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Guia de Prática Clínica PACK: A participação da Enfermagem de Florianópolis

Tema do relato:
Enfermagem no contexto das Redes de Atenção à Saúde/do SUS

Sua experiência está relacionada a que área:
Gestão em saúde

Instituição onde a experiência se desenvolve/desenvolveu (serviço/instituição)
Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis

Autor(es) Principal
Ana Cristina Magalhães Fernandes Báfica
Autor(es)
Elizimara Ferreira Siqueira
Juliana Cipriano
Júlia Maria de Souza

Situação atual da experiência
Em estágio avançado de execução

Data de início da experiência
2016-06-01

Contextualização/introdução
O PACK Global Adult (Practical Approach to Care Kit), tradução livre como Guia Básico para Cuidados de Saúde, é uma ferramenta de manejo clínico em Atenção Primária à Saúde (APS) que foi desenvolvido durante um período de 18 anos para a realidade da África do Sul e tem mostrado, em ensaios randomizados, que é possível melhorar a qualidade nesse nível de atenção. É usado em toda a África do Sul e consiste em estabelecer recomendações de condutas clínicas, com treinamento local, focado no trabalho em equipe.1 O Pack é um guia para médicos e enfermeiros da APS que visa facilitar a tradução do conhecimento científico para a prática clínica e integra múltiplos protocolos e recomendações em uma ferramenta ampla e concisa. Ele abrange cerca de 40 sintomas e 20 condições crônicas comumente encontradas nos usuários que buscam atendimento na APS. Cada uma de suas mais de duas mil recomendações práticas está ligada à base de evidências científicas do British Medical Journal (BMJ) Best Practice, uma das mais importantes ferramentas mundiais de apoio a profissionais de saúde para tomada de decisão clínica. No Brasil, Florianópolis foi a primeira cidade a implantar o PACK. A adaptação do material foi realizada ao longo do ano de 2015 pela Diretoria de Atenção Primária à Saúde (DAPS) do município, sendo orientado pela Knowledge Translation Unit, que é uma Unidade de Pesquisa Clínica da Fundação de Saúde Desmond Tutu ligada à Universidade do Cabo, da África do Sul. Toda a condução, tradução e implementação do material foi coordenada pelo médico de família e comunidade Ronaldo Zonta, que atua até o momento como coordenador técnico – científico ( guideline leader) e de Jorge Ernesto Sérgio Zepeda e Matheus Pacheco de Andrade como coordenadores gerais do projeto. O alinhamento e condução das condutas do enfermeiro propostas pelo guia é coordenado pela Gerente de Enfermagem, enfermeira Elizimara Siqueira. O Pack Florianópolis foi inserido no contexto da APS em um cenário onde os protocolos de enfermagem já estavam em implementação. Deste modo, era possível identificar na rede municipal de saúde um expressivo incentivo para o fortalecimento da cultura do aprendizado e, principalmente, o fomento à ampliação do escopo de prática clínica do enfermeiro a partir dos treinamentos para o uso dos protocolos de enfermagem. Nessa perspectiva, o PACK se apresenta como uma possibilidade de qualificação para a equipe multiprofissional (médicos e enfermeiros), contribuindo para o alinhamento das condutas dos profissionais médicos e enfermeiros dentro da equipe de Saúde da Família. Além disso, busca olhar para a mesma direção que os protocolos de enfermagem, reforçando a imagem objetivo da APS de Florianópolis, que é a pessoa no centro do processo1. Todas as recomendações encontradas no guia estão baseadas em evidências científicas robustas e alinhadas aos protocolos nacionais e, no contexto da Rede de Atenção à Saúde (RAS) do município de Florianópolis, possui alinhamento fino com os protocolos de enfermagem. O guia de prática clínica foi desenhado para refletir o processo de condução de uma consulta clínica com um paciente adulto na APS e é dividido em dois blocos principais: sintomas e condições crônicas. Vale ressaltar que o treinamento do PACK se dá num contexto de trabalho organizado na lógica do acesso avançado que segue a premissa de “fazer o trabalho de hoje, hoje”. O acesso avançado surge da necessidade de superar o modelo tradicional, verticalizado e programático de organização das agendas dos profissionais, por um modelo mais flexível, centrado na demanda espontânea e com atendimento do paciente idealmente no mesmo dia em que ele procura o serviço. Uma APS forte e resolutiva depende da efetivação dos seus atributos, principalmente de um acesso facilitado.
