Relato de experiência: a implementação do serviço de atendimento aos Pacientes com Necessidades Especiais no CEO de Foz do Iguaçu-PR

Identificação do autor responsável
Autores do relato
Nome Município
Erico Massoli Ticianel Pereira Foz do Iguaçu
Kleice Krul Correa Pardinho Foz do Iguaçu
Contextualização/introdução

O relato da experiência se passa na cidade de Foz do Iguaçu, Terra das Cataratas, que atualmente possui 258.532 habitantes, e situa-se na tríplice fronteira com Argentina (Porto Iguaçu) e Paraguai (Cidade do Leste). O município conta com 29 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 2 Unidades de Pronto Atendimento (UPA) – sendo apenas uma com atendimento odontológico –, e 1 Centro de Especialidades Odontológicas (CEO). Temos a especificidade de atender além de brasileiros, pacientes argentinos, paraguaios e de outras nacionalidades, pois na cidade habitam moradores de mais de 80 nacionalidades.
A partir de 2018, foi incluído o atendimento aos Pacientes com Necessidades Especiais (PNE) entre as especialidades vinculadas ao CEO. O relato que redijo é a partir deste momento – onde me inseri no cuidado à pessoa com deficiência/PNE no CEO – descrevendo o início desta trajetória, e compartilhando dados e relatos de atendimentos, planejamentos, sucessos e insucessos entre o período de outubro de 2018 a junho de 2022.
O CEO de Foz do Iguaçu é tipo III, conta com 8 cadeiras odontológicas, e fica instalado dentro do Hospital Municipal Padre Germano Lauck. Contempla as especialidades de prótese, DTM, radiologia, cirurgia oral menor, periodontia, endodontia, ortodontia preventiva, e PNE. A localização central, a acessibilidade, e o fato de ser anexo ao Hospital Municipal são fatores que auxiliam os usuários em relação ao acesso deste serviço.
Recebi a proposta de atender os PNE no CEO ao ser convocada como servidora pública municipal, em outubro de 2018. Sou especialista em Odontopediatria, especialista em Saúde Coletiva e Mestre em Saúde Coletiva. Pelo meu perfil, o então Coordenador de Saúde Bucal convidou-me a iniciar um trabalho em saúde bucal voltado às pessoas com deficiência, oferecendo o espaço físico de um consultório odontológico no CEO de Foz do Iguaçu, para atendimentos odontológicos exclusivos dos PNE.
No âmbito do Programa Nacional de Assistência Odontológica Integrada ao Paciente Especial, paciente especial é: “todo indivíduo que apresenta desvios de normalidade, de ordem física, mental, sensorial, de comportamento e crescimento tão acentuadas a ponto de tal indivíduo não poder se beneficiar de programas rotineiros de assistência. Para que goze de saúde bucal, exige setores, pessoal e serviços especializados, capazes de atender às suas necessidades específicas” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1992).
Quando iniciei os atendimentos no CEO, não havia ASB disponível para atendimento em conjunto, e o primeiro passo foi solicitar uma auxiliar com perfil para atender este público. Felizmente, fui agraciada com a indicação da ABS Kleice Crul Correa Pardinho, que atua comigo desde o início da clínica de PNE no CEO. A especialidade tem suas peculiaridades, e os casos são muitas vezes complexos. Com treinamento, desenvolvemos um bom trabalho em conjunto. Kleice cuida da agenda odontológica, dos retornos, planeja os atendimentos mais complexos, é comprometida, e nossa parceria no dia a dia nos motiva a continuar desenvolvendo um excelente atendimento aos PNE. Parece clichê, mas a “vontade de fazer dar certo” que temos em comum nos impulsiona frente às dificuldades e óbices do sistema de saúde público.
Os atendimentos, muitas vezes, são estressantes: há gritos, choro, os pacientes por vezes vomitam, evacuam e urinam durante a consulta. O fator psicológico e emocional também deve ser levado em consideração, pois entramos em contato com pacientes portadores de diversas síndromes e comorbidades – que não são comuns no dia a dia do cirurgião dentista e equipe. Há necessidade constante de atualização profissional, pois, nesses 3,5 anos de atendimento no CEO, frequentemente me deparo com novos casos clínicos, presentes apenas em livros e artigos científicos. Outro ponto importante a ser destacado é a atualização farmacológica: com o advento de novos medicamentos/terapias/tratamentos, é imprescindível que o profissional tenha conhecimento sobre as drogas que o paciente faz uso, bem como seus efeitos no paciente para que o tratamento possa ser realizado com sucesso. Com relação aos aperfeiçoamentos e estudos, dedico parte do meu tempo para me atualizar nesta área.
Após buscar todos os materiais necessários para o atendimento no consultório, iniciei a busca ativa dos PNE nas principais escolas para pessoas com deficiência na cidade de Foz do Iguaçu, quais sejam: Escola de Adaptação Neurológica Nosso Canto, APAE I, APAE II e ACDD (Associação Cristã para Deficientes Físicos). Desde o início da clinica de PNE no CEO, dedico dias da agenda clínica para visitas nas escolas, exames clínicos, participação em reuniões com os profissionais das escolas e participação de reunião de pais. Este contato é importante pra manter o vínculo e reforçar junto à família os cuidados em saúde bucal dos pacientes. Também são atendidos pacientes com necessidades especiais que não estudam nas instituições citadas, oriundos da atenção básica via encaminhamentos.
Com relação aos atendimentos clínicos propriamente ditos, descrevo o “roteiro” que sigo diariamente na clínica de PNE no CEO, em quatro etapas:
1 Abrir no sistema RP no computador o prontuário eletrônico e verificar se é:
a primeira consulta;
b retorno semestral ou trimestral para acompanhamento e prevenção;
c encaminhamento dos profissionais da Atenção Básica – os quais trato como primeira consulta no CEO.

