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Implementação do serviço de Odontologia Hospitalar como recurso para qualificação da assistência ao paciente crítico em um hospital filantrópico de Minas Gerais.

Identificação do autor responsável
Nome Município
Flavio de Melo Garcia Poços de Caldas
Autores do relato
Nome Município
Flavio de Melo Garcia Pocos de Caldas
Cristiane Maria da Costa Silva Pocos de Caldas
Contextualização/introdução

Nos últimos anos, houve um esforço no Brasil para a organização da assistência à saúde bucal das PNE, da atenção primária ao atendimento em nível hospitalar, fortalecendo a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência.1–5 Em 2010, o Ministério da Saúde incluiu o procedimento Tratamento Odontológico para Pacientes com Necessidades Especiais na tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde 5 , e desde então, a Irmandade Hospital Santa Casa de Poços de Caldas, realiza atendimento odontológico a pacientes especiais (PNE) e de bucomaxilofacial.
Em 2012, o estado de Minas Gerais organizou a atenção hospitalar no contexto da construção da Rede de Atenção à Saúde Bucal (RASB-MG), trazendo expressivo avanço na integralidade da atenção para PNE. 6 Com a adesão à RASB-MG, o município passou a contar com o apoio por parte do Estado de Minas para a realização dos atendimentos de PNE, que ocasionou um aumento expressivo no número de pessoas atendidas (300%) e a partir deste ano, o Hospital Santa Casa tornou-se referência para atendimento odontológico hospitalar para outros 52 municípios, além de Poços de Caldas, evidenciando a importância das políticas públicas para assistência aos PNE.
O perfil dos atendimentos revela que o serviço oferece ações de recuperação da saúde bucal destes pacientes, reforçando o princípio constitucional da Integralidade em Saúde. Durante a pandemia, os atendimentos eletivos foram suspensos, e os tratamentos de urgência foram mantidos e custeados pelo Município e Ministério da Saúde, até a retomada dos atendimentos eletivos. Atualmente, o atendimento odontológico a PNE e de bucomaxilofacial estão integrados ao programa Valora Minas Política de Atenção Hospitalar do Estado de Minas Gerais7.
Neste mesmo cenário de pandemia, em virtude dos desafios impostos pela COVID-19, uma série de fragilidades ficaram evidenciadas dentro do sistema hospitalar. Principalmente pela rápida e grande demanda por leitos de alta complexidade levando ao aumento das taxas de ocupação, tempo de internação e sobrecarga de funcionários. Uma preocupação evidente foi a observação do aumento significativo das infecções relacionadas a assistência a saúde (IRAS) principalmente na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
As IRAS, além de representarem o número de infecções associadas a dispositivos invasivos, se constituem com um indicador de qualidade da assistência prestada pelo hospital e refletem como os processos de trabalho e segurança do paciente estão sendo desenvolvidos. 8
Considerando as particularidades dos enfermos graves por COVID-19 na UTI do hospital e consequente aumento do tempo de internação e ventilação mecânica, as taxas de pneumonia associada a ventilação mecânica (PAV) atingiram picos importantes, sendo atualmente o tipo de IRAS mais frequente na UTI representando um alto custo por dia para o hospital. No primeiro semestre de 2022, o número de casos novos representados pela densidade de Incidência de PAV na UTI do Hospital apresentou variações iniciando em janeiro com 33 casos, 39 casos em março, atingindo a mínima no mês abril com 16,2 e por fim em junho com 36 casos novos. A média atual é 27,32 sendo que a meta é reduzir para 22,04 até outubro de 2023.
Motivados por esse fato, e cientes da importância da Odontologia na UTI, a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) viu a necessidade da adoção de novas estratégias para melhorar a assistência ao paciente crítico, entre elas a implementação do serviço de Odontologia na UTI com o objetivo de reduzir focos infecciosos orais e assim contribuir com a redução das taxas de PAV além de melhorar o status de saúde oral dos pacientes internados, conforme apontado em diversos estudos. 9–12
Dessa forma, em dezembro de 2021 um plano de trabalho foi apresentado aos gestores do Hospital para a implementação e execução das atividades odontológicas dentro da UTI, com objetivos bem definidos. Desde janeiro de 2022 o hospital conta com serviço de Odontologia na UTI integrado a equipe médica e multidisciplinar e participa do plano terapêutico do paciente internado.
O serviço na UTI é composto por um Cirurgião-Dentista especialista em Estomatologia e Habilitado em Odontologia Hospitalar com carga horária de 12 horas semanais e um Técnico em Saúde Bucal com jornada de 30 horas semanais, sendo este último parte integrante das três frentes de Odontologia do Hospital.

