temos um estudo da última década, de 2000 a 2010 que mostrava que a mortalidade materna no Paraná não mudou nada, e a infantil com oscilações, ora caía, ora aumentava, mas não mostrava uma tendência de declínio. Então nós trabalhamos com o modelo de crônicas, implantamos a rede de atenção materno infantil – a Rede Mãe Paranaense, e organizamos toda atenção, começando pela atenção primária, fizemos um programa de capacitação de apoio aos municípios, o APSUS, onde o Governo do Estado aloca recursos para custeio para os municípios paranaenses e investimento num grande programa de capacitação. Nós temos hoje o Mãe Paranaense implantado nos 399 municípios e nos três anos do projeto nós conseguimos reduzir 40% da morte materna e 10% da morte infantil e a tendência agora é de declínio. Para isso, foram dois pilares básicos: o papel do Estado atuando fortemente na Atenção Primária, na estratificação de risco da gestante e do bebê e a vinculação dessa gestante para o hospital mais adequado para ela ter o bebê. Com isso, nos intervimos no indicador de mortalidade materna e infantil, além do indicador de qualidade que nós já temos, que 80% das gestantes tem mais 7 consultas pré-natal e temos uma baixíssima taxa de desnutrição. Todas as ações que nós fizemos para melhorar a atenção materna e infantil foi baseada na atenção primária e fizemos junto com a atenção primária um planejamento dos serviços, com o Estado fazendo as compensações aonde não havia oferta, investindo em leitos obstétricos, estrutura ambulatorial especializada, em leitos de UTI e pediátricos.
Portal da Inovação em Saúde – Como ocorre a pactuação na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) para a estruturação da Rede de Atenção, com municípios recebendo do Estado financiamento diferenciado?
Márcia Huçulak – Nós trabalhamos no Paraná, desde 2011, com o fator de redução das desigualdades. Nós ranqueamos os 399 municípios a partir de indicadores socioeconômicos e estabelecemos um valor per capita diferenciado no custeio para municípios mais carentes num valor maior e um valor menor para municípios em uma condição socioeconômica melhor. Então isso é claro, é transparente, e nós apresentamos para o conjunto de secretários municipais e prontamente os secretários entenderam a lógica que estamos colocando e aceitaram. Todo nosso custeio que varia de R$ 3.600 por mês a R$ 23.500 é repassado fundo a fundo, nós criamos um fundo a fundo de apoio a Atenção Primária para que o município possa melhorar a qualidade da Atenção Primária, melhorar as suas equipes. Nós também oferecemos um programa de capacitação que é feito por meio de oficinas e tutoria in loco nas unidades, além de capacitações técnicas na área materno-infantil, de urgência, na área de saúde mental e saúde bucal para melhorar toda a equipe para o atendimento à população, além dos protocolos clínicos. Toda essa discussão foi levada à CIB do Paraná, que avalia, discute, faz algumas correções, faz algumas sugestões que nós adotamos, mas é um processo que nós não tivemos dificuldade no Paraná, e tivemos uma parceria grande com os municípios que são os grandes propulsores e responsáveis por acolher o cidadão e a porta de entrada do sistema que é a atenção primária.
Portal da Inovação em Saúde – Quando se fala em governança no SUS, você acha que o Estado do Paraná está recuperando o seu papel na governança?
Márcia Huçulak – Sem dúvida! Hoje a Secretaria Estadual de Saúde pode dizer que é uma Secretaria gestora. Os próprios gestores municipais diziam para nós que não sabiam o papel da Secretaria Estadual, que hoje se coloca como coordenadora do Sistema de Saúde do Paraná, como indutora de um Modelo da Atenção, que é o modelo de crônicas e o modelo das redes de atenção. Nós temos já quatro redes de atenção implantadas no Paraná, que é o Mãe Paranaense, a Rede de Urgência que nós temos um trabalho forte de apoio ao atendimento de urgência em todo Paraná, a Rede Saúde Bucal e a Rede Saúde Mental, todas elas discutidas e pactuadas com os municípios e com forte papel do Estado no financiamento. Todas as nossas Redes têm recursos de custeio, de investimento e de capacitação.
Portal da Inovação em Saúde – Como a SES faz o acompanhamento da governança?
Márcia Huçulak – Estamos fazendo um piloto com a Fundação Dom Cabral e com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), implantando o Comitê Executivo Mãe Paranaense que é um comitê assessor da CIB, aonde todos os gestores da macrorregião participam juntamente com todos os prestadores de serviço, usuários e a coordenação do Estado. Como nós trabalhamos com planejamento estratégico nós damos para cada Rede um “painel de bordo”, onde nós fazemos um monitoramento dos indicadores estabelecidos nesse painel de bordo e com isso nós vamos resolvendo os problemas do dia a dia que vão surgindo. Por exemplo, uma situação de um município que não estratifica ou estratifica mal é discutida neste Comitê e daí surgem as recomendações, inclusive para a Secretaria de Estado que tem que fazer capacitação, tem que intervir com o prestador, onde o prestador não está atuando conforme o contrato, então isso tem se mostrado muito resolutivo. É uma experiência que começou há um ano, que tem se mostrado muito satisfatória, os municípios tem gostado muito porque é lá que eles levam os problemas e as situações que precisam ser melhorados para que se consolide uma Rede. Para uma Rede de Atenção se estabelecer não basta você implantar o serviço, você precisa cuidar para que todos os elos dessa cadeia que nós organizamos, funcione.
Foto – SES/PR
Por Vanessa Borges para o Portal da Inovação em Saúde