PARTE I – conhecendo o paciente, sua família, e uma anamnese detalhada

Paciente e família (mãe/pai/cuidadores ou responsáveis) são recebidos no consultório, e enquanto a ABS Kleice distrai o paciente (com desenhos no quadro negro, brinquedos, massinha ou mostrando fotos, imagens e figuras), eu realizo uma anamnese detalhada com os seguintes dados:
a CID do paciente – história clínica da comorbidade/deficiência
b Todos os medicamentos em uso
c Peso
d Resumo dos atendimentos odontológicos anteriores e motivo da consulta odontológica
e Orientação de dieta (avalio se é cariogênica ou saudável. Se for cariogênica, entrego aos pais/cuidadores um diário alimentar (exemplo nos anexos) para ser preenchido durante uma semana e ser entregue na próxima consulta. A orientação de dieta é feita com imagens no computador, demonstrando níveis elevados de açúcar em ultraprocessados, de uma forma fácil e dinâmica visando a troca de conhecimentos, e evitando termos difíceis e técnicos. A orientação de dieta é rigorosa para o controle da doença cárie, e discuto muito este tópico com a família. Juntos buscamos opções saudáveis, substituições de preparos de alimentos menos açucarados, e até trocamos receitas fáceis e simples – de acordo com o perfil da família.
f Orientação de higiene oral: os responsáveis são questionados sobre a freqüência de escovação dental e qual o dentifrício utilizado pelo paciente. Sempre que a família não sabe qual o creme dental está utilizando, peço para trazê-lo na próxima consulta. Realizo a orientação sobre creme dental fluoretado e a quantidade ideal para o paciente – conforme sua idade. Realizo a escovação nos PNE ao lado da família, para visualizarmos sangramento/gengivite/excesso de placa bacteriana e onde a escovação não está sendo efetiva. Temos escovas infantis e adulto fornecidas pela prefeitura. Não temos creme dental para entrega aos pacientes.
g Os pais/responsáveis são orientados através de uma cartilha que desenvolvi em parceria com a UNILA e Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu – onde há informações visuais sobre início e desenvolvimento da cárie dental, utilização da quantidade correta de dentifrício fluoretado para crianças, presença de hábitos deletérios e conseqüências (chupar dedo/chupeta) e início da dentição permanente com imagens do primeiro molar permanente em erupção.

Parte II – avaliando a condição de saúde bucal do paciente, preenchimento do odontograma, visualização das condições clínicas pelos responsáveis, e elaboração de um plano de tratamento

a Avaliação de presença de gengivite, cárie, maloclusão, e demais estruturas bucais em conjunto com os responsáveis (exame clínico). Este exame pode ser realizado com o paciente na cadeira odontológica (quando há colaboração), com o paciente no colo dos pais, com o paciente sentado no mocho (muitas vezes eles têm medo da cadeira odontológica em uma primeira consulta), ou – se forem menores de 2 anos – na MACRI;
b Preenchimento do odontograma no programa RP Saúde pela auxiliar Kleice;
c Evidenciação de placa bacteriana e escovação supervisionada (em conjunto com os responsáveis). Avaliamos a presença de gengivite, cálculo dental, sangramento espontâneo, e juntos determinamos a melhor técnica de escovação para este paciente. Muitas vezes utilizamos dispositivos para facilitar a abertura da boca, e orientamos a família sobre estas possibilidades e materiais;
d Realizamos o plano de tratamento para as próximas consultas;
e Se o paciente for colaborativo, bem como a família/cuidadores, o paciente pode receber o tratamento proposto no consultório do CEO. Se o paciente colaborar parcialmente, mas houver possibilidade de contenção física com lençóis e auxílio dos pais/cuidadores (desde que com consentimento dos mesmos), e o tratamento for seguro tanto para o paciente quanto para os profissionais, também realizamos os procedimentos no CEO. Se for bebê com menos de 2 anos, e a família concordar, o atendimento é realizado na MACRI. Em último caso, para pacientes extremamente não colaboradores, agressivos, fortes, ou em situações de saúde que requerem anestesia geral, realizamos o encaminhamento para tratamento hospitalar.

