(1) Ponto de partida
Sistematizar experiências na área da saúde proporciona determinados benefícios que dialogam com a ideia de aquilatar as práticas, seja de forma individual ou coletiva. Essa característica estimulou os envolvidos durante a experiência a adquirirem a praxe da reflexão relacionada as ações por eles desenvolvidas, suscitar práticas mais sensíveis e melhoradas a partir da leitura de mundo de uma acompanhada de autocrítica, constituindo assim, um perfil profissional modificado pelo processo da experiência desenvolvida. Quando se trata do grupo (coletivo), a sistematização criou inter-relação para troca de saberes, consistindo em aprendizagens, devido a utilização de registros, produzidos em diferentes modelagens, assim sendo: anotações em impressos próprios, fotografia, medida em régua, banco de dados, vídeos, entre outros. Observa-se a oferta de meios para organizar os elementos, as percepções e as avaliações das experiências vividas e assim, trocar com outras pessoas ou grupos.
(2) Perguntas iniciais
Nesta etapa as ênfases foram dadas para anotações e os dados que já se tinha pelo levantamento da literatura e as vivências do atendimento na sala de curativos da UBS. O levantamento rendeu as observações para melhorar a estrutura da sala de curativo para melhor atender que associado a vivência levou o grupo a pensar em habilitar as equipes das outras UBS-Macapá, tendo em vista o aumento da demanda de atendimento. Então como fazer esse plano que atendesse cuidado e educação continuada? A sistematização dos levantamentos e das vivências profissionais na sala de curativo, foi organizar as ações teóricos e práticas para subsidiar o plano de melhora do ambiente e das ações educativas para habilitar equipes. Para tanto, o grupo reuniu-se e dividiu as tarefas de organização, e iniciou-se com reuniões de estudos, e seleção de vários temas, e planejar a busca de recursos financeiros para o ajudar a avançar no alcance do interesse do grupo: de melhorar o ambiente para atendimento com segurança da demanda que já buscava os serviços na UBS da UNIFAP, e elaborar plano de atendimento e educação continuada em serviço para equipes de enfermagem das outras UBS; refletir sobre estas ações de base, para modificação do cuidado enquanto profissionais da área da saúde e incomodar-se com a situação vivenciada com a grade demanda de atendimento com feridas crônicas e sem ter condições ambientais e materiais para melhor atender, bem como, apesar do déficit do ambiente e de materiais, ainda assim, o serviço era referência e de cada semana se ampliava demanda de atendimento.
(3) Recuperação do Processo vivido
O grupo de feridas sentiu a necessidade de criar subsídios de sustento nas formulações das ideias, então, o primeiro passo o registro como o projeto de extensão formulado com o FERIDA CRÔNICA E PÉ DIABÉTICO: Implantação e implementação de uma linha de cuidado, este concorreu ao edital da extensão e conquistou financiamento, que supriu em parte as lacunas materiais; em seguida, o planejamento de reforma da UBS pela administração da UNIFAP, enxergou-se a possibilidade de negociar a melhora do ambiente “sala de curativos”, foi possível dialogar e projetar como seria o novo ambiente, foi elaborado uma planta e entregue a equipe de engenharia; a partir deste diálogo o grupo criou sua identificação, Time de Gestão em Feridas Complexas-TIGESFC, criando sua logo marca, jaleco padronizado; estudo dos temas para suporte de anotações; criação de protocolos e manual padrão com as recomendações de manejo e linha de cuidados para pessoas com ferida crônica, e mais tarde negociação com o COREN-AP criando o Grupo de Técnico em Gestão de Feridas Complexas(anexo documento). O grupo TIGESFC tem participação sete enfermeiros, dois enfermeiros docentes, uma residente de Enfermagem, cinco acadêmicos da área da saúde, que no início era só de enfermagem atualmente conta-se com medicina e fisioterapia na atuação cotidiana, além disso, fez parceria com outra universidade federal do estado do Rio de Janeiro com o grupo de Pesquisa em Feridas Cicatrizar, além de proporcionar o desenvolvimento de pesquisa através de uma doutoranda e de um mestrando membro do TIGESFC. Outra conquista a ser relatada, trata-se que o grupo concorreu ao Edital do PPSUS gestão local cujo objetivo foi buscar recursos para habilitar as equipes das outras UBS, conquistou mais estes recursos; e os profissionais do grupo, atuam como moderadores e facilitadores no Curso de Formação Feridas Complexas e Linha de Cuidados.
