TECNOLOGIA ASSISTENCIAL PARA PRIMEIRA VISITA DOMICILIAR AO RECÉM-NASCIDO E FAMÍLIA

Tema do relato:
Assistência à Saúde na Linha de Cuidado Materno Infantil

Sua experiência está relacionada a que área:
Atenção em saúde

Instituição onde a experiência se desenvolve/desenvolveu (serviço/instituição)
Secretaria Municipal de Saúde

Autor(es) Principal
Ginaina Catia de Prá Oliveira
Autor(es)
Márcia Helena de Souza Freire
Daiana Kloh Khalaf

Situação atual da experiência
Concluída/finalizada

Data de início da experiência
2019-05-07

Contextualização/introdução
Como Enfermeira Especialista em Saúde da Mulher, no âmbito saúde coletiva, Especialista em Educação e Mestre em Enfermagem, atuo na Atenção Primária à Saúde (APS) no Município de Pitanga, na região central do estado do Paraná, desde 2011. Entre 2015 e 2016 estive à frente da Coordenação da APS, e também atuava no Comitê de Investigação de Mortalidade Infantil e, com indignação observava a persistência do quantitativo dos óbitos infantis analisados como evitáveis, sobretudo os neonatais. Fato que me preocupava e, por outro lado, me instigava a averiguar as lacunas da assistência à saúde que contribuiam para esta ocorrência. Neste sentido, ao integrar o programa de pós-graduação stricto sensu de uma faculdade pública federal, me detive a (re)examinar como acontecia a atenção ao recém-nascido (RN) na APS e o que era preconizado pela Política Pública de Saúde e Programas para a promoção de sua saúde e vida. A trajetória de reflexão, discussão e apropriação das evidências científicas reiteravam que os primeiros dias de vida do RN é que representavam maior impacto na ocorrência de sua mortalidade e, neste sentindo, a primeira abordagem em Visita Domiciliária (VD) ao RN e família, sinalizavam, de fato, com potencial para minimização dos problemas de saúde, seu agravo e morte. Assim, meu direcionamento de pesquisa na pós-graduação ficou claro: trabalhar para contribuir com a exequibilidade da VD em meu cenário de prática e contribuir com a prevenção da morbidade e mortalidade neonatal. O município de Pitanga fica na região central do Estado do Paraná, aproximadamente 350 Km da capital, Curitiba. Possuiu grande extensão territorial, com uma população estimada de 30.635 habitantes, com expectativa de vida de 73 anos. Quanto ao saneamento básico cerca de 30% dos domicílios não contam com o serviço de coleta de lixo, água encanada e sistema de escoamento de esgoto. Tem a agropecuária como principal atividade econômica, e o IDH em 2010, foi de 0,7, com renda per capita média de R$ 609,77. O sistema de saúde municipal possui 18 Unidades Básicas de Saúde (UBS), destas, oito possuem equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) composta por, no mínimo, por: 1 médico, 1 enfermeiro, 1 técnico em enfermagem e, 5 Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Um fato relevante é 7 UBSs de Pitanga, estão localizadas na zona rural. Sendo que uma delas, fica a 40 Km de distância da zona urbana, e o acesso acontece por estrada sem pavimento asfáltico, fato que impossibilita o trânsito em dias de muita chuva. Nestas unidades há diariamente somente duas categorias profissionais presentes, o Técnico de Enfermagem e o ACS. Quanto a atenção hospitalar, existe apenas 1 hospital que atende baixa e média complexidade, para alta complexidade a população é referenciada para outros municípios via central de leitos, e o hospital de referência para os nascimentos de alta complexidade fica a 86 Km de Pitanga. Nascem, em média, 400 crianças por ano. E, a mortalidade Infantil em 2017 foi de 9,1 óbitos de menores de um ano por 1.000 crianças nascidas vivas e, em 2020, de 12,7/1000NV, acima da meta preconizada pelo Estado que é de ter taxas de apenas um dígito. Salienta-se que, para municípios com populações pequenas, é aconselhado o monitoramento pelo quantitativo de óbitos, devido o número todas de nascidos vivos ser baixo, assim a ocorrência de apenas um óbito apenas, pode gerar taxas elevadas. No cenário da pesquisa o ACS caracteriza o principal contato da unidade de saúde com a puérpera e o RN, cerca de 70% deles são os únicos profissionais a realizarem a VD, em sua ausência ninguém mais a realiza. Uma realidade, que mesmo sendo analisada como insatisfatória, é encontrada nos países em desenvolvimento, nos quais há carência de outros profissionais. Neles, o ACS ou até mesmos voluntários treinados, tornam-se uma das únicas possibilidades para a realização da primeira abordagem em tempo oportuno ao RN e sua família.