Parte III – encaminhamentos hospitalares: relato de experiência atendendo os PNE no centro cirúrgico do Hospital Municipal, e desfechos atuais

Sobre os atendimentos hospitalares, os mesmos ocorrem atualmente (2022) no Hospital Municipal Padre Germano Lauck, uma vez por semana, por um cirurgião buco maxilo facial contratado pela Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu. Participei entre janeiro de 2019 e março de 2020 dos atendimentos odontológicos voltados aos PNE no centro cirúrgico hospitalar. Aprendi na prática a atender pacientes sob anestesia geral, e as peculiaridades do trabalho neste local. A experiência de atender toda semana por quase um ano e meio em conjunto com o cirurgião-dentista buco maxilo-facial, a equipe de técnicos em enfermagem, auxiliares e anestesistas foi muito exitosa.
Durante este período, consegui com a anuência da chefia do CEO, desenvolver minha agenda semanal de atendimentos em:
a ambulatoriais no consultório do CEO às terças, quartas e quintas feiras;
b atendimento em conjunto com o cirurgião-dentista buco maxilo facial no ambulatório de PNE às sextas-feiras (avaliação de casos, exame clínico);
c Atendimento cirúrgico hospitalar sob anestesia geral às segundas-feiras. Eram atendidos em média 2 pacientes por período (dependendo da complexidade dos procedimentos).
Nas sextas-feiras à tarde atendíamos livre demanda de PNE e triávamos os pacientes que na segunda feira pela manhã seriam operados (os que retornavam com os exames complementares sob controle e pré-anestésico liberado). Éramos uma equipe: o cirurgião buco- maxilo facial, sua instrumentadora cirúrgica, eu, e a auxiliar Kleice. Separávamos os kits esterilizados, brocas, materiais de consumo e instrumentais para cada caso. Houve um período que eu mesma, nas consultas semanais – quando o caso era hospitalar – pedia os exames de sangue pré operatórios e a consulta com o anestesista, para agilizar e otimizar o tempo destas famílias e pacientes. O fluxo e andamento dos casos hospitalares estava funcionando bem, e as filas diminuíram. Infelizmente, por uma decisão unilateral, os atendimentos odontológicos hospitalares que eu participava às segundas-feiras foram suspensos, bem como os ambulatórios em conjunto com o cirurgião-dentista buco maxilo-facial às sextas-feiras. No momento, não realizamos mais atendimentos dos PNE em conjunto. A justificativa para as incongruências encontradas entre o planejamento da intervenção e o que efetivamente foi implantado, recaem sobre os atores envolvidos no processo, os conflitos entre interesses diversos e o cenário político-institucional.
Além da parceria do Hospital Municipal Padre Germano Lauck entre 2019 e 2020, firmamos outras 3 parcerias bastante efetivas para o atendimento dos PNE em Foz do Iguaçu: o vínculo com 3 escolas de adaptação neurológicas do município: APAE (488 alunos), Centro de Adaptação Neurológica Nosso Canto (168 alunos) e ACDD (Associação Cristã de Deficientes Físicos), com 125 alunos. O contato com os assistentes sociais, os diretores, professoras, as visitas às instituições, e a participação em reuniões nos aproxima do público que visamos promover saúde bucal. Um vínculo estreito foi criado durante este tempo entre nós (Kleice e eu), os funcionários das escolas especiais e as famílias dos pacientes.