Justificativa

O fato desta experiência ocorrer em um Hospital de médio porte que atua nas três frentes da Odontologia Hospitalar (PNE, Buco e UTI) e ser referência para outros 52 municípios no sul de Minas Gerais há quase uma década, sem interrupções dos atendimentos.
Somado a esse fato, a possibilidade de expor o serviço de Odontologia Hospitalar que vem obtendo êxito desde sua criação, permite no contexto da avaliação deste edital, o reconhecimento do nosso trabalho e o fortalecimento da área no âmbito do SUS.

Objetivo(s):

Conforme o plano de trabalho previamente apresentado à direção do Hospital para a implementação do serviço de Odontologia na UTI, os objetivos foram definidos em curto, médio e longo prazo. (Note que ao final de cada um deles é apontado o status: em andamento, cumprido, não iniciado).

Objetivo a curto prazo:
•Propiciar avaliação e acompanhamento odontológico especializado para os pacientes internados e recém-admitidos em até 48 horas na UTI do Hospital, bem como tratamento para os pacientes com saúde bucal comprometida (cumprido)
•Levantamento epidemiológico das principais condições e patologias orais observadas nos pacientes internados a fim de identificar o perfil de saúde bucal (em andamento)
•Implementação do Índice de Saúde e Asseio Oral II 13 como instrumento de classificação do status de saúde bucal e produção de indicadores para a Odontologia (em andamento)
•Adequar a Instituição ao Projeto de Lei 883/201914 , em tramitação (cumprido)
•Adequar a Instituição à norma RDC-07 da ANVISA15, de 24 de fevereiro de 2010 (cumprido)
•Contribuir com a redução do tempo médio de internação, da taxa de pneumonia nosocomial e problemas sistêmicos causados por disseminação de focos infecciosos de origem bucal (em andamento)
•Treinamento da equipe de enfermagem para a execução supervisionada do protocolo padrão de higienização oral dos pacientes internados na UTI (cumprido)

Objetivo a médio prazo:
•Propiciar acompanhamento odontológico especializado para todos os pacientes internados nas unidades de internação, além da UTI, do Hospital Santa Casa de Poços de Caldas, visando manutenção da saúde bucal e controle infeccioso (não iniciado)
•Formação da equipe de Odontologia Hospitalar e Intensiva do Hospital Santa Casa de Poços de Caldas, a ser responsável pela tramitação de eventos orais dos pacientes internados, atuando sinergicamente com toda a equipe multiprofissional envolvida (cumprido)
•Implementação da Teleodontologia como recurso para acompanhamento a distância dos pacientes tratados no hospital a fim de garantir a continuidade/reinserção destes na linha de cuidado da rede de atenção a saúde bucal no SUS (em andamento)

Objetivo a longo prazo
•Tornar o Hospital Santa Casa de Poços de Caldas referência em Odontologia Hospitalar e Intensiva na região do Macro Sul de Minas (cumprido)
•Trazer para a cidade de Poços de Caldas o curso de Habilitação em Odontologia Hospitalar e Intensiva a ser oferecido para os cirurgiões-dentistas da região, em parceria com Instituição de Ensino e Pesquisa (não iniciado).
•Incentivar e promover o ensino e pesquisa por meio de parcerias com Centros de Educação Superior a fim de estabelecer práticas assistenciais baseadas em evidências científicas, além de contribuir para o reposicionamento do Hospital no âmbito científico (Iniciado a partir de julho de 2022 parceria com a FSP-USP).