Uma descrição cronológica de como o processo de desenvolvimento de todo esse trabalho aconteceu, é necessária para compreensão dos seus resultados alcançados até o momento.
Tendo em vista o número crescente de feridas crônicas em usuários do SUS, que afeta a saúde e qualidade de vida da pessoa, no ano de 2019 foi implantada e implementada na Unidade Básica de Saúde (UBS) pertencente a uma universidade federal que funciona com parceria com prefeitura do município, uma linha de cuidados à pessoa com feridas crônicas e pé diabético cuja finalidade é o atendimento a essas pessoas a fim de qualificar o serviço ofertado e contribuir na redução do tempo de cicatrização das feridas, que são avaliadas sob protocolo técnico-científico, que orienta o seguimento do cuidado com técnica e cobertura prescritas, personalizadas mediante a necessidades básicas de saúde da pessoa em seguimento com profissionais habilitados.
Para a implementação, foi criado pela enfermagem, o Time de Gestão em Feridas Complexas (TIGESFC), grupo de profissionais da saúde que foram habilitados para o seguimento dessa população a fim de prestar assistência de qualidade, holística e humanizada. Inicialmente composto por Enfermeiros da unidade de saúde em parceria com os professores do colegiado de Enfermagem desta instituição, agregou ao grupo, a oportunidade de formação acadêmica com quatro alunos de Enfermagem neste início, além de oportunidade de atuação Interprofissional com o curso de medicina e atualmente com fisioterapia pós cicatrização.
Após firmado quanto grupo, a elaboração da linha de cuidado em feridas complexas, dentro da unidade, contemplando o que há de protocolos e recomendações de Guidellines foi uma necessidade percebida, para padronização do serviço da Enfermagem com qualidade e evidências científicas.
Durante a implantação e implementação da linha de cuidados, que ocorre no segundo período do ano de 2019, após a organização do serviço, foram registrados 110 atendimentos de curativos crônicos, com observação de duas características peculiares à outras regiões do Brasil, uma vez que a Ulcera de Pé Diabético foi responsável pela maioria dos casos de FC em tratamento, com uma população relativamente jovem entre 45 a 60 anos, ainda em idade produtiva, que possuem um itinerário longo até o acesso ao serviço, seja residindo na zona urbana mais em locais distantes, ou de regiões ribeirinhas. Nestes seis meses de implantação, foi observado mais da metade de pessoas com FC com feridas crônicas a vários anos, receberam alta por cicatrização da ferida.
Com a Pandemia do Covid 19 em 2020 o desenvolvimento das atividades e do serviço apresentou barreiras, no entanto na compreensão da importância de acompanhamento, os desenvolvimentos de estratégias foram necessários, como telemonitoramento, avaliações agendas, acompanhamento dos casos mais graves e com infecção e orientações para o cuidado com Covid 19 e o cuidado com a condição crônica de saúde. Para esse ano, mesmo com a dificuldades, foi possível cadastrar 98 pessoas com feridas crônicas, com 36% de alta, e reduzindo o número de abandono de tratamento pela metade. Dos óbitos que ocorreram nesse ano, sete foram por complicações do Covid 19 e nenhum dos óbitos estavam sendo acompanhados presencialmente, somente acompanhamento e dispensação de materiais.