Justificativa

Esta proposta justifica-se pela necessidade de acompanhamento do serviço ofertado aos PNE no CEO de Foz do Iguaçu-PR. Estudos sobre o modelo de atenção em saúde bucal para essa população e protocolos baseados em classificação de risco são imprescindíveis, bem como a organização da rede de cuidados em saúde bucal da pessoa com deficiência.
É necessário trabalhar na remoção de barreiras de acesso presentes tanto a atenção básica quanto a atenção especializada. Garantir o acesso universal, a equidade em saúde e o respeito à autonomia das pessoas com deficiência é responsabilidade dos profissionais, dos gestores públicos e da sociedade. Me enquadro neste momento enquanto profissional cirurgiã-dentista responsável pelos atendimentos aos PNE no CEO local, buscando soluções para a resolutividade da assistência odontológica às pessoas com deficiência. Sou a “ponte” entre a atenção básica e a assistência hospitalar para os atendimentos odontológicos deste público, e percebo que há necessidade de melhor articulação entre CEO, atenção básica e nível hospitalar para garantir as práticas de prevenção e assistência odontológica dos PNE no município, o que envolve necessariamente a integração entre serviços e instituições de saúde.
“Os serviços devem se organizar para ofertar atendimento prioritário no âmbito da atenção primária (porta de entrada), devendo haver Unidades de Referência Especializada e Hospitalar para os casos de maior complexidade e os que necessitem de atendimento sob anestesia geral. O atendimento a estas pessoas, por requerer uma atenção em todos os níveis de complexidade, impõe a necessidade de um rigoroso trabalho integrado da equipe de saúde” (Cadernos da Atenção Básica, 2006)”. Este trabalho integrado das equipes de saúde é o que ainda falta para desenvolvermos um atendimento de excelência aos PNE na esfera da Atenção Básica, Atenção Especializada e Atenção Hospitalar, e assim, fortalecermos o acesso dos PNE à odontologia no município, em todos os níveis de atenção.
O que motivou a realização desta experiência foi perceber que na cidade de Foz do Iguaçu a população com algum tipo de deficiência não tinha um lugar referenciado para receber atendimento odontológico. A partir deste contexto, busquei colocar em prática a saúde coletiva, a odontopediatria e a clínica geral nos atendimentos aos PNE no CEO. Começamos “do zero”, solicitando materiais, diferenciando a sala com cores, fotos, desenhos e pinturas – tornando-a um ambiente lúdico – e oferecendo atendimentos odontológicos com qualidade e tempo adequado de consulta clínica. A escuta qualificada de cada família que traz os pacientes às consultas, as orientações de higiene e dieta, e a adesão ao tratamento odontológico são os fatores que motivam a continuar e melhorar o serviço de atendimentos odontológico aos PNE.
Recebemos elogios da Ouvidoria Municipal (exemplo nos anexos), além de vídeos e depoimentos famílias satisfeitas com o atendimento prestado pela nossa equipe. As famílias concordaram em permitir o uso de fotos e imagens dos pacientes com necessidades especiais atendidos no CEO (assinados através de um termo de consentimento) para artigos, publicização em mídias sociais, palestras e mídia impressa/digital além de mantermos quadros de fotos no consultório do CEO, o que auxilia na divulgação e conscientização da necessidade de tratamento odontológico para esta população. Muitos pacientes com paralisia cerebral, autismo, Síndrome de Down, distúrbios mentais, sensoriais, neurológicos, problemas congênitos, dentre outros diagnósticos, se reconhecem nas fotos nas paredes, nos reconhecem, e observamos o desenvolvimento e a cooperação dos mesmos durante as consultas subsequentes.
Outro fator motivador são os retornos semestrais onde atualizo o prontuário com cárie zero e gengivite ausente dos pacientes. Estes são os presentes que recebo enquanto profissional responsável pelos PNE no CEO.

Objetivo(s):

O objetivo do atendimento aos PNE no CEO é a promoção de saúde bucal e geral, manutenção e reabilitação da saúde bucal, investindo tempo e diálogo para atingirmos os objetivos em cada paciente e família envolvida. Sou adepta do reforço positivo às famílias em cada consulta que o paciente retorna com a gengivite controlada (doença mais prevalente neste público).
As consultas odontológicas são voltadas à prevenção da doença cárie e controle da gengivite/periodontite. De acordo com a idade, perfil e cooperação do paciente, são realizados todos os procedimentos possíveis na cadeira odontológica do consultório de PNE no CEO: profilaxias, aplicações de flúor, instrução de higiene oral, evidenciação de placa bacteriana, selantes, restaurações, exodontias, frenectomias linguais, consultas de adaptação (manejo de comportamento). Casos complexos e que não são possíveis de serem realizados com segurança no consultório do CEO são referenciados ao cirurgião buco maxilo facial contratado pela Prefeitura, para atendimento hospitalar.
Estou realizando levantamento de dados do perfil de pacientes atendidos no CEO de Foz do Iguaçu: principais diagnósticos, idade, sexo, e CPOD (em anexo). EM 2018 não havia computador nem sistema eletrônico no CEO, e as fichas eram manuais. Logo depois, passamos a utilizar o sistema E-SUS, e os relatórios eram gerados automaticamente. Tínhamos acesso aos dados para monitoramento e controle dos atendimentos. Em 2020, a Prefeitura descartou o E-SUS e passou a utilizar um sistema próprio – o “RP Saúde”. Em 2020, devido à pandemia, os atendimentos no CEO foram suspensos. Logo depois, houve a reforma do local, e a partir de setembro de 2021 os atendimentos voltaram a ser realizados no CEO. Neste período, devido ao grande número de casos de COVID, o número de atendimentos diminuiu consideravelmente. Estou trabalhando na geração de novos relatórios com os dados de atendimentos de agosto de 2021 em diante, e processando um banco de dados dos atendimentos aos PNE no CEO para gerarmos indicadores.
Estou solicitando materiais que possam auxiliar no atendimento dos PNE no CEO, para aumentar a qualidade e eficiência dos atendimentos, como por exemplo: estabilizadores (P, M e G) para utilizar nos pacientes na cadeira odontológica, óxido nitroso, materiais de consumo de qualidade (ionômero de vidro fotopolimerizável, cariostático 38%, kits de escova e creme dental, bisturi elétrico). Dentre os materiais que solicitei, recebemos da Prefeitura Municipal até o momento uma MACRI, uma balança, um espelho grande para instrução de higiene oral e cortinas para o consultório até o momento.