Metodologia e atividades desenvolvidas

Para viabilizar que as ações relacionadas com a saúde bucal fossem executadas e monitoradas dentro do Hospital, em 2019 houve a criação do Núcleo de Qualidade de Atenção Odontológica Hospitalar (NQAOH) composto por membros representantes da parte técnica (cirurgiões dentistas), administrativa e da coordenação de saúde bucal do município, além dos representantes da SESMG. Atualmente, reuniões periódicas com o núcleo estão sendo realizadas a fim de avaliar e discutir o cumprimento das metas e do plano de trabalho previamente aprovado em conformidade com a política Valora Minas, no contexto da atenção odontológica hospitalar.
É importante ressaltar que segundo a deliberação CIB-SUS/MG nº 3.443, de 15 de junho de 2021, que aprova a programação da saúde bucal nos hospitais do estado de acordo com o número de habitantes de cada município, o Hospital Santa Casa de Poços de Caldas se enquadra na tipologia I e dessa forma, não confere ao Hospital a necessidade da prestação de assistência odontológica aos pacientes em regime de internação na UTI. Portanto, a implementação do serviço de Odontologia na UTI configura uma iniciativa própria do Hospital, não existindo até o presente momento recursos financeiros externos para a viabilização dessas atividades.
Sendo assim, desde o início da execução das atividades na UTI houve a preocupação de registrar os atendimentos odontológicos bem como tratamentos executados no beira-leito para a compor uma serie histórica. Na data de escrita deste relato, foram contabilizados 234 pacientes atendidos pelo menos uma única vez pela equipe de Odontologia.
A avaliação inicial odontológica na UTI compõe o plano terapêutico multidisciplinar. Ocorre em todo paciente que interna na UTI do hospital por pelo menos 48 horas. Nesta avaliação, é aplicado o ISAO como forma de classificar o status de saúde oral segundo grau de comprometimento e o risco de complicações durante o período de internação. Além disso, o uso do índice permite definir as opções terapêuticas apropriadas para cada caso.
Atualmente os principais tratamentos odontológicos ofertados são nas áreas de periodontia, dentística restauradora, cirurgia oral, laserterapia e estomatologia. A higiene oral também é uma atividade ofertada aos pacientes internados na UTI diariamente, supervisionada pela Odontologia e executada pela equipe técnica de enfermagem. A higiene oral é parte do cuidado do paciente internado, compõe o bundle de PAV, e foi criado e adaptado do protocolo operacional padrão (POP) de higiene oral em consonância com as principais evidencias cientificas atuais sobre as técnicas corretas e materiais necessários para a sua execução.
Ainda na via de qualificação do serviço na UTI, um estudo observacional de coorte retrospectiva está sendo realizado com os dados coletados para gestão interna em parceira com a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). O estudo foi submetido a apreciação pelo Comitê de Ética da FSP-USP em julho de 2022, tendo sido aprovado pelo parecer nº 5.499.682. Trata-se de um estudo que tem por objetivo avaliar a relação do status de saúde oral e o risco de pneumonia associada a ventilação mecânica na unidade de terapia intensiva. Espera-se que com os resultados obtidos, as ações da Odontologia possam ser aprimoradas visando a melhoria do cuidado ao paciente crítico.
Já no contexto de atendimento odontológico de PNE, o Hospital Santa Casa de Poços de Caldas, conta com dois cirurgiões dentistas, sendo um profissional com especialização em Odontopediatria e PNE e outro com formação específica em PNE além de habilitação em Odontologia Hospitalar. Os tratamentos ofertados são aqueles pactuados pela Portaria nº 1.032, de 05 de maio de 2010. 3
Ainda neste semestre, foi definido na última reunião do NQAOH, a implementação do Telemonitoramento dos pacientes assistidos em nível hospitalar. O projeto está em fase de maturação e adequação à realidade do hospital, e espera-se que com este recurso seja possível o acompanhamento à distância dos pacientes tratados, bem como a assistência para a continuidade do cuidado na rede de atenção à saúde bucal.
Um outro modelo que está sendo estudado diz respeito a produção dos indicadores para verificação dos resultados obtidos com a escovação dentária supervisionada e orientação/educação em saúde dos pacientes internados nas enfermarias. O hospital passa por um período de transição do prontuário físico para o sistema de gestão hospitalar digital (Tasy) e acredita-se que em breve essas ferramentas sirvam de base para a construção dos indicadores de produção e qualidade do serviço de Odontologia Hospitalar.