Com as medidas de flexibilização das medidas protetivas do coronavírus e o avanço da vacinação, no segundo semestre de 2021, foram intensificados a estruturação do serviço. O ano iniciou com 48 pessoas acompanhadas e hoje está com a 120 cadastrados e atendidos na UBS. Sendo observado que há um aumento do quantitativo de amputação prévia que buscaram o serviço e o aumento de encaminhamento para amputação. Com a pandemia, os pacientes estão buscando o serviço mais tardiamente, além da demanda crescente por lesões por pressão (LPP) em decorrência das prolongadas internações em Unidades de Terapia Intensiva em decorrência do Covid 19.
Essa consequente ampliação da demanda por amputações principalmente por Pé diabético e de LPP pós Covid 19, este ano, apresenta o agravamento de duas necessidades emergentes, a primeira a busca pelo reconhecimento da demanda pelos órgãos públicos, dentre eles pela própria a universidade e necessidade de ampliação de estrutura física, obtendo a ampliação da sala de atendimento a FC, e a segunda, por não ser referência, mas ser visualizada como um local com maiores condições de cuidado à pessoa com FC, a importância de discutir e implementar essa linha de cuidado no município.
Assim, compreendendo que para implementação dessa linha, os Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem da Atenção Primária a Saúde (APS) necessitam estar capacitados dentro de suas atribuições, o TIGESFC busca junto ao Coren do município apoio, além de recursos de pesquisas que possam auxiliar para o desenvolvimento dessa etapa de Educação continuada.
A Educação continuada desses profissionais foi realizada dentro das necessidade e peculiaridade do Serviço. Para o Serviço de Atenção Domiciliar – SAD/EMAD, com vinte e cinco escritos, a capacitação prática e teórica contemplou 30h com conteúdo correspondente â demanda do profissional Enfermeiro em LLP, Ulceras venosas e arteriais e UPD, e Cuidados em Ostomia. Na experiência prática, foi possível perceber que é uma realidade desse serviço, com dificuldades estruturais, e de conhecimentos técnicos, somado aos determinantes de saúde inerentes a esse público.
A capacitação da Estratégia Saúde da Família envolveu demandas teóricas de Ulceras de Perna e UPD, com um enfoque nas questões éticas que envolvem a Enfermagem e suas atribuições, uma vez que foi identificado essa lacuna no cuidado em feridas.
Em suma, essa experiência seguiu como passos para o seu desenvolvimento ao longo dos três anos, (1) observação da demanda do serviço, e a responsabilidade da Enfermagem em oferta, dentro de seus preceitos éticos e atribuições prevista quanto Atenção Básica, (2) Construção e padronização do Cuidado de Enfermagem através da linha de cuidado e (3) Capacitação dos Enfermeiros da APS. Tais passos antecedem a busca pela a implementação da linha de cuidado no município de Macapá/AP, para a cobrança de políticas efetivas no desenvolvimento desse serviço, com uma Enfermagem qualificada para o atendimento a pessoa FC.
(4) A reflexão a fundo
Para este momento, é importante refletir, por que aconteceu o que aconteceu (HOLLIDAY, 2006) a necessidade de desenvolvimento do serviço, a reflexão crítica do processo vivido, analisando e sintetizando esse processo.
Formuladas discussões de estudos e autores selecionados de referência na temática feridas complexas, que serviram de base para a reflexão feita na prática de cuidados e protocolos para implementar a prática.
A ideia de organização da linha de cuidados implantada surge para atender as necessidades observadas durante a execução do atendimento diário de pessoas com FC, público que geralmente possui comorbidades como a Diabetes Mellitus, Hipertensão Arterial, Obesidade e Insuficiência Venosa, que compõe elevada demanda de fluxo contínuo na referida UBS.
Até início da organização do serviço, não havia uma estimativa do quantitativo de pessoas com FC atendidas, somente se observava a crescente procura pelo serviço, pelo fato da unidade realizar atendimento de pessoas DM, e de que não há no município uma unidade referência, mesmo este apresentando nos últimos cinco anos uma média de 500 amputações por pé diabético em sua unidade de emergência, carência está em atendimento de serviços de saúde estruturais e organizacionais de referência característicos de municípios da região Amazônica.