Metodologia e atividades desenvolvidas

Os caminhos escolhidos para desenvolver a experiência foram iniciar a clínica de atendimento aos PNE no CEO municipal, a busca ativa pelos PNE nas escolas de adaptação neurológicas do município, e o contato com os colegas da Atenção Básica para referenciamentos online dos casos de PNE ao CEO.
Busquei parceria com o nível hospitalar, que funcionou bem durante 1,5 anos. Busquei humanizar o consultório de PNE. Foram realizadas reuniões de equipe com os profissionais das Escolas, e busquei conhecê-los (diretores, assistentes sociais e professores). Participei da última Conferência Municipal de Saúde como delegada, no eixo voltado à saúde da pessoa com deficiência. Busquei dados e realizei reunião com a 9ª. Regional de Saúde do Paraná para trabalhar o contexto de atendimento odontológico dos PNE em Foz do Iguaçu. Realizo atualizações farmacológicas e estudo os casos de pessoas com deficiência e suas intercorrências em saúde bucal. Criamos um canal de Whatsapp com os assistentes sociais para agilizar atendimento e agendamento dos estudantes das Escolas Especiais de Foz do Iguaçu.

Quais os resultados alcançados

1 Participação nas reuniões letivas, incentivando a consulta odontológica das pessoas com deficiência das escolas/instituições para pessoas com deficiência; (imagens nos anexos)
2 Levantamento epidemiológico de saúde bucal nas instituições APAE, Nosso Canto e ACDD (imagem nos anexos);
3 Ações de promoção de saúde bucal nas instituições, como: escovação supervisionada, exame clínico e encaminhamento odontológico aos responsáveis (imagens nos anexos);
4 Rodas de conversa em saúde bucal com os assistentes sociais das instituições parceiras;
5 Entrevista à rede de TV sobre o trabalho odontológico desenvolvido com os pacientes especiais da instituição ACDD (Associação Cristã de Deficientes Físicos – Foz do Iguaçu) – disponível no endereço eletrônico
https://www.youtube.com/watch?v=-NZbRcQ7r38
6 Participação como delegada na Conferência de Saúde Municipal, colocando pautas de atenção à saúde bucal dos PNE e PCD (imagem em anexo)
7 Participação como preceptora acadêmica da Faculdade UDC da cidade de Foz do Iguaçu, recebendo os alunos na clínica de PNE no CEO. Discussão de casos clíncos, sensibilização dos alunos com relação às PCD, ao preconceito existente na área, visando à formação de novos profissionais com atendimento humanizado aos PNE (a faculdade não dispõe em seu currículo a disciplina de PNE) – declaração nos anexos;
8 Reportagem veiculada no site da Prefeitura de Foz do Iguaçu, estimulando o trabalho em saúde bucal desenvolvido no CEO na clínica de PNE (em anexo);
9 Busca ativa nas instituições de novos pacientes ou pacientes que faltam às consultas no CEO.
10 Montamos um grupo no aplicativo “Whatsapp” com os assistentes sociais das Escolas de Educação Especial de Foz para agendamento direto dos alunos. Também comunicamos as eventuais faltas dos alunos às consultas, para reagendamento;
11 Elogios da Ouvidoria pública municipal (exemplo em anexo)
Os objetivos de iniciar um atendimento humanizado aos PNE no CEO foi atingido, mas ainda precisamos caminhar no sentido de sensibilizar a atenção básica para prestar o atendimento odontológico possível nas Unidades de Saúde (ao menos exame clínico , medicação em casos de dor e instruções de higiene e dieta cariogênica). Ainda há necessidade de buscar dados, encaminhamentos e controle dos tratamentos odontológicos hospitalares, uma vez que o trabalho em parceria com o setor hospitalar foi cancelado.
Resultados alcançados: vínculo entre as famílias dos PNE e a equipe de saúde bucal PNE do CEO, promoção de saúde bucal aos PNE, retornos bimestrais ou semestrais para prevenção e controle em saúde bucal em dia, diminuição no índice de faltas com a confirmação telefônica prévia das consultas, diminuição no número de procedimentos invasivos e internações hospitalares, geração de banco de dados sobre a especialidade PNE no CEO de Foz do Iguaçu para relatórios e futuras ações.
Considero que a maior transformação que houve neste período foi a pessoal. Eu e a auxiliar Kleice fomos transformadas pelo atendimento aos PNE. Fomos vencendo o medo de atendê-los (muitas vezes crianças tão frágeis), e com a constância dos atendimentos, adquirimos segurança para realizar os procedimentos em consultório. Cada família traz uma nova história, a cada dia temos um novo caso clínico, e com isso, uma nova possibilidade de intervirmos de forma positiva sobre a saúde destes pacientes.
Também, transformamos o ambiente do consultório em um espaço mais lúdico. Pintamos paredes, e enfeitamos a sala com temas sazonais (dia das bruxas, festa junina, Natal, Páscoa, etc).

