O Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição possui 12 Unidades de Saúde que integram a rede municipal de Atenção Primária em Saúde de Porto Alegre-RS. Dentre as prioridades em relação à saúde bucal infantil está a meta que todas as crianças nascidas nos territórios das Unidades de Saúde recebam pelo menos uma consulta odontológica ao ano durante os seus 3 primeiros anos de vida. Estas ações desenvolvidas pelas Equipes de Saúde Bucal (ESB) tem por objetivo atender crianças nos primeiros anos de vida que é considerado momento ideal para promoção e proteção da saúde bucal através do desenvolvimento de hábitos saudáveis. A situação proporcionada pela pandemia do COVID-19, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), exigiu profundas mudanças nos serviços de saúde. Na odontologia foram suspensos os atendimentos eletivos, sendo realizados apenas os atendimentos de urgências. A 1ª consulta odontológica de crianças de até 1 ano de idade foi incluída entre os atendimentos suspensos. Diante deste quadro, a Teleodontologia na Atenção Primária à Saúde se apresentou como uma possibilidade de prestar assistência às crianças nesta faixa etária.
A suspensão dos atendimentos eletivos na odontologia associadas as medidas de distanciamento social, ocasionaram que as crianças menores de 1 ano ficassem sem o devido acompanhamento durante o seu primeiro ano de vida. Diante deste cenário, utilizar a Teleodontologia na Atenção Primária à Saúde passou a ser uma forma alternativa de prestar assistência à saúde bucal destes bebês, em meio a pandemia de COVID-19. Esta forma de assistência ainda possibilitou, num período de distanciamento social, o resgate do vínculo entre as famílias das crianças com os profissionais de saúde.
A experiência aconteceu em uma Unidade de Saúde, no bairro Sarandi, em Porto Alegre, tendo seu início em junho de 2020 e finalizada em abril de 2021. Sendo conduzida por cirurgiã-dentista residente em Saúde da Família e Comunidade e pelo cirurgião-dentista contratado da Unidade de Saúde. No estudo foram incluídas 50 crianças menores de um ano, sendo que foi possível realizar o contato telefônico com 36 delas, através de seus pais ou responsáveis através do uso do telefone fixo da própria Unidade de Saúde. Para orientar a entrevista telefônica foi construído um questionário. Para registro das informações obtidas na entrevista foram realizadas em documento no Google Drive, na forma de Diário de Campo. A análise das informações se deu pela técnica de Análise de Conteúdo.
Através da teleassistência odontológica foi possível montar um perfil da população dos bebês. A população de crianças foi constituída por 58,3% de meninos e 41,7%, de meninas. A maioria, 77,7% das 36 mães, relataram que tiveram gestações normais e tranquilas. Todas as mães realizaram a assistência pré-natal durante a gestação, sendo a maioria 63,6% na própria Unidade de Saúde. 65,3% delas informaram ter recebido ao menos uma avaliação odontológica durante a gestação. As gestações levadas a termo foram 86,20 % e 46,6% dos bebês nascidos eram primogênitos. A maioria dos partos foram normais e sem intercorrências, totalizando 70,96%, enquanto 29,03% ocorreram através de cesariana por indicação prévia ou por intercorrências no momento do trabalho de parto. A maioria dos bebês (75%) receberam aleitamento materno com exclusividade durante os 6 primeiros meses e todas essas crianças permaneciam em aleitamento materno quando foi realizada a entrevista. 65, 6% dessas crianças não têm o hábito de usar chupeta ou dedo, o que leva a relação de que o tempo de aleitamento exclusivo pode ser fator que ajuda a prevenir hábitos deletérios orais. Com relação a toda a amostra, 61,1% dos bebês não fazem uso da chupeta ou dedo, enquanto 38,8% têm esse hábito deletério, entretanto, relatam ter consciência da necessidade e importância da remoção deste hábito. Todos relataram oferecer alimentos sólidos, frutas, com nenhum ou pouco sal. 63,8% dos bebês recebiam alimentos sem adição de açúcares ou processados, mas 36,1% dos pais ou responsáveis adicionavam um pouco de açúcar ou