A principal motivação para a implementação do PACK foi a possibilidade de utilização de uma metodologia de treinamento para a tomada de decisão na APS que permitisse colocar médico e enfermeiro em discussão sobre condutas clínicas no seu ambiente de trabalho. A experiência possibilita que ambos profissionais tenham condutas convergentes, além de auxiliar na divisão de tarefas clínicas otimizadas dentro da equipe, podendo refletir na qualidade da atenção em saúde recebida pelo usuário que, independente do profissional clínico que o atende (médico ou enfermeiro), encontra um cuidado orientado pelo mesmo Guia. O uso de um Guia de Prática Clínica como estratégia para reorganização do processo de trabalho e ampliação do acesso e qualidade do atendimento ao usuário se aproxima dos protocolos de enfermagem que já direcionavam para a ampliação de escopo de práticas e cuidado em saúde. Dessa forma, a experiência se justifica por permitir a educação permanente em saúde para qualificação, capacitação e/ou aperfeiçoamento do profissional da enfermagem.
Padronizar condutas e direcionar de maneira mais assertiva o profissional a partir de uma página contendo algoritmo para a tomada de decisão alinhado com os protocolos de enfermagem do município; Dar suporte à coordenação do cuidado desenvolvida pelos profissionais de saúde num contexto de dúvidas e incertezas; Garantir a segurança do paciente a partir do uso de uma ferramenta baseada nas melhores evidências científicas; Possibilitar o compartilhamento e a transferência de tarefas necessárias para tornar a APS mais prática e eficiente; Fortalecer a cultura de aprendizado na rede municipal de saúde; Reforçar o uso racional dos recursos públicos e a prevenção quaternária; Favorecer ampliação do escopo de práticas dos Enfermeiros na APS no contexto da equipe de saúde da família.
A Experiência iniciou no ano de 2016 com o objetivo de reduzir barreiras de acesso e disparidade na qualidade dos serviços de saúde no âmbito da APS. Na ocasião foi lançada a primeira versão do PACK Brasil adulto versão Florianópolis que contava com uma pesquisa avaliativa inserida no processo de implementação (ensaio pragmático). O objetivo foi de avaliar os efeitos do treinamento PACK no diagnóstico, investigação e tratamento da asma e DPOC que teve como título: Efeitos do treinamento do guia PACK no manejo da asma e da doença pulmonar obstrutiva crônica por médicos de atenção primária: um ensaio clínico controlado randomizado de agrupamento pragmático em Florianópolis, Brasil. (1,3) Em 27 de Novembro de 2018 o Secretário Municipal de Saúde instituiu o Grupo de Trabalho de Coordenação do PACK, composto por servidores de carreira na seguinte composição: Líder de Projeto: Matheus Pacheco de Andrade, Líder de Conteúdo: Ronaldo Zonta, 3º Consultora Enfermeira de Conteúdo: Elizimara Ferreira Siqueira, Líderes de Implementação e Treinamento: Enfermeira Ana Cristina Magalhães Fernandes Báfica e enfermeira Júlia Maria de Souza.2 O Grupo de Trabalho de Coordenação do PACK, teve a responsabilidade de executar a implantação e o desenvolvimento das ações do PACK, realizando o planejamento e ações relativas à implementação (localização e atualização do conteúdo, execução dos treinamentos e monitoramento da implementação, entre outros). O Pack é um programa que consiste em um guia e uma estratégia de treinamento para médicos e enfermeiros de APS que visa a facilitar a tradução do conhecimento científico para a prática clínica e melhorar a qualidade da APS. A metodologia de treinamento do PACK consiste nas seguintes etapas: Educational outreach e Treinamento no local de trabalho. O educational outreach é utilizado para promover o uso dos Guias de Prática Clínica e consiste em sessões de treinamento curtas (1-1 ½ horas) que são realizadas no cenário de prática para garantir interrupção mínima dos serviços clínicos. O treinamento