Considerações finais

Por que essa experiência foi importante? Por que pode ser considerada inovadora? Quais as perspectivas de aplicação das práticas desenvolvidas em outros locais ou instituições? Análise das principais dificuldades e estratégias de enfrentamento. Lições aprendidas e recomendações.
Considero esta experiência importante pela iniciativa em desenvolver um trabalho em saúde bucal especialmente voltado às pessoas com deficiência. Cada grupo de pessoas com deficiência vai apresentar características diversas na necessidade de assistência, de acordo com sua incapacidade ou sua doença de base e das limitações que lhe são impostas por ela. Estes pacientes estão sujeitos a todos os quadros infecciosos e problemas gerais, inclusive as doenças mais prevalentes na cavidade bucal. Sabe-se que por muito tempo, e até hoje, esta população é discriminada e tem menos acesso aos serviços de saúde. A proposta de ampliar e garantir o atendimento odontológico aos PNE em Foz do Iguaçu, por meio de parcerias com as instituições de ensino às pessoas com deficiência, e buscando retratar através de dados o perfil da população atendida neste 3,5 anos pode ser considerada inovadora, especialmente se analisarmos que o empenho em promover saúde para esta população é baseado apenas pela nossa motivação pessoal ao recebermos retornos bem sucedidos e controle de doenças bucais. O vínculo formado entre nossa equipe e estas famílias que buscam atendimento odontológico é especial. Conseguimos criar uma relação de confiança através de nossa forma de trabalho com os responsáveis pelos PNE. Nossos pacientes tem adesão ao tratamento e poucas faltas às consultas.
Acredito que as perspectivas de aplicação das práticas desenvolvidas em outros locais ou instituições pode se dar através do perfil dos profissionais envolvidos no cuidado aos PNE. A “dupla” cirurgião-dentista + auxiliar têm que ter características como: paciência, estratégia de atendimento, rapidez na realização das intervenções, organização, capacidade de trabalhar concentrada em situações estressantes (gritos, choro), resiliência e empatia. Consideramos que a nossa “equipe de duas” funciona em harmonia, e isso se reflete em nosso trabalho. Com sensibilidade, criatividade e bom humor vamos atendendo esta população, e oferecendo conforto às famílias ao ouvirmos seus relatos. Toda família que traz um novo PNE para nosso consultório no CEO é cercada por uma nova história, e fazemos questão de praticarmos uma escuta qualificada diariamente.
As estratégias de articulação para que o CEO concentre mais e melhores atendimentos aos PNE depende de uma melhor relação com a Atenção Básica e em nível hospitalar. Acredito que esse “gargalo” possa ser resolvido com reuniões, discussões de casos clínicos, e contato entre os profissionais das 3 esferas de atenção em saúde: básica, especializada e hospitalar. Precisamos “nos conhecer”! Conhecer os colegas que encaminham casos, e me deixar conhecer também.
Sobre lições aprendidas, acredito que agi de forma bastante resolutiva quando entrei na equipe do cirurgião buco maxilo facial, e quis otimizar os atendimentos e os desfechos dos casos hospitalares. Por outro lado, interferi na forma que a o cirurgião buco maxilo-facial trabalhava há anos. Por mais que a intenção tenha sido a melhor (agilizar os atendimentos dos casos), cada um tem sua forma de trabalhar. Aprendi muito com o colega em questão, discutimos dezenas de casos, e sempre houve respeito mútuo em nosso dia a dia. Aprendi também que, quando um projeto está dando certo, chama mais atenção dos gestores locais, gera mais propaganda, mas as discussões são voltadas para envolver atores políticos que muitas vezes não estão realmente interessados no desenvolvimento do real benefício das ações para a comunidade atendida.
Aprendi que grande parte dos atendimentos odontológicos para PNE podem ser realizados no consultório odontológico, com manejo da família e do paciente, e posterior intervenção clínica.
Aprendi também que manter um bom contato com os diretores e assistentes sociais das escolas que atendem alunos excepcionais é importante para manter os retornos em dia e para agilizar o agendamento dos pacientes. Participar das reuniões de pais é importante pois são eles que são os responsáveis pela higiene bucal diária dos pacientes. Colocar-se à disposição para dúvidas, conversar e ser acessível gera uma aproximação e confiança para enfatizar o cuidado em saúde bucal.
