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Pintando ventres grávidos: Uma experiência de Vínculo, Empoderamento e Cuidado.

Tema do relato:
Assistência à Saúde na Linha de Cuidado Materno Infantil

Sua experiência está relacionada a que área:
Atenção em saúde

Instituição onde a experiência se desenvolve/desenvolveu (serviço/instituição)
Secretaria Municipal de Florianopolis - Centro de Saúde Armação/ Centro de Saúde Tapera

Autor(es) Principal
LAURA DENISE REBOA CASTILLO LACERDA
Autor(es)
Juliana Cipriano de Arma
Lucilene Gama Paes
Caren Della Mea da Fonseca
Elizimara Siqueira
Cilene Fernandes Soares
Tatiane Chimanko Bugs

Situação atual da experiência
Em estágio avançado de execução

Data de início da experiência
2013-03-10

Contextualização/introdução
A gestação é uma das experiências humanas mais complexas, abarcando múltiplas dimensões da vida da mulher e do desenvolvimento humano. Cada mulher a vive de maneira única e cada gestação possui características diferentes. Apesar deste caráter subjetivo, a gravidez também se caracteriza como evento social, que mobiliza as pessoas que convivem com a mulher, estendendo-se, assim, a toda a sociedade (ZAMPIERI, 1998). Novas tendências do parto humanizado apresentam práticas não observadas anteriormente no cuidado profissional com a mulher, apontando para a revalorização de atividades e cuidados antigos, considerados a partir de estudos baseados em evidências clínicas. Estas práticas objetivam promover a humanização, o acolhimento, o reconhecimento, a autoestima e o vínculo da gestante com o processo de gestar. A pintura de ventres grávidos é a união entre uma expressão artística e cultural com a gestação e está presente historicamente na cosmologia de muitos povos e etnias.Aqui no Brasil desde o ano 1993 foi difundida e realizada pela parteira mexicana Naoli Vinaver que a chama de”Ultrassom Natural”,que utiliza essa prática em seu processo de trabalho com objetivo de proporcionar conexão emocional entre os envolvidos no processo de gestar. Outra profissional que ajudou a difundir a prática de pintura em barrigas pelo mundo è a Parteira profissional norte americana Gail Tully, que além de ser autora do método spinning babies escreveu um livro onde oferece dicas para que gestantes interpretem os movimentos, forma e apresentação dos bebês ao longo da gravidez utilizando o método Belly Mapping e dicas de pintura em ventres grávidos. O acompanhamento pré-natal é uma importante ferramenta para o enfrentamento das dificuldades que marcam o processo de gestar. Fundamental para promover a troca de experiências, a compreensão das vivências, abrindo espaço para que a mulher expresse suas angústias e seus receios. A possibilidade de agregar técnicas que ampliam a visão mais natural do processo de gestar e proporcionam autoconhecimento à gestante são de suma importância para a qualidade do acompanhamento pré-natal.
O uso da pintura corporal e, mais especificamente, em barrigas de gestantes, é difundido em vários grupos sociais e no decorrer da história manifesta múltiplos significados e funções. Recentemente no Brasil, várias equipes e profissionais, voltados para o parto humanizado, têm oferecido em seus grupos ou em atendimentos individuais, a opção das gestantes visualizarem seu bebê através do ultrassom natural ou outro tipo de desenho ou pintura na barriga. Esses serviços são, em grande maioria, privados e com alto custo, oferecendo acesso apenas a uma parcela da população. A iniciativa de oferecer a USG natural a mulheres que acompanham no Sistema Único de Saúde é inovadora, evidenciando a potência do SUS em se atualizar com as melhores e mais recentes evidências científicas de cuidado. Ao longo dos acompanhamentos pré-natais e dos grupos de gestantes pelas equipes de Saúde da Família no município de Florianópolis – SC, se observou a recorrência do anseio das mulheres por algo que fosse modificador no processo de identificação com a nova condição de ser mãe, sendo este estendido ao pai e a todos que compõem a rede de apoio da gestante.
