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Atendimento odontológico hospitalar em São Bernardo do Campo durante a pandemia do COVID -19

Identificação do autor responsável
Nome Município
VINICIUS PIOLI ZANETIN São Bernardo do Campo
Autores do relato
Nome Município
Mario Ronaldo Chekin São Bernardo do Campo
VINICIUS PIOLI ZANETIN São Bernardo do Campo
Erika Fleming Silva São Bernardo do Campo
Contextualização/introdução

A Divisão de Saúde Bucal do Município de São Bernardo do Campo, administra 3 Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), tipo III, e 33 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) com 169 Equipes de Saúde da Família e 115 Equipes de Saúde Bucal, com 60 equipes de modalidade I e 55 equipes de modalidade II, além de possuir um complexo hospitalar, formado pelo Hospital de Clínicas Municipal (HC), Hospital Anchieta (HA), Hospital Municipal Universitário (HMU) e Hospital de Urgência (HU), com a última numeração da população estimada, pelo IBGE (2016), em 822.242 habitantes, sendo que desta população, 48% são atendidos pela saúde bucal desta gestão pública.
O presente trabalho é realizado no HC que conta com 257 leitos, com 100% do em pleno funcionamento, com 1.000 profissionais trabalhando diariamente. O HC realiza procedimentos em cardiologia, neurologias de urgência, cirurgias de politrauma, cirurgias ortopédicas e outras especialidades clínicas. Recentemente, uma parceria também foi criada, com o Governo do Estado de São Paulo, onde o hospital se tornou referência no tratamento cardíaco infantil. Pacientes de zero a 18 anos, residentes de todo o Estado, são encaminhados ao HC para realizar o tratamento, cirúrgico e ambulatorial. Em 2019, o equipamento se tornou o primeiro hospital municipal do Brasil a receber a certificação internacional Qmentum, em reconhecimento aos serviços prestados aos pacientes.
A COVID-19 possui como sua principal via de transmissão a inalação de gotículas de saliva e secreções respiratórias contaminadas, além de que apresenta diversas complicações relacionadas ao sistema estomatognático, bem como a presença de anosmia e disgeusia e pode estar associada as pneumopatias que são a primeira causa de morte entre as doenças respiratórias sendo que dentre os diferentes tipos de pneumopatias, a Pneumonia Nosocomial (PN), e sua relação com as bactérias, vírus, fungos, microrganismos colonizadores encontrados na cavidade oral, sabidamente que ambas são agentes de difícil tratamento o que contribui para morbidade, mortalidade e aumento de custos com internação hospitalar.
Para que a pneumonia seja considerada nosocomial, é condição necessária que o seu aparecimento ocorra após as primeiras 48 horas de internação, com exceção da PN associada à ventilação, que pode manifestar-se nas primeiras 48 horas em consequência da entubação e relacionada à duração de hospitalização do paciente, exposição anterior à antibioterapia e, principalmente, à ventilação mecânica, que ocorre por meio de entubação traqueal e que é de difícil diagnóstico e tratamento.
A instalação de sondas nasogástricas e cânulas traqueais também podem induzir à aspiração de infiltrado microbiano. Da mesma forma, o pós-operatório e o emprego excessivo de medicamentos, como sedativos e bloqueadores neuromusculares, implicam maior risco de pneumonia, devido à retenção de secreções e o favorecimento de aspiração.
Os fatores de risco para o desenvolvimento de PN: desnutrição; depressão do nível de consciência; doenças pulmonares e cardiológicas; Ventilação Mecânica; manipulação do paciente pela equipe hospitalar; uso de sondas ou de cânula nasogástrica; intubação ou reintubação orotraqueal; traqueostomia; macro ou microaspiração de secreção traqueobrônquica; uso prévio de antimicrobianos; trauma grave; broncoscopia e broncoaspiração de micro-organismos da orofaringe; administração de antiácidos ou de bloqueadores de receptores H2; permanência em posição supina; e transporte dentro do hospital. Na boca se encontra boa parte dos microrganismos representados por várias espécies de vírus, fungos e bactérias.
Uma pessoa não é completamente saudável se sua saúde bucal está comprometida. E a higiene bucal é insatisfatória em pacientes hospitalizados, o que favorece a disseminação de bactérias e desenvolve problemas bucais a partir de micro-organismos. O que pode causar gengivite, periodontite e muitas outras complicações.
Existe uma série de protocolos preventivos, em especial para prevenção de PN, que podem serem implementados, e que visam a manutenção da saúde bucal e são fundamentais para a redução dos problemas de saúde em geral, por isso que os cuidados odontológicos dentro dos hospitais são tão importantes, também em época de Coronavírus