Para a articulação das políticas públicas voltadas para pessoas com deficiência, por meio de programas específicos, é imprescindível engajar sociedade, organizações e atores políticos. Por eu ter um perfil extremamente discreto, sinto necessidade de mudança e maior participação em reuniões, Conselho de Saúde, entrosamento com outros profissionais de saúde que atendem os PNE no município para obter mais apoio no trabalho com estes pacientes, planejando ações e atividades voltadas para a atenção integral e que tenham por objetivo a inclusão social e melhoria da qualidade de vida dos PNE.
Abaixo, cito algumas dificuldades e estratégias de enfrentamento neste período à frente da especialidade PNE no CEO entre outubro de 2018 e junho de 2022 (lembrando que houve um longo período sem atendimentos devido à pandemia e reforma do CEO).
– Atendimento hospitalar aos PNE: a vulnerabilidade social vivenciada por muitos PNE e suas famílias, a baixa instrução dos responsáveis, e os precários cuidados em saúde bucal desta população fazem com que muitos pacientes necessitem de cirurgias e atendimentos complexos sob antestesia geral. O temor das famílias e responsáveis são os sobretratamentos, ou ainda, a mutilação envolvendo a saúde bucal destes pacientes. Não houve desde 2020, discussões de casos em conjunto com os atendimentos hospitalares, e atualmente os encaminhamentos sob anestesia geral são realizados por mim através de referência no sistema RP Saúde (sistema não utilizado pelo responsável pelos atendimentos hospitalares). Desta forma, não temos acesso a dados de internação e procedimentos realizados nos PNE encaminhados para tratamento hospitalar, pois os sistemas de dados utilizados pelo CEO e Hospital são diferentes. Solicitei uma reunião com a Divisão de Saúde Bucal da 9ª. Regional de Saúde do PR (situada em Foz do Iguaçu), expondo a situação e solicitando dados sobre atendimentos odontológicos dos PNE no município – mas não houve retorno prático até o momento. Considero este ponto uma falha a ser corrigida para melhorar o atendimento odontológico dos PNE no município. Não há atualmente contra-referência do cirurgião buco maxilo-facial sobre os casos odontológicos encaminhados para tratamento hospitalar. Analisando este problema, a sugestão é reunir chefias da Odontologia no município para uma termos acesso aos dados de fila para atendimento hospitalar, resolutividade dos casos, procedimentos realizados, e a necessidade de inserir um cirurgião dentista para efetuar as restaurações e procedimentos preventivos nos pacientes submetidos à anestesia geral (estes procedimentos não são o dia a dia do cirurgião buco maxilo facial. A odontologia baseada na mínima intervenção, remoção parcial do tecido cariado visando não exposição pulpar e selantes em pacientes com alto risco à cárie são procedimentos que não fazem parte do domínio técnico do cirurgião dentista buco maxilo-facial). A experiência de um cirurgião buco maxilo facial é importante e necessária, mas a destreza na realização de restaurações e procedimentos preventivos, e no entendimento de materiais dentários e suas aplicações, não são o foco de atuação destes profissionais, o que pode culminar em restaurações insatisfatórias e necessidade de novas internações hospitalares sob anestesia geral, gerando mais custos ao sistema de saúde, além de um desgaste emocional evitável para as famílias dos PNE.
– Perdemos o vínculo com o único CD buco maxilo facial que faz os atendimentos hospitalares desde o início da pandemia. Não temos retornos pós cirúrgicos e não planejamos mais os casos em conjunto, o que foi um sucesso durante o período de 2019 e 2020. Não há nenhum servidor púbico dentista que faça parte da equipe de cirurgiões dentistas do Hospital Municipal. São todos cirurgiões buco-maxilo facial contratados pela Prefeitura. Acredito que a inserção de um profissional vinculado ao SUS, concursado, possa facilitar e otimizar os atendimentos odontológicos sob anestesia geral. A intenção é que, uma vez que o PNE seja submetido a atendimento odontológico sob anestesia geral, sejam realizados todos os procedimentos em uma única sessão, e que o mesmo retorne periodicamente para procedimentos preventivos e de avaliação clínica no CEO. A sugestão seria organizar o trabalho em conjunto com o profissional que presta este atendimento aos PNE no município, ou abranger a equipe, inserindo cirurgiões dentistas habilitados e preparados para atendimento hospitalar. No momento, não temos dados de como estão os atendimentos e procedimentos hospitalares em PNE na cidade.