Relatar a experiência da pintura corporal em gestantes em dois centros de saúde, com ênfase no vínculo, no empoderamento e na ampliação da prática do pré-natal dos profissionais de saúde da Rede de Atenção Primária de Florianópolis.
A presente experiência se estende em 3 modalidades de oferta do serviço que contemplam desde a prática oferecida ao trabalho terapêutico com o resultado final que é a própria USG natural, na qual oferecemos nos seguintes formatos: 1 – Grupo de Gestantes – Circunda o universo de mulheres que são usuárias do serviço público de saúde de Florianópolis e que residem no bairro Armação e Tapera. No ano de 2013, foi criado o grupo de gestantes Beija Flor no CS Armação com o intuito de oferecer um espaço de discussão, acolhimento, arte, movimento, corporalidade e empoderamento, onde a gestante e toda sua rede de apoio tem a opção de práticas ainda não convencionais ao pré-natal, mas efetivas no processo de humanização de identidade e vínculo da mãe com seu bebê. A pintura é oferecida em vários encontros e de diferentes formas a depender da constituição do grupo e é realizada em qualquer período gestacional.A participação dos pares ou rede de apoio da gestante é estimulada, para que estes ajudem e até desenhem, caso queiram, o bebe na barriga com o objetivo de reconhecimento, conexão e vínculo. É demonstrado a palpação obstétrica do feto e a partir daí iniciamos a pintura dos ventres. Caso não tenha pares, os próprios profissionais realizam a atividade. Essa atividade em grupo vem de ciclos de conversas que passeiam por diversos assuntos relacionados à gestação e neste dia geralmente é acompanhada de uma roda de conversa sobre psicologia do nascimento e vínculo. O registro é realizado pela enfermeira responsável pela ação que também é fotógrafa amadora. Participam dos encontros profissionais que atuam nas equipes, residentes e estudantes que tenham interesse em participar. No Centro de Saúde Tapera a pintura de ventres realizada é realizada na forma de oficinas que são previamente agendadas a cada três meses e todas as gestantes que acompanham no CS e que estão no terceiro trimestre são convidadas a participar. O convite é realizado através de folders, redes sociais, cartazes, whatsapp das gestantes ou diretamente pelos profissionais nos atendimentos. A oficina é uma modalidade em grupo, com duração de quatro horas, realizada no auditório do CS. Além das gestantes, seus familiares são convidados para participar deste momento. Estes, que muitas vezes têm dificuldade de participarem das consultas, neste dia são convidados a visualizar, através da pintura, o futuro membro da família, proporcionando além de um vínculo com a equipe, o aumento do laço na própria família. Nas oficinas, são utilizados recursos audiovisuais como vídeos com algum tema relacionado à educação em saúde na gestação.As gestantes sentam-se em roda, os profissionais fazem a palpação e o desenho do bebê e seus familiares são convidados a ajudar a colorir os desenhos. Além da interação dos profissionais com as gestantes, há uma grande interação entre elas, sendo também uma um momento de troca de experiências. Todos os profissionais do CS se envolvem neste dia, mesmo que não diretamente na oficina, mas todos ajudam na contribuição do lanche oferecido e mantendo o funcionamento normalizado das demais consultas e procedimentos durante o evento. Durante e após a pintura, os momentos são registrados por uma fotógrafa voluntária, ficando eternizado através da fotografia. 