Considerando meu cenário de atuação profissional no qual os ACS realizam a VD, sobretudo na zona rural, os mesmos são previamente preparados pelos enfermeiros. Não são raras as vezes que não sabem como agir frente ao cenário que se deparam nos domicílios e, não detém a agilidade necessária para os encaminhamentos urgentes. Este fato já culminou com a ocorrência de um óbito neonatal que, na análise pela equipe da APS, apontou a necessidade de os ACS estarem mais preparados para a VD. A VD ao RN / mãe e família é uma intervenção complexa que agrega benefícios à saúde neonatal e materna e, implantá-la com qualidade constitui-se em uma tarefa que envolve diversos protagonistas do cenário da saúde, considerando que prevê um planejamento multiprofissional institucional para o cuidado oportuno, adequado e seguro, para quem presta e para quem o recebe. Soma-se ao exposto o fato de que esta atenção favorece a prestação de serviço de saúde personalizado à população em suas casas, em seus cenários de vida cotidiana, carregando consigo um potencial significativo de mobilização da comunidade e, de transmissão reverberada das informações, com tendência de elevar a satisfação dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), a qualidade de vida das famílias e, a sobrevida das crianças. Entretanto, apesar da recomendação internacional de se proceder à primeira VD ao RN na primeira semana de vida, ainda se observa que na prática não há padronização desta aplicação. E, ademais, pensar no cuidado sob a perspectiva do uso da tecnologia, permite reflexão acerca da capacidade inerente do ser humano em buscar inovações capazes de melhorar a qualidade de vida e sua satisfação pessoal.
Com base no exposto, visando a melhoria da assistência a população infantil e materna, bem como familiar, no município de Pitanga, Paraná, foi desenvolvida uma Tecnologia Assistencial para a Primeira Visita Domiciliar ao Recém-nascido e família. Esta visa guiar o desenvolvimento da visita por qualquer profissional de saúde, sobretudo pelo ACS, enfatizando os pontos mais relevantes para que se monitore a saúde e a vida do recém-nascido. A Tecnologia produzida assegura que na primeira VD as observações e informações essenciais sejam realizadas e registradas com qualidade no sentido de se preservar a saúde e a vida do recém-nascido, assim como a harmonia familiar.
Desenvolveu-se uma pesquisa de intervenção, de cunho metodológico, norteada pela Metodologia da Problematização, com base no Arco de Maguerez. Ao se imaginar a proposição de um guia para a Visita Domiciliar também se pensou que o guia fizesse sentido para a equipe multiprofissional, a mesma deveria ser participativa durante a sua construção. Assim, em 2019, foram integrados ao desenvolvimento da tecnologia assistencial 69 profissionais de saúde atuantes na Atenção Primária à Saúde do município de Pitanga no estado do Paraná. As categorias profissionais dos participantes foram: médica pediatra, enfermeiros e os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), principais profissionais que realizam a primeira visita domiciliar ao recém-nascido no contexto da pesquisa A proposta foi apresentada aos gestores Municipais, prefeito e a secretária municipal de saúde que se envolveram com a iniciativa e apoiaram-na desde o início do projeto. Findada a construção a Tecnologia foi apreciada em reunião do Conselho de Saúde Municipal e posteriormente e apresentada em formato de capacitação para o uso aos profissionais de saúde. De acordo com o Arco de Maguerez, que parte de uma realidade para a construção que impacte na mesma, foram desenvolvidas cinco etapas: • 1ª Etapa: Observação da realidade e elaboração da situação-problema – A observação rigorosa da realidade era a vivência cotidiana da interlocutora da tecnologia proposta e, foi associada à métodos de pesquisa, por ocasião de uma reunião para diálogo sobre o cenário da VD, com aplicação de um questionário aos ACS de Pitanga/PR. Este foi respondido por quase 70% dos mesmos e, por 6 profissionais de nível superior da APS. • 2ª Etapa: Definição dos Pontos-chave – Esta etapa foi desenvolvida