no cenário do serviço no Centro de Saúde também pode estimular a equipe a relacionar seu aprendizado com a prática.3 O treinamento continua após o final das sessões para utilizar o uso dos Guias de Prática no dia a dia. A periodicidade das sessões é semanal a quinzenal permitindo a alternância de aprendizado com a prática criando oportunidades para discutir o cuidado coordenado. Foram elencados, pelo grupo coordenador, 20 duplas compostas por médicos de família e comunidade e enfermeiros para a capacitação quanto à metodologia de treinamento. Tais profissionais foram indicados por serem lideranças clínicas em suas unidades de saúde. Dentre o grupo de enfermeiros, muitos deles já eram autores e facilitadores na implantação dos Protocolos de Enfermagem na rede. Cada líder de treinamento é responsável por 10 duplas de treinadores. Uma dupla de treinamento treina 8 duplas em sessões separadas, sendo 4 duplas por sessão. A metodologia própria utilizada nas capacitações permite uma simulação de atendimento de casos ocorridos numa sala de espera na unidade de saúde. O cenário de sala de espera foi utilizado em todas as sessões de treinamento, uma imagem que retrata as pessoas dos casos clínicos estudados. A sala de espera é familiar a todos os profissionais que trabalham na APS. Isso ajuda a tornar os casos reais e estimula os participantes a contar as histórias de seus próprios casos para serem estudados. Normalmente há identificação de sentimentos que a cena evoca: a sensação de chegar na unidade numa segunda-feira pela manhã e se deparar com um grande volume de pessoas esperando, por exemplo. O cenário é apresentado em desenho preto-e-branco, uma vez que um personagem é utilizado (seu caso discutido) no treinamento, ele é colorido pelos participantes. Por meio da proposição de caso, os facilitadores conduzem os profissionais nas páginas do Guia que é composta por algoritmos de tomada de decisão clínica.
Treinamento e certificação de 320 médicos e 320 enfermeiros em 49 Centros de Saúde no ano de 2019; Melhor interação entre as equipes e estímulo à colaboração mútua entre médicos e enfermeiros; Padronização de condutas que favorecem e aplicação das melhores evidências para a tomada de decisão levando a melhores desfechos clínicos; 12 sessões de treinamento por equipe – oportunizando maior interação entre os profissionais e alinhamento conjunto e contínuo dos fluxos internos, bem como o aprimoramento das informações sobre o funcionamento da rede de atenção à saúde; Ampliação exponencial na clínica dos enfermeiros, além da melhor compreensão do papel do enfermeiro na equipe, por parte dos outros profissionais; Expertise em educação de adultos e outreach education; Melhora da qualidade clínica na tomada de decisão; Reorganização do processo de trabalho para ampliação do acesso e qualidade do atendimento ao usuário. Motivação profissional. Alinhamento da tomada de decisão clínica e colaboração interprofissional entre médicos e enfermeiros, em diferentes centros de saúde, permitindo o foco na segurança do paciente e um sistema mais econômico; direcionamento dos profissionais de saúde num contexto onde havia recorrentes mudanças de orientação frente ao manejo da COVID 19. O PACK se mostra fundamental para a coordenação do cuidado em situações de reabilitação pós COVID 19 e o manejo das doenças crônicas que, por vezes, foram descompensadas tanto pela infecção por coronavírus quanto pela descontinuidade do cuidado no auge da pandemia, quando muitas pessoas deixaram de procurar o serviço de saúde por medo da exposição ao coronavírus.