2 – Consulta Pré Natal – No Centro de Saúde Armação pintura gestacional é oferecida no último trimestre, como um fechamento, “uma despedida da barriga”. Através da palpação obstétrica, identificamos a posição do bebê como referência para o desenho, adicionando mandalas, formas e cores que se identificam com a mulher, povoando de imaginação e alegria o universo da gestante. Com isso observamos maior autoconfiança e diminuição da ansiedade no período que se acerca do parto. Durante a prática, é contextualizado o parto e os sentimentos envolvidos,trabalhando a psicologia do nascimento, esclarecendo dúvidas ajudando a dissolver medos e inseguranças que acercam o parto e a maternidade, através do diálogo e estímulo para que a gestante fale de suas percepções neste momento da gestação. No final é realizado um registro fotográfico. Essa consulta por demandar maior tempo é agendada no final do período de atendimento a fim de não causar impasses na agenda do profissional envolvido. No Centro de Saúde Da Tapera a prática, no formato de consulta individual, é oferecida para as gestantes que não conseguem participar da oficina por algum motivo, para que também tenham a oportunidade de vivenciar esta experiência. A consulta é agendada previamente, destinada a este fim e tem em média duração de uma hora. Os profissionais que realizam esta modalidade são enfermeiros e residentes de enfermagem da Residência Multiprofissional em Saúde da Família. 3 – Oficinas de USG Natural para profissionais de saúde – Estas oficinas são realizadas por enfermeiras membros da Comissão de Sistematização de enfermagem, ocorrem duas vezes ao ano e elas contemplam tanto as gestantes convidadas para servirem de modelo, como profissionais de saúde e residentes que tenham interesse em desenvolver a prática e aprender a fazer a pintura em ventre em seus respectivos locais de trabalho. Também contextualizamos e refletimos sobre questões que podemos trabalhar com as gestantes no momento da atividade. Nestas oficinas, o foco é sensibilizar o profissional de saúde para a prática da USG natural, não sendo necessário ter habilidades artísticas ou conhecimento prévio porque utilizamos moldes e técnicas de desenho que facilitam o processo. A oficina é ofertada e o profissional realiza sua inscrição para participar de livre e espontânea vontade, programando-se previamente para estar ali e trazer sua modelo gestante no intuito de desenvolver a prática.Para que a pintura de ventres seja realizada precisamos de um espaço confortável para as gestantes. É necessário que se tenha disponível água e lanche, no caso das oficinas, e para a pintura corporal, maquiagem tipo sombras, batom, pós, pancakes, lápis delineadores nas cores marrom, preto e coloridos, tinta para pintura corporal/facial/ artística, pincéis, esponjas, cotonetes, glitter, lenços umedecidos, óleo vegetal ou demaquilantes, algodão e molde. É de suma importância perguntar se a gestante tem alergia ou sensibilidade a esse tipo de produto, utilizar materiais com data de validade em dia e observar a qualidade do material a ser utilizado. O desenho deve partir da construção de uma imagem que agrade a gestante e sua rede de apoio, por isso é imprescindível que se pergunte quais as expectativas da gestante com relação à pintura, quais suas inspirações, suas cores favoritas, se ela gostou de alguma USG que já viu e deixar claro que não irá ficar igual, porque cada pintura é única e os traços de cada profissional no desenho são diferentes. É importante, ao desenhar, prestar atenção às proporções do corpo do bebe, lembrando que estamos povoando a imaginação de uma gestante e de sua rede familiar. Contemplar, mostrar com espelho e fotografar são sugestões para depois da pintura. Incentivar os familiares a desenhar em casa na barriga também, incentivando o vínculo com a gestação.
A pintura do bebê no ventre materno valoriza a mulher e suas escolhas, apresenta o bebê imaginário por meio de arte a sua rede de apoio e familiar, leva a uma conexão mais profunda e intimista da maternidade e paternidade, bem como vincula irmãos ao nascimento do novo membro dessa prole ou círculo familiar. Incentiva a participação de todos no processo de gestar, oferecendo um suporte e troca de experiências única a esse momento da gestante. Com base nos relatos das gestantes que participaram da experiência, identificamos motivação e movimento para busca de conhecimento e vínculo ao bebê. Também situamos a prática como promoção e despertar de sentimentos de proteção, amor, perdão, segurança, aumento da auto estima, conexão com o próprio corpo e autonomia no processo