Justificativa

A COVID-19 é considerada uma patologia infecciosa provocada pela síndrome respiratória aguda grave (SARSCoV-2). O período médio de incubação é de 5 dias, podendo cursar entre 2 a 14 dias com o desenvolvimento dos sintomas, desde a infecção. Mesmo assintomático o paciente pode substancialmente transmitir a doença. Ainda que a COVID-19 afete diferentes órgãos do corpo, a causa principal que pode levar à mortalidade consiste na capacidade de infecção do trato respiratório. Esses pacientes podem desenvolver sintomas como febre, tosse, dispneia, pneumopatias e ainda, lesões bucais.
Em pacientes com PN ou com Pneumonia Bacteriana Associada à Ventilação Mecânica (PAMV), as taxas de mortalidade aumentaram para aqueles contaminados previamente com o SARSCoV-2, mas estudos comprovam que uma boa higiene oral é capaz de diminuir os índices de PAMV. Para reduzir as chances de complicações bucais como descamação da mucosa, edema grave de língua, úlceras de pressão e trauma e mucosas secas, reforça-se mais uma vez a importância do CD em uma rotina diária de cuidados bucais.

Objetivo(s):

•Evidenciar a importância de cirurgiões-dentistas em ambiente hospitalar e não somente para realizar procedimentos odontológicos básicos, mas para auxiliar na prevenção ou diminuição da PN e na não disseminação do vírus COVI-19 visto que a cavidade bucal é a principal via de contaminação.
•Descrever o papel do ambiente bucal na evolução do COVI-19
•Diagnosticar as condições bucais e instituir a necessária terapêutica.
•Atendimento aos pacientes com doenças que necessitam preparo odontológico prévio a procedimentos hospitalares.
•Criar um protocolo de higienização bucal para auxiliar e orientar a equipe de enfermagem na manutenção dos cuidados de higiene diários

Metodologia e atividades desenvolvidas

A Divisão de Saúde Bucal idealizou um projeto de ampliação ao acesso da assistência odontológica do nosso município, criando uma articulação alinhada entre os 3 CEOs, os hospitais (HC e HU) e até mesmo com a UPA Rudge Ramos (única do município que possui Pronto Socorro Odontológico 24h). Contabilizando, nos CEOs possuímos 4 CDs especialistas em Pacientes com Necessidades Especiais (PNE) para atendimento de doenças psiconeuromotores, 4 CDs especialistas em Cirurgia Buco Maxilo Facial para atendimento de Cirurgia Oral Menor e 4 Estomatologistas. Atuando nos hospitais temos a Equipe de Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial (CTBMF), para Cirurgia Oral Maior, com 5 profissionais e na UPA Rudge Ramos, 3 cirurgiões dentistas com capacitação em Urgência/Emergência Odontológica. No total contamos com 20 profissionais que participam deste projeto.
De fevereiro de 2021 até o mês de junho de 2022 passaram pelos 3 CEOs:
•PNE – 1539
•Cirurgia Oral Menor –1974
•Estomatologia –3.133
De fevereiro de 2021 até o mês de junho de 2022 passaram pela UPA Rudge Ramos e foram encaminhados para o HU e HC:
•CTBMF – 212
Foi criado um fluxo de encaminhamentos para o atendimento destes pacientes, onde A Divisão de Saúde Bucal possui reservada, toda sexta feira das 7h às 16h, uma sala no Centro Cirúrgico (CC) do HC para atendimento dos pacientes advindos dos CEOs sendo PNE/CTBMF, com disponibilidade de 4 leitos e nos casos de Estomatologia os pacientes são encaminhados para atendimento com a Equipe de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (ECCP) do próprio hospital, que utilizam os próprios leitos (5). Da mesma forma os pacientes advindos das UBS/UPA passam por atendimento de urgência com a Equipe de CTBMF locada no HU onde caso for considerado necessário, serão encaminhados para o CC do HC para maiores procedimentos (4 leitos).
Durante o período de internação destes pacientes os profissionais responsáveis passam visita regulares até a liberação de alta; sendo que mesmo assim o paciente possui continuidade de seus cuidados odontológicos ou no próprio CEO de referência ou na UBS de referência.
Para ampliar a qualidade no atendimento durante o período de internação e melhorar a prevenção ou mesmo a contaminação cruzada, seguimos com:
•Exame clínico-odontológico dos pacientes. As informações clínicas foram recuperadas do prontuário médico, da enfermagem e da observação clínica odontológica. Para tal, elaboramos um prontuário odontológico específico para tal finalidade, onde foram avaliadas as condições gerais dos elementos dentários, presença de alterações bucais, alterações de tecidos moles, saliva, abertura de boca, entre outros.
•Entre fevereiro de 2021 a junho de 2022, os pacientes com ventilação mecânica receberam cuidados bucais completos, inclusive avaliação bucal, escovamento de dentes, sucção bucal e endotraqueal, enxágue com clorexidina, hidratante da mucosa oral;
•Protocolo escrito de cuidados bucais entregue para as equipes de enfermagem
•Treinamento da equipe de enfermagem em cuidados bucais completos
•Realização de uma avaliação inicial da saúde bucal e das deficiências de cuidados pessoais do paciente, na ocasião da internação
•Realizar uma avaliação inicial dos lábios, tecido bucal, língua, dentes e saliva de cada paciente com ventilação mecânica, na ocasião da internação e semanalmente.
•elevar a cabeceira 30- 45º, caso não haja contraindicação – posicionar o paciente de modo que as secreções orais se acumulem na bolsa bucal; pois isso é especialmente importante durante a alimentação, ao escovar os dentes etc.
•higiene oral em paciente consciente, uso de escova de dente, pasta dental e líquido antisséptico bucal três vezes ao dia e, para paciente inconsciente, uso de líquido antisséptico oral três vezes ao dia;
•Adequação do tratamento bucal, conforme peculiaridade do paciente e/ou da doença.