A experiência tem demonstrado grande relevância, principalmente por fomentar a busca da prática clínica alicerçada por robustas evidências científicas por parte de enfermeiros e médicos da APS de Florianópolis, em um cenário nacional de repercussões de fake news e forte desalinhamento quanto à tomada de decisão clínica frente à pessoa com COVID 19. Além disso, favorece a aplicação das práticas clínicas do enfermeiro de forma abrangente, fomentando a construção de um cenário propício para a implementação de Práticas Avançadas de Enfermagem (PAE), evidenciando lideranças clínicas e permitindo o avanço do debate sobre PAE, tanto no âmbito municipal, quanto nacionalmente. Os profissionais médicos e enfermeiros que participam dos treinamentos trazem como feedback que o guia de prática clínica é uma ferramenta a mais para facilitar o trabalho, trazer respaldo e segurança ao profissional e que o espaço de discussão de casos é um momento de compartilhamento de saberes, de respeito e de crescimento em equipe. A perspectiva de mudança na realidade está relacionada com a padronização de condutas na APS baseadas nas evidências mais recentes. Trata-se de uma experiência inovadora, pois a estrutura sucinta do material, contrapõe os inúmeros manuais extensos que fragmentam as orientações em grupos de atendimento e se apresenta como um guia único e direto sobre sinais e sintomas e as condutas indicadas em cada situação por meio de algoritmos. O PACK ainda reforça as condutas que podem ser executadas pelo enfermeiro e aquelas que são de exclusividade médicas, mostrando o potencial do cuidado de enfermagem na APS para atuação tanto nos atendimentos de demanda espontânea quanto no acompanhamento de condições crônicas. Na prática, com o modelo de organização de agendas baseado no acesso avançado, que tem a premissa de “resolver o problema de hoje, hoje” e, em consonância com os protocolos de enfermagem do município, o PACK evidencia a resolutividade do profissional enfermeiro no atendimento das demandas mais comuns da APS, exercendo referência clínica ao lado do profissional médico. Ao utilizar uma metodologia de treinamento local continuada com o uso de uma ferramenta única para médicos e enfermeiros, permite a discussão de casos clínicos entre as equipes, alinhando condutas internas, influenciando nas mudanças de processo de trabalho e propiciando o compartilhamento de informações com foco no melhor cuidado para a pessoa. Considerando o cenário de pandemia da COVID 19 e preparo da APS quanto ao manejo das diferentes situações de saúde, o PACK é apresentado em uma perspectiva de manter o padrão de tomada de decisão das equipes, a partir de uma metodologia que já vinha sendo usada mesmo antes do surgimento da pandemia. A estrutura de construção do documento, apresenta potencial de replicação em outros locais, a exemplo do estado de Santa Catarina, onde foi disponibilizado, gratuitamente, o Programa PACK Brasil, para uso de gestores, instituições e profissionais de saúde da APS, a primeira versão do Guia de manejo clínico da COVID-19 para Atenção Primária em maio de 2021. Como dificuldade encontrada foi possível observar a rotatividade de profissionais nos serviços da APS, sendo necessária a colaboração de enfermeiros já treinados na metodologia PACK para dar suporte aos novos profissionais. Esse movimento foi necessário dada a impossibilidade de fechamento do serviço para novos treinamentos considerando o contexto pandêmico. Como estratégia de enfrentamento para essa dificuldade percebe-se um forte engajamento das lideranças clínicas da enfermagem para o treinamento local e atualização dos novos profissionais quanto aos fluxos de atendimento e, principalmente, quanto à direção que a gestão técnica propõe para a APS. O remodelamento dos processos de trabalho muitas vezes são necessários para que a equipe se adeque às condições que melhor favoreçam a resposta rápida da rede. Como aprendizado e recomendação , a equipe que lidera essa experiência reforça que, quando a rede de APS está fortalecida e os profissionais apresentam a cultura de aprendizagem inserida em seu cotidiano, ela consegue responder mais rapidamente aos principais desafios enfrentados pelas emergências sanitárias, à exemplo da COVID 19. Além disso, recomenda-se que os gestores e instituições de saúde estruturem e incentivem as boas práticas de Educação permanente e o desenvolvimento e aplicação de tecnologias inovadoras em cuidado e saúde. Dessa forma , a enfermagem se mostra como profissão estruturante e potente para a consolidação do Guia da Prática Clínica PACK, reforçando a sua contribuição para a valorização e fortalecimento da saúde universal e a qualificação da Rede de Atenção à Saúde.

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