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Operação inverno: monitoramento da transição do cuidado no pós alta imediato de usuários com doenças respiratórias e síndrome gripal em uma capital do sul do Brasil

Tema do relato:
Enfermagem no contexto das Redes de Atenção à Saúde/do SUS

Sua experiência está relacionada a que área:
Gestão em saúde

Instituição onde a experiência se desenvolve/desenvolveu (serviço/instituição)
Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre

Autor(es) Principal
Daniela Wilhelm
Autor(es)
Caroline Ceolin Zacarias
Eveline Rodrigues
Cristiane Panizzon

Situação atual da experiência
Concluída/finalizada

Data de início da experiência
2021-05-18

Contextualização/introdução
A experiência a ser apresentada é decorrente do Projeto Operação Inverno 2021 da Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre/RS. Tal projeto propôs identificar o percurso terapêutico e monitorar a transição do cuidado de usuários hospitalizados para as Unidades (US) da Atenção Primária à Saúde (APS). Neste relato, apresentaremos a experiência do monitoramento da transição do cuidado de usuários egressos de internação hospitalar por causas respiratórias e síndrome gripal para a rede de APS do município, que ocorreu entre os meses de maio e outubro de 2021. A necessidade de tal ação foi disparada pela Assessoria de Planejamento, ligada ao Gabinete do Secretário de Saúde do município de Porto Alegre/RS para a Coordenação de Atendimento Digital e Transição de Cuidados. Essa Coordenação está vinculada à Diretoria de Atenção Primária à Saúde e tem como objetivo implantar estratégias de atendimento digital, bem como efetivar a vinculação dos usuários com alta hospitalar à APS, por meio da transição de cuidados, e é composta por quatro enfermeiras, quinze acadêmicos de enfermagem e um acadêmico de saúde coletiva. O projeto envolveu o monitoramento de 1762 usuários, que tiveram internação hospitalar entre as datas de 26/05/2021 e 30/09/2021, em quatro instituições hospitalares para 132 unidades da APS do município de Porto Alegre/RS.
Em Porto Alegre/RS, de uma maneira geral, as doenças respiratórias agudas assim como a exacerbação de doenças respiratórias crônicas aumentam sua incidência nos meses de inverno. As crises de asma são responsáveis por 25% das internações anuais por doenças respiratórias. Destas, 65% ocorrem entre abril e setembro, sendo 90% delas em menores de 15 anos. A bronquiolite viral aguda, a doença respiratória mais comum em menores de 2 anos, tem pico de incidência entre os meses de maio e setembro, ocorrendo o mesmo com a pneumonia, cuja incidência aumenta cerca de 50% entre maio e agosto. Em adultos, tal crescimento ocorre principalmente às custas de agudizações da doença broncopulmonar obstrutiva crônica – 55% de elevação entre maio e setembro. Portanto, carregam um peso importante para o sistema de saúde, mobilizando recursos de pessoal e de estrutura (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE, 2021). Para garantir a integralidade da assistência é importante reavaliar constantemente as necessidades de adequações do sistema de saúde e seus atores na produção do cuidado. Há na literatura evidências de que o funcionamento efetivamente integrado da rede de atenção à saúde melhora a qualidade clínica do cuidado, reduz internações, melhora a satisfação dos usuários e reduz custos na atenção à saúde (MENDES, 2012).
Tal experiência buscou monitorar a transição do cuidado no pós alta imediato dos usuários internados por causas respiratórias e síndrome gripal em quatro hospitais de referência de Porto Alegre/RS à APS.
O projeto foi apresentado previamente às Direções dos Hospitais envolvidos e às coordenações das Unidades de saúde da APS de Porto Alegre/RS. As equipes assistenciais hospitalares receberam a orientação de informar ao usuário, no período de preparo da saída do hospital, a necessidade de comparecimento em até 72 horas após a alta na Unidade de saúde da APS de referência do usuário para revisão clínica e continuidade do tratamento da doença respiratória e/ou síndrome gripal causadora da internação. As US da APS, a fim de reafirmar a necessidade de aumentar o acesso aos cuidados de saúde, receberam a informação da instrução das equipes hospitalares e foram estimuladas a priorizar tais atendimentos além de que, caso o egresso hospitalar não comparecesse à US, deveriam proceder à busca ativa em