– A estratégia é a manutenção da saúde bucal dos PNE, com retornos ambulatoriais preventivos, e com o menor número de internações hospitalares possíveis.
– Para a avaliação dos serviços de saúde, faz-se necessário o desenvolvimento de indicadores e padrões de qualidade. Desta forma, a análise da distribuição do perfil demográfico e assistencial do tratamento odontológico sob sedação e/ou anestesia geral para pacientes com necessidades especiais pode colaborar para a ação avaliativa, e gerar dados para o perfeito planejamento e execução desde serviço no município. Como sugestão, há possibilidade de em conjunto com a Secretaria de Saúde, solicitar dados de avaliação no SIGTAP dos tratamentos odontológicos para pacientes com necessidades especiais em nível hospitalar e seus desfechos.
– A questão de referência e contrarreferência da Atenção Básica ainda necessita de ajustes, colaboração mútua e diálogo. Muitos dos pacientes encaminhados a clínica de PNE no CEO não são PNE. São crianças consideradas “não colaborativas”, e, geralmente, com muitas cáries. Percebe-se que há profissionais da AB que não atendem crianças, (relatos dos próprios responsáveis) e encaminham para atendimento na clínica de PNE do CEO. Essa rotina deve ser avaliada e discutida por meio de reuniões e treinamentos com a equipe da Atenção Básica municipal. Os profissionais do CEO devem ter contato em reuniões com os profissionais da Atenção Básica, para assegurar a integralidade do atendimento, buscando superar a fragmentação das ações, e, contribuindo assim para o cuidado continuado da atenção à saúde.
– Fiz parte da elaboração do documento das Diretrizes de Atendimento Odontológico da Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu, e entre as orientações, citei o fato de a clínica de PNE do CEO não atender crianças consideradas “não colaborativas”. Mesmo assim, atendo os encaminhamentos, realizo o manejo odontopediátrico das crianças e faço a contra-referência à UBS. Infelizmente, em todo o ano de 2022 houve apenas uma reunião com a Atenção Básica, para divulgar as diretrizes de funcionamento da Odontologia no município – reunião esta que os profissionais do CEO não foram convocados.
– Desde 2018, houve uma única oportunidade de encontro entre profissionais do CEO e Atenção Básica, durante um curso de lesões cancerizáveis. Há necessidade de incluir na agenda dos profissionais de saúde bucal do município reuniões coletivas para debater idéias, problemas e soluções. Os PNE devem receber atenção, orientação e informações na primeira consulta odontológica preventiva na AB. Percebo que os encaminhamentos dos profissionais da AB não citam odontograma, CID, motivo da consulta, etc. São incompletos e muitas vezes são encaminhamentos que poderiam se resolver na própria UBS.
– Educação permanente: há necessidade de promover educação permanente em saúde bucal para os profissionais terem ao menos uma orientação técnica básica acerca do atendimento aos PNE. A sugestão é a solicitação de um profissional referência na área para abordar as dúvidas e os tratamentos atuais em odontologia para pacientes com necessidades especiais que possam ser realizados na Atenção Básica, ou seja, realizar capacitações na área. Uma boa capacitação gera qualidade maior no atendimento do público, além de contribuir para profissionais mais atenciosos e empáticos. O acolhimento aos PNE na Atenção Básica também deve ser priorizado na prática clínica dos profissionais.
– Uma última e importante recomendação seria promover ações multidisciplinares e intersetoriais, envolvendo a enfermagem, medicina, fonoaudiologia e psicologia.
– Há necessidade de rever a situação salarial dos profissionais de odontologia que atendem PNE e pessoas com deficiência. O desgate físico e mental é maior. Os casos são mais complexos. O atendimento exige maior atenção e destreza. Devemos ficar atentos à movimentos involuntários dos pacientes durante todo o atendimento. Gritos, choro, pacientes agressivos, com enfermidades mentais geram um maior stress aos profissionais. É gratificante atender aos PNE e estamos buscando fazer mais e melhor, mas a melhoria salarial seria uma forma justa de reconhecimento. HáH-a

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