de parir e liberação de medos e inseguranças. Ao despertar a vontade de se relacionar e adquirir conhecimento acerca da gestação, as gestantes e familiares puderam trazer para o espaço de consulta o bebê imaginário, agora representado na USG natural, descrevendo suas rotinas, seus movimentos, como se relaciona diariamente com a rede de apoio e familiar, o que motivou a busca por maior cuidado e informações acerca da gestação, melhor adesão ao pré-natal e ainda possibilitou a percepção sobre posições fetais dentro do útero. Por outro lado, a localização do feto através da palpação, ausculta dos batimentos fetais, observação dos movimentos fetais, presentes muitas vezes durante a prática da pintura, é uma potente ferramenta pedagógica que populariza, fortalece, relaciona e integra o conhecimento e práticas científicas de profissionais de saúde à comunidade, fortalecendo ações baseadas em prevenção quaternária e centrada na pessoa. A possibilidade de oferta dessa prática em seu ambiente de trabalho, introduziu nos profissionais envolvidos sentimentos de maior satisfação, leveza e alegria, aumentando vínculo com pacientes, ampliando conhecimento e reflexão sobre o processo de parir. Alguns profissionais ampliaram o escopo de práticas integrativas e complementares introduzindo nesses momentos música, poesia, fotografia, círculos de cultura, medicina tradicional chinesa entre outros, fortalecendo a ação e efetivando a promoção e cuidado em saúde.
Original da sociologia e antropologia, a coleta de narrativas sobre o processo saúde-doença tem sido objeto de muitos estudos contemporâneos do campo da saúde e mostram que as relações sociais ou, mais precisamente, as redes sociais definem a forma como a doença é compreendida, expressa e vivida pelos sujeitos. Informa também sobre como os tratamentos propostos são avaliados, experimentados, modificados, aceitos ou abandonados, revelando a importância da mudança do olhar dos profissionais sobre a participação dos usuários no processo de produção do cuidado (MURAMOTO, 2009). Segundo o Ministério da Saúde, a saúde não deve se restringir ao tradicional conceito de prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação, mas deve ser abordada também no contexto cultural, histórico e antropológico, onde estão os indivíduos que se querem ver saudáveis ou livres de doenças. Neste sentido, é necessário apontar para uma reflexão conceitual, onde se impõe a busca de ações e estratégias para reduzir a enorme distância entre o conhecimento científico e tecnológico que, de forma geral, se sobrepõe ao profissional de saúde com suas intervenções à aplicação humanizada da assistência que pode promover o autocuidado e a saúde das pessoas. A expressão artística de desenho e pintura em gestantes reflete a potencialidade do plano relacional paciente/profissional. Todas as pessoas carregam uma bagagem de vida onde existem conhecimentos, crenças, religiões, sentimentos, valores, emoções e de nenhuma forma nosso conhecimento tem valor maior que o que elas têm. Nesse sentido, todos os conhecimentos, tradicionais e profissionais, devem ser compreendidos num mesmo patamar de relevância, sem hierarquizações. Segundo Barreto, “as possibilidades de prevenção das doenças, bem como as formas de cura, são tantas, quantas são as distintas realidades, sociedades e culturas presentes na humanidade” (BARRETO, 2008). O desenho de linhas de cuidado pode ser entendido como um fio condutor que dá continuidade ao cuidado, de modo a permitir a articulação entre as ações de saúde. A organização da assistência à saúde, pautada pela lógica das linhas de cuidado, pode ser um passo importante na direção da integralidade, da humanização e da interdisciplinaridade, superando a tão conhecida fragmentação do cuidado e a desarticulação entre os diversos níveis de atenção à saúde. A arte entra nesse contexto como uma ferramenta fundamental para aproximação e vínculo das gestantes no objetivo de empoderamento da mesma no processo de maternagem.

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