até, no máximo, sete dias após a alta hospitalar. O monitoramento dos usuários residentes em Porto Alegre/RS e hospitalizados por Códigos Internacionais de Doenças (CID) referentes a doenças respiratórias e de síndrome gripal aconteceu no período de 26/05/2021 a 30/09/2021. Para essa busca foi utilizado o Sistema de Regulação de Internações (GERINT). Uma planilha em Excel foi criada e compartilhada com os hospitais onde era sinalizada, para cada usuário internado, a Unidade de saúde da APS com a qual ele tinha vínculo. Na ocasião da alta hospitalar um email foi enviado para a US da APS alertando a necessidade de vinculação do usuário em até 72 horas. O monitoramento da vinculação do usuário em até 72 horas após a alta foi verificado por meio do prontuário eletrônico do SUS (e-SUS). Para fins de avaliação da vinculação na APS foram considerados os seguintes registros no e-SUS: visita domiciliar, contato telefônico, consulta presencial e agendamento de consulta. Caso não houvesse registro de atendimento no e-SUS relacionado ao agravo causador da internação, uma mensagem eletrônica de alerta foi enviada para a Unidade de saúde da APS reforçando a necessidade de busca ativa do usuário em até sete dias a contar da alta. Quinzenalmente, a lista dos usuários não vinculados foi encaminhada para as instâncias administrativas responsáveis pelas unidades de saúde. Após a finalização do monitoramento das internações hospitalares em 30/09/2021, as listas dos usuários não vinculados em até sete dias após a alta hospitalar foram revisadas. Verificou-se no e-SUS se houve vinculação tardia após o 7º dia de alta. Para os usuários que não tiveram vinculação após a alta, foram realizadas três tentativas de chamada telefônica em dias e turnos alternados, a partir de um roteiro padronizado de ligação, para verificar o motivo da não vinculação na Unidade de saúde da APS. Para realização das ligações, foi utilizada a ferramenta Zoiper®, um aplicativo gratuito e online que além de permitir a realização da chamada, contempla a gravação do diálogo e gera um número de protocolo de atendimento. Tal ferramenta foi adaptada para uso pela equipe de processamento de dados de Porto Alegre/RS. Os prováveis motivos de não vinculação foram categorizados da seguinte forma: “Usuário não quis acessar a US” porque julgava não necessária a reavaliação clínica ou por motivos pessoais alegados; “Número de telefone incorreto” quando o contato indicado nos sistemas de informação não comunicava com usuários; usuário “Em situação de rua não encontrada” para caracterizar a população vulnerável do monitoramento; usuários que deram seguimento ao acompanhamento em “Serviços de Saúde não próprios” do Município (em que não é possível ter acesso aos registros de saúde dos mesmos); usuários que deram seguimento ao acompanhamento em “Serviço de saúde suplementar”; usuário alegou que “Não recebeu orientação na alta hospitalar” para reavaliação na US; usuário teve “Mudança de endereço para outro município”; usuário teve “Mudança de endereço dentro da cidade” e “Causa distinta” quando o motivo fosse outro que não previsto nas variáveis anteriores. Após o questionamento ao usuário do motivo de não vinculação na Unidade de saúde da APS foi gerado um relatório com essa categorização e entregue às Diretorias da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS para embasar as ações estratégicas referentes a esse agravo, além de fornecer indicadores de comparação para o projeto da Operação Inverno de 2022. Além disso, foi realizada pesquisa no Sistema de Dispensação de Medicamentos do município a fim de verificar se os usuários com CID relacionados à asma ( J450, J451, J458, J459 e J46) haviam retirado medicamentos ( Beclometasona 50 ou 250mg e/ou Salbutamol 100mg) para tratamento do agravo em período anterior da internação – uma vez que o monitoramento dos casos internados iniciou em maio, o período avaliado para dispensação de medicamentos foi janeiro de 2021.