Quais os resultados alcançados

•Desde que foi implantado o serviço de atendimento odontológico hospitalar, no ano de 2010, o Hospital atendeu a 575 pacientes com necessidades especiais;
•No primeiro ano após o incentivo estadual, que colocou o serviço sob a responsabilidade da coordenação de saúde bucal no município, houve crescimento de 300% no número de pacientes atendidos em comparação ao ano 2012, o que contribuiu para ampliação de acesso ao serviço odontológico hospitalar do Município e da região;
•Desde 2013, são oferecidos procedimentos odontológicos de atenção básica e especializada aos pacientes especiais, o que contribuiu para a construção de um perfil mais conservador dos tratamentos oferecidos;
•Em 2019, criou-se o Núcleo de Qualidade de Atenção Hospitalar que desde sua criação, desenvolve ações educativas com os municípios de referência, para que haja melhorias na qualidade da assistência aos PNE pela Atenção Básica, ação inédita na região;
•A partir do ano de 2021, o Hospital tornou-se referência para alta complexidade de bucomaxilofacial;
•No mesmo ano, houve implantação dos telemonitoramentos dos pacientes assistidos, que contribui além da melhoria da qualidade dos serviços oferecidos, para uma mudança no perfil do serviço oferecido;
•Prêmio: o serviço de odontologia hospitalar da Santa Casa de Poços de Caldas foi premiado com o primeiro lugar na Jornada Odontológica da Faculdade Pitágoras, Campus de Poços de Caldas/MG, no ano de 2019.

Em relação ao serviço odontológico na UTI, embora sua construção tenha sido recente, mudanças comportamentais foram influenciadas no dia a dia da rotina hospitalar. A incorporação da rotina de cuidados orais dos pacientes por meio da implementação do protocolo de higiene oral trouxe um olhar aprimorado para a saúde bucal na UTI. A higiene oral que antes era negligenciada, hoje faz parte do plano terapêutico da visita multidisciplinar e sua execução é checada diariamente, bem como o registro das alterações orais encontradas nos pacientes dia após dia da internação. Além disso, as intervenções odontológicas propostas são tratadas como metas estipuladas para cada 24 horas, possibilitando a contribuição diária da assistência odontológica na evolução do quadro clínico do paciente.
Em relação ao cumprimento do objetivo estipulado a curto prazo, de que trata a redução das taxas de PAV, tempo de internação e custos com medicações de alto custo após a inserção da assistência odontológica hospitalar, será possível verificar seu status após a conclusão do estudo científico em parceira com a FSP-USP que está em andamento com data prevista para término em dezembro de 2022.
Em relação aos objetivos a médio prazo apresentados anteriormente, a expansão da assistência odontológica para os pacientes internados nas alas, além da UTI, não foi cumprida. Isto deve-se, entre outros fatores, a inexistência de recursos financeiros para viabilizar a execução dessa atividade. Essa questão já foi pontuada em reuniões com a gestão do hospital, inclusive um plano de trabalho foi apresentado, mas devido a instabilidade financeira do hospital, a proposta não foi acatada.

Considerações finais

O serviço de Odontologia Hospitalar relatado nesta experiencia compõe a RASB-MG na cidade de Poços de Caldas, sendo referência na região desde 2010 e sua operacionalização reforça o cumprimento do princípio da integralidade dentro do sistema único de saúde.
O caráter de inovação desta experiencia está relacionado com a capacidade do Hospital de incorporar, manter e aprimorar o atendimento odontológico de média e alta complexidade mesmo diante de um cenário de incertezas e instabilidade financeira em que se vive desde sua criação.
Considerando o atual momento de desmonte da saúde bucal no âmbito do SUS, o Hospital tomou a direção contrária e incorporou em 2022 o serviço odontológico na UTI, em conjunto com o atendimento odontológico a PNE e Cirurgia buco-maxilo-facial, acompanhando as tendencias atuais do cuidado em saúde bucal.
Grande parte do Hospitais no Brasil também vivenciam esta realidade, o relato desta experiencia mostra que para além dos recursos financeiros necessários para a atenção especializada em saúde bucal, o estabelecimento de parcerias interinstitucionais é fundamental para o apoio e fortalecimento da Odontologia Hospitalar no Brasil.

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