E a necessidade de implementação na Atenção Primária, surge da necessidade observada neste período de pandemia, do aumento e agravamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis, tanto para UPD, quanto para insuficiência venosa por trombose, que repercutiu em negativamente com mais pessoas necessitando no cuidado com FC na APS.
Neste contexto, avaliação do enfermeiro no tratamento e acompanhamento de FC, torna-se fundamental, para viabilizar a terapia adequada conforme as suas características, bem como, as orientações relacionadas ao autocuidado em domicílio. Ações de educação em saúde, podem potencializar o processo de cicatrização e a promoção da qualidade de vida, além de estimular a pessoa com FC e família a participarem de forma ativa dos cuidados no processo saúde-doença (CAMPOI et al, 2019; VIEIRA et al, 2017; ALVES; SOUZA; SOARES, 2015).
A partir da avaliação, o enfermeiro pode desenvolver o seu plano de cuidados, embasado em conhecimento técnico-científico sobre ferida e ainda, na legislação que lhe ampara como profissional autônomo para atender essa demanda. Sendo possível mapear resultados estabelecidos no plano, pois, o planejamento e a prescrição do uso de coberturas de acordo com a gravidade, o tipo de ferida e a presença de alguma complicações, como infecção, má nutrição, imunossupressão e diabetes, capaz de afetar a cicatrização, são sinais clínicos que o enfermeiro habilitado trata e tem resultados constatados (CAVALCANTE; LIMA, 2012).
(5) Ponto de chegada
Após o processo de elaboração de organização do serviço, a expansão do conhecimento de prática ocorre com a divulgação do fluxo externo para efetivação da proposta de linha de cuidado (Figura 2).
Figura 2. Fluxograma de atendimento em uma linha de cuidado em feridas. Macapá/AP, 2021
A Educação continuada foi uns dos resultados alcançados importantes para resolução da problemática envolvida. É compreendido que não somente pode-se afirmar que a APS deve ser porta de entrada de um serviço (PNAB, 2017), mas que condições para que tal recepção aconteça, deve-se está capacitado para esse atendimento.
A enfermagem quanto protagonista do cuidado em feridas tem prática legalizada sobre o cuidado de feridas, a fundamentação da assistência na vertente técnico-científica e ético-legal, além do estímulo e valorização da autonomia do cliente em relação ao seu tratamento (SILVA et al.,2021).
A literatura informa que o enfermeiro tem relevância na avaliação das feridas, devido está continuamente em contato com o cliente. Além de que, ele tem competências profissionais a realização de anamnese e exame físico adequados, bem como de intervenção individual apropriada, cujos objetivos manter a integridade tissular, aliviar o desconforto, promover o sono reparador, autoaceitação, orientação sobre os cuidados com a pele e prevenção de complicações (FONTES; OLIVEIRA, 2019)
Do ponto de vista profissional, o seguimento em linha de cuidados é uma forma de organizar, direcionar e subsidiar as condutas adotadas, garantindo cuidado qualificado e personalizado.
Desta feita, um serviço que oferte possibilidades de cicatrização e reabilitação em menor tempo, que evite amputações, que sirva de assistência preventiva para pessoa com DM, são objetivos alcançados no primeiro ano de funcionamento da referida linha de cuidados, e que se expressam como pretendidos, a ser ampliados em prol da sociedade, com a implementação da linha de cuidados. Vale ressaltar, que o seguimento das pessoas na linha de cuidados pode gerar dados capazes de fomentar novas estratégias para qualificar a assistência e promover a qualidade de vida de pessoas com feridas crônicas fomentando políticas públicas já lançadas e possibilitando surgimento de novas políticas públicas que possam ampliar, melhorar e/ou aperfeiçoar o segmento enfatizando as terapias mais adequadas a ser utilizadas em determinado perfil de feridas e pessoas.