Resultados do monitoramento das internações hospitalares No período de 26/05/2021 a 30/09/2021 foram monitorados 1762 casos internados em quatro hospitais de Porto Alegre/RS com CID de doença respiratória ou síndrome gripal. Destes, 105 tiveram desfecho óbito (5,95%), 29 (1,65%) foram transferidos para outros hospitais, 425 (24,12%) casos permaneceram hospitalizados após a finalização do projeto, 55 (3,13%) eram reinternadores (ou seja, tinham mais de uma entrada na amostra) e 1148 (65,15%) tiveram alta hospitalar. A Tabela 1 apresenta o compilados dessas dados: Tabela 1 – anexo Em relação aos 1148 usuários que tiveram alta hospitalar: 19,6% (225) tinham idade inferior a 1 ano; 24,8% (285) entre 1 e 16 anos; 24,4% (280) entre 17 e 59 anos; 21,5% (247) entre 60 e 79 anos; e 9,7% (111) dos usuários tinham 80 anos ou mais. Em relação ao gênero, 54,3% (623) eram masculinos e 45,7% (525) femininos. Os CID mais encontrados no monitoramento dos usuários internados foram: 34,1% (392) dos usuários apresentaram COVID (B342, B349); 23,5% (270) Bronquiolite (J210, J218, J219); 15,8% (181) Asma (J450, J451, J458, J459); 11,6% (133) Pneumonia (J189, J180, J181 e J182) e o restante dos usuários, 15% (172) apresentaram outros CID. A média de dias de internação dos egressos de pediatria foi 4 a 6 dias e dos egressos adultos, 8 a 9 dias. Resultados do monitoramento da transição do cuidado para a APS Dos 1203 casos egressos de internação (esse cálculo inclui os casos com alta hospitalar contemplando os reinternadores): 43,89% (528) vincularam na US após a alta hospitalar, 27,02% (325) em até 72 horas e 16,87% (203) em até 7 dias após a alta; e 55,11% (663) não vincularam no prazo recomendado para revisão clínica. Além disso, após as altas hospitalares e dentro do período de monitoramento, 1% (12) dos usuários tiveram desfecho óbito confirmado pela Vigilância Epidemiológica do Município. Tabela 2 – Anexo O projeto de monitoramento da Operação Inverno no ano de 2019 foi executado por meio de contratação emergencial de profissionais da saúde e acompanhou 2273 casos egressos de internação hospitalar, sendo registrado 4,6% (104) de vinculação dos casos nas US da APS em até 72 horas. Diante dos dados apresentados, o método utilizado pela Coordenação de Atendimento Digital e Transição de Cuidados, composto por enfermeiras de carreira da Secretaria Municipal de Saúde apresentou-se mais eficaz por ter alcançado resultados promissores. Somado a isso, existe forte evidência na literatura que as características do vínculo empregatício afetam a dedicação/esforço do trabalhador no desempenho das suas atividades. Uma importante característica das relações de trabalho refere-se ao tipo de vínculo contratual do trabalhador, mais especificamente ao tempo de duração do trabalho, isto é, se permanente ou temporário (MENEZES e MONTE, 2013; SOUZA et al., 2018 ). Resultados da revisão do percurso terapêutico de usuários não vinculados Findado o período de entrada dos casos no monitoramento, o percurso terapêutico dos não vinculados em até 7 dias após a alta foi revisado a fim de avaliar a transição do cuidado. Tabela 3 – anexo A tabela anterior mostra que 43,89% (291) dos casos monitorados tiveram vinculação em US da APS após a alta, sendo que 1,21% (8) usuários vincularam dentro do prazo ideal (entre 72 horas e 7 dias após a alta), porém tiveram seu registro de atendimento no e-SUS realizado fora desse prazo (tardiamente). Isso acontece quando há instabilidade desse sistema e os profissionais não conseguem fazer o registro síncrono ao atendimento presencial. O gráfico a seguir mostra o número de dias que os usuários (291) que vincularam após sete dias da alta hospitalar levaram para comparecer ou fazer contato com as US da APS. A média de dias para vinculação variou entre 8 (17 usuários) e 21 dias (7 usuários), sendo que este prazo chegou até o 97º dia. Gráfico 1 – Anexo Para os usuários em que não foi identificada nenhuma vinculação na US da APS, isto é, 314 usuários, foram realizadas até três tentativas de ligação telefônica. As ligações foram orientadas pelo seguinte roteiro padronizado (Figura 1): Figura 1 – anexo Da amostra de 314 usuários, 203 (64,65%) não atenderam a nenhuma das três tentativas de contato telefônico e 111 (35,35%) atenderam. A tabela a seguir demonstra o resultado do contato com os usuários: Tabela 4 – anexo Na maioria das ligações atendidas por usuários, foi informado que o número telefônico que constava nos sistemas oficiais do município estava incorreto e não pertencia à pessoa que estava sendo buscada (34,23%). Tal informação aponta para a necessidade de estratégias de atualização do cadastro dos usuários no Município. Os usuários encontrados também referiram que: 17,11% não buscaram a US por que não quiseram ou julgaram não ser necessário apesar de terem recebido orientação na alta hospitalar; 