Quais os resultados alcançados

De fevereiro de 2021 até o mês de junho de 2022 passaram pelo HC:
•PNE – 96
•Cirurgia Oral Menor – 197
•CTBMF (Cirurgia Oral Maior) – 212
•Estomatologia – 62
Totalizando: 567, sendo que deste montante, nenhum possuía COVID-19 no como causa determinante da internação, porém, 0,1% desenvolveram PN e 0,03% estavam associados a COVID-19, porém todos os pacientes foram atendidos adequadamente e tiveram alta hospitalar.

Também foi observado que do total de pacientes, 35% apresentaram alguma alteração estomatológica, como candidose pseudomembranosa, estomatite aftosa, úlceras de pressão, mordedura de lábios/língua e queilite angular, além de quadros de doença periodontal e cáries. Frente à condição de saúde observada nos pacientes examinados, concluímos que a frequência de alterações estomatológicas encontradas, sugere a importância da participação do CD em âmbito hospitalar, utilizando um prontuário padronizado que facilite sua atuação.

A presença do CD nos hospitais para assepsia oral em pacientes com VM internados por COVID-19 ou suas variantes, tiveram um tempo de permanência hospitalar reduzido em 3 a 4 dias comparado aos dias de internações anteriores às intervenções odontológicas, a recuperação destes pacientes também se deu de forma mais efetiva, que agregado ao desenvolvimento de fisioterapias respiratórias e diminuição dos micro-organismos presentes na cavidade oral.

Considerações finais

Diante do exposto, nota-se a importância do CD capacitado presente em ambiente hospitalar como parte da equipe na linha de frente no combate contra o SARS-CoV-2., pois a via de transmissão e os sintomas advindos mais comuns envolvem a boca, sendo necessário que o profissional consiga contornar de forma ética e com biossegurança para a não propagação desse vírus dentro dos hospitais, além da prevenção de lesões decorrentes dos períodos de intubação e manobras de pronação, além de estar atento ao tratamento das enfermidades bucais já instaladas para que o estado geral do paciente não se torne mais grave.
Todos os procedimentos odontológicos realizados em ambiente hospitalar nos pacientes infectados devem ser executados respeitando todas as medidas de segurança, assim, os pacientes recebem o tratamento intensivo e odontológico de qualidade.
A atuação do cirurgião dentista no cuidado de pacientes acometidos por Covid-19 ambiente hospitalar traz inúmeros benefícios, pois seu trabalho permite uma melhor manutenção da saúde bucal do paciente, previne a progressão da doença base, o surgimento de infecções oportunistas e, consequentemente, diminui o índice de mortalidade, bem como o período de internação.

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