mediante os resultados científicos coletados em revisão de literatura com reflexão e confronto com o contexto municipal vivenciado pela pesquisadora e, suas hipóteses. Levou-se em consideração as respostas aos questionários aplicados aos ACSs e enfermeiros. E, em uma 1ª Oficina, foi apresentada uma síntese dos resultados dos questionários, com promoção de debate integrado entre os profissionais de saúde, para que todos participassem da definição dos pontos-chaves na atenção à VD ao RN, considerando os aspectos essenciais da problemática. • 3ª Etapa: Teorização: A teorização, estudo ou investigação, desenvolveu-se para atender aos pontos-chaves do problema, uma etapa que perpassou todo o tempo da pesquisa, de modo individual pela pesquisadora e, nos grupos, com o desenvolvimento das Oficinas, a fim de confrontar os problemas da vivência com as evidências científicas. • 4ª Etapa: Elaboração de pressupostos para a solução do problema – Nesta etapa investiu-se todo o arcabouço científico, político assistencial, da prática assistencial (por meio participativo em três Oficinas) e de planejamento estratégico. Neste desfecho, foi concretizada a elaboração conjunta de uma Tecnologia Assistencial para guiar a abordagem integral durante a visita ao RN / mãe e família. O conteúdo da tecnologia foi validado por especialistas na temática, à partir de um instrumento específico elaborado pela autora. • 5ª Etapa: Aplicação à realidade – Trata-se da aplicação de uma ou mais hipóteses para obter-se a solução ou minimização do problema, por meio de uma intervenção prática na realidade observada e estudada. De modo que, ocorreu com a capacitação dos 81 ACSs para a aplicação da Tecnologia Assistencial para nortear a Primeira VD ao RN e família. A Tecnologia assistencial construída coletivamente pelos profissionais de saúde, em sua maioria enfermeiros, ficou composta por seis blocos de informações sendo eles: identificação; antecedentes obstétricos; dados sobre o parto/mãe/puerpério; amamentação; recém-nascido; condição atual da criança; e dados complementares considerados pertinentes como sinais de telefones para contato e aprazamento de consultas.
Assim, o objetivo foi cumprido e, a Tecnologia Assistencial desenvolvida coletivamente foi implementada na rotina do município para guiar a realização da 1ª Visita Domiciliar ao recém-nascido, após a apresentação e adesão pelo Conselho Municipal de Saúde, mediante a Resolução de Aprovação no 04/2019, por votação unânime, em reunião de 28 de junho de 2019. Todos os ACSs receberam capacitação para a utilização da tecnologia e ainda, foram pactuadas com a Rede de Atenção à Saúde, mais especificamente a Linha de Cuidado Materno-infantil, as vias de encaminhamentos para as intercorrências detectadas pelo ACS durante as visitas. (vou anexar foto do treinamento e a tecnologia) Pode-se evidenciar como transformação no cenário da APS do município de Pitanga que o uso da tecnologia instrumentalizou, especialmente, os agentes comunitários de saúde no desenvolvimento da primeira visita domiciliar ao recém-nascido, e favoreceu a comunicação de modo especial nas áreas da zona rural onde os agentes não possuem equipe de ESF vinculadas, pois pactuou-se o envio das fichas para uma enfermeira de referência. No ano de 2020 foi realizada nova capacitação com a equipe de saúde para avaliar o uso da tecnologia, discutir dificuldades e necessidade de ajustes.
Tendo em vista as evidências dos benefícios da Visita Domiciliar ao recém-nascido, mãe e familiares, a aplicação da Tecnologia Assistencial para a Primeira Visita ao Recém-nascido e Família tem evidenciado, ao longo de dois anos, relevante favorecimento do planejamento e da condução dos profissionais de saúde para ações na perspectiva da integralidade do cuidado, contribuindo para o reconhecimento dos sinais de alerta, a prevenção e, a promoção da saúde. Com a pandemia houve mudança da rotina de trabalho dos profissionais de saúde, assim como das visitas domiciliares foram suspensas por um período considerável, o que impactou nos resultados que poderiam ter sido mais amplamente evidenciados, aos poucos as atividades tem sido retomadas e, a expectativa é de que se dê continuidade à melhoria na qualidade da primeira VD ao RN e sua família.

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