ofereciam biscoitos e chocolates aos bebês. Na entrevista 51,4% dos responsáveis referiram estar realizando higiene bucal da criança com gaze, escova macia ou dedeira. Também relataram dificuldade para realizar esta tarefa nos bebês. Outros 48,5% relataram que não faziam a higiene oral do bebê, pois não sabiam quando e nem como iniciar. Esta informação corrobora mostrar a relevância desta ação, que permite transmitir informações sobre manutenção de higiene oral, entre outros cuidados. Ainda, através da teleassistência puderam ser compartilhados momentos lindos e delicados da gestação e do parto e se percebeu também que persiste a resistência à atenção odontológica por parte das gestantes nas US, mesmo em locais que oferecem facilidades de acesso. Uma dificuldade foi encontrada no momento de se fazer contato com usuários imigrantes, venezuelanos e haitianos, que não sabiam falar português ou sabiam muito pouco e que se comunicavam com suas línguas de origem, sendo essas o espanhol e o creole. Então mesmo que se tivesse sucesso na ligação telefônica, não houve sucesso na comunicação, a troca de informações com estas pessoas não se realizou como seria o esperado. Quanto a opinião dos entrevistados, a maioria considerou uma iniciativa importante, muitos se surpreenderam e agradeceram a disposição, gostaram de poder ter um momento de conversa sobre o assunto. Foi possível perceber que os usuários se sentiram lembrados, incluídos e assistidos mesmo durante este período difícil de pandemia, principalmente os pais de primeiro filho, que referiram sentir bastante ansiedade e insegurança.
Conhecer parte do perfil da comunidade em meio a esse contexto foi importante também para a residente. Os momentos de conversa por via telefônica foram de trocas, compartilhamentos e gratidão, o que tornou a pesquisa ainda mais potente pela boa aceitação da prática oferecida. Quando foi necessário realizar a consulta presencial houve otimização do tempo disponibilizado, o foco foi a avaliação clínica, reduzindo o tempo de permanência na Unidade de Saúde reduzindo assim as chances de exposição ao Coronavírus. O sucesso da realização da Teleassistência, mesmo que de forma específica com relação à saúde bucal aos bebês, pode estar associado ao bom vínculo que a comunidade tem com os profissionais de sua US de referência, bem como, nesta fase da vida das crianças, se trabalhar prioritariamente com promoção e prevenção da saúde.
A teleodontologia é uma ferramenta que permite o distanciamento social de maneira física, mas possibilita a comunicação a partir de recursos remotos, como telefones, mantendo com isso a relação de vínculo estabelecido, bem como se mostra apropriada para realizar ações de orientação e educação em saúde. A assistência odontológica através da Teleorientação é uma forma de oferecer assistência a população em momentos distanciamento social como na Pandemia, também podendo ser utilizada como uma ferramenta auxiliar para o acompanhamento de situação de saúde da população do território, onde o profissional se adapta a novos contextos, desenvolvendo novas habilidades e protocolos.
Como limitações dessa forma de assistência estão a desatualização de dados cadastrais pelas mudanças frequentes de número de telefone ou atendimento de pessoas que não possuem domínio do idioma, como os estrangeiros, que podem impedir a comunicação por este meio.
Na percepção dos pesquisadores o teleatendimento não substitui o atendimento presencial que continua sendo a principal forma de prestar assistência, mas pode se constituir como uma ferramenta para sanar preocupações, dúvidas, medos, inseguranças e outras situações que os pais ou responsáveis tiverem em circunstâncias que os impeçam de comparecer à Unidade de Saúde (US). O que se conclui é que a Teleodontologia representa possibilidades de oferecer assistência odontológica, a qual o cirurgião-dentista pode se adaptar dependendo da necessidade do seu local de trabalho, particularidades sanitárias do momento, como a atual ou outras situações específicas, podendo servir como via de orientação, educação e monitoramento.