O processo de raciocínio clínico para o diagnóstico de lesões bucais ou afecções estomatológicas foi identificado como uma fragilidade dos odontólogos da Atenção Primária à Saúde (APS) no município de Florianópolis-SC. O subdiagnóstico de lesões bucais malignas em momento oportuno para o melhor tratamento e sobrevida do paciente, bem como o diagnóstico de tumores bucais em estágios avançados foi um ponto motivador para pautar as ações do CEO em processos metodológicos de educação permanente e proximidade do especialista com os odontólogos da APS.
Identificar lesões bucais de forma precoce, bem como atuar no âmbito da prevenção do câncer bucal são ações fundamentais para o serviço público de saúde, dadas a gravidade da doença e os custos para o sistema e para o usuário acometido. Desta forma, qualificar os profissionais da APS sobre questões estomatológicas significa ampliar o olhar para identificação de casos importantes, e também, salvar vidas.
Durante a pandemia COVID-19 a odontologia da rede municipal de Florianópolis precisou adequar-se às novas ferramentas de educação e diagnóstico à distância. Foi nesse momento de maior dificuldade que a rede se organizou e fortaleceu os mecanismos de educação à distância, treinamentos remotos e a prática do matriciamento via e-mail. Os atendimentos no CEO são, na sua grande maioria, eletivos, mas o diagnóstico de câncer bucal, é urgente, então, considerando tal contexto, o município de Florianópolis se adequou ao “novo normal pandêmico” e fortaleceu a comunicação à distância entre pacientes e profissionais da APS e entre profissionais APS – CEO.
Apresentar a experiência da rede municipal de saúde Florianópolis na construção um serviço especializado de estomatologia e pautar as ações de prevenção ao câncer bucal em treinamento e educação permanente para as equipes de saúde bucal do município, bem como monitorar os indicadores de encaminhamento da APS sobre estomatologia.
A construção do serviço foi desenvolvida em 7 etapas: 1) contratação de uma especialista em estomatologia; 2) sensibilização e treinamento dos odontólogos da rede municipal de Florianópolis; 3) criação de protocolo de encaminhamento para a especialidade, considerando os aspectos de integralidade e equidade, aproximando o setor de regulação à APS e ao CEO; 4) contratação de laboratório de anatomia patológica; 5) atendimento dos usuários do SUS no CEO com fila 100% regulada (regulação feita por profissional odontólogo); 6) matriciamento de casos via e-mail e seleção de casos para matriciamento “in loco”, onde a especialista dirige-se à unidade de saúde e realiza o atendimento do usuário na APS, fortalecendo o elo entre o paciente e o odontólogo da APS e também qualifica o atendimento estomatológico; 7) desenvolvimento de uma ferramenta de manejo clínico para o profissional da APS conduzir o diagnóstico de lesões bucais e afecções estomatológicas na APS; 8) monitoramento do indicador de encaminhamento para a estomatologia baseado na estimativa populacional de casos de câncer bucal e de usuários com necessidade de biópsia.
Proximidade da APS e do CEO;
Maior resolutividade da APS, com a utilização da ferramenta de manejo clínico e do matriciamento com especialista;
O agendamento das consultas acontece conforme os princípios de equidade e integralidade, de forma 100% regulada e seguindo protocolo de encaminhamento e classificação de risco – quem precisa mais, chega primeiro;
Os casos referenciados para o CEO são os que realmente necessitam da conduta da especialista, uma vez que casos que podem ser manejados na APS não são referenciados para o CEO;
Qualificação técnica dos odontológos que atuam na APS por meio de treinamentos contínuos de utilização da ferramenta de manejo clínico e educação continuada para o melhor reconhecimento de lesões bucais e descrição das mesmas com detalhamento, permitindo a classificação de risco com mais precisão;
Identificação da população de maior risco para o desenvolvimento de câncer de boca;
Sensibilização das equipes de saúde bucal para o monitoramento do indicador de encaminhamento baseado na estimativa populacional de casos suspeitos de câncer.
A comunicação entre APS, regulação e CEO é o elo forte no combate ao câncer bucal. Quanto mais a especialidade permeia a atenção primária por meio de educação continuada e matriciamento, seja à distância ou presencial, mais competentes e preparados são as equipes de saúde bucal da APS para o reconhecimento de lesões e encaminhamento à especialidade. A estomatologia é um tema desafiador para o clínico geral e o município que investe em profissionais especializados tem menos custos com o tratamento de consequências de doenças como o câncer bucal. É fundamental que se monitorem os números de encaminhamentos para estomatologia com base na estimativa populacional de casos suspeitos de câncer, visando estimular o exame clínico e anamnese minuciosos dos profissionais da APS.
O município de Florianópolis traz a recomendação de fortalecer a rede de atenção em saúde bucal proporcionando espaços de troca entre profissionais de diferentes níveis de atenção à saúde. Organizar a demanda com a aplicação de protocolos condizentes com a necessidade da população reduz o tempo de espera para o tratamento em serviços hospitalares e minimiza as consequências físicas e emocionais que o tratamento oncológico proporciona ao usuário.