16,22% fizeram acompanhamento em serviços de saúde 100% SUS (não próprios do município) e 13,51 % em serviços de saúde suplementar que não realizam o registro dos atendimentos no e-SUS, o que inviabiliza o acesso às informações do usuário pela Secretaria Municipal de Saúde; 9,01% dos usuários informaram que não receberam no hospital as orientações para revisão na APS; 2,7% disseram que foram até a US da APS mas não conseguiram atendimento; 3,6% mudaram-se para outra cidade mas ainda não atualizaram seu cadastro naquele município; 1,8% das ligações atendidas eram de abrigos municipais porém os usuários (pessoas em situação de rua) não estavam mais frequentando aqueles locais; 1 usuário (0,91%) referiu causa distinta dos demais (foi à US da APS apenas para retirada de medicamento para tratamento de outro agravo) e outro usuário (0,91%) referiu que mudou-se de endereço dentro da cidade e que por esse motivo não foi mais a sua antiga Unidade de saúde. Resultados pesquisa DIS Dados da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS referentes a 2019 mostram que as hospitalizações por doenças crônicas não transmissíveis representam 28,2% do total das internações (45.041/159.795). Destas, 14,1% foram por doenças do aparelho respiratório. Tal número elevado de internações aponta a necessidade de acompanhamento regular desses usuários pelas US da APS. A principal meta do tratamento da asma é a obtenção e manutenção do controle da doença, sendo o tratamento atual dirigido para controlar os sintomas e prevenir exacerbações. A introdução precoce do tratamento antiinflamatório com corticosteróides inalatórios (CI) resulta em melhor controle de sintomas, podendo preservar a função pulmonar em longo prazo e, eventualmente, prevenir ou atenuar o remodelamento das vias aéreas . A portaria Nº 2.084/GM, de 26 de outubro de 2005, estabelece os mecanismos e as responsabilidades para o financiamento da assistência farmacêutica na atenção básica. Nela constam medicamentos para asma (beclometasona spray 250 mcg e salbutamol oral e spray) que fazem parte do elenco mínimo obrigatório de medicamentos para o nível da atenção básica em saúde. Frente ao exposto, foram selecionados da amostra de egressos hospitalares aqueles que apresentavam CID relacionados à asma ( J450, J451, J458, J459 e J46) e foi verificado no sistema de DIS se estes haviam retirado Salbutamol Spray e/ou beclometasona em período anterior à internação. A amostra obtida foi de 180 usuários e a tabela a seguir demonstra os resultados da pesquisa realizada: Tabela 5 – anexo Em relação ao perfil dos usuários egressos de internação que não retiraram medicamento, 17,70% (20) eram menores de 1 ano, 57,52% (65) tinham entre 2 e 5 anos, 20,35% (23) entre 6 e 10 anos e 4,42% (5) apresentavam mais de 10 anos de idade. Em relação ao sexo, 45,13% (51) eram do sexo feminino e 54,87%, masculino. A prevalência do CID em 92,04% (104) dos casos foi o J459.
A doença respiratória é um desafio para o setor saúde na perspectiva do seu monitoramento e desenvolvimento de ações de prevenção, promoção da saúde e cuidado integral. Faz-se necessário a estruturação de políticas públicas voltadas para a redução dos fatores de risco e da morbimortalidade. Frente a isso, o monitoramento do percurso terapêutico do usuário ascende como estratégia eficaz para a qualificação do cuidado prestado ao paciente que está sendo desospitalizado. O estudo salientou a necessidade de integração entre os pontos de atenção da rede a fim de garantir a continuidade do cuidado na alta. O desafio do acesso e da cobertura universal persevera e tem exigido adequações do sistema de saúde e seus atores. Nesse sentido, a Coordenação de Atendimento Digital e Transição de Cuidados de Porto Alegre têm buscado, por intermédio de evidências científicas e da expertise dos profissionais de saúde, diversificar as formas de monitoramento da transição de cuidado a fim de padronizar as orientações aos cidadãos e proporcionar cuidados de saúde de qualidade aos usuários e suas famílias. A partir dessa experiência, o desafio será a automatização do processo de monitoramento da transição de cuidados com transparência e em tempo real para os pontos de atenção da Rede de Atenção à Saúde facilitando a visualização do percurso terapêutico dos usuários e a tomada de decisão dos gestores públicos. Referências – Anexo

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