A Comunicação clínica como instrumento de qualificação da consulta de enfermagem: oficinas de capacitação para o desenvolvimento de habilidades de comunicação com enfermeiros residentes.

Tema do relato:
Enfermagem no contexto das Redes de Atenção à Saúde/do SUS

Sua experiência está relacionada a que área:
Educação em saúde

Instituição onde a experiência se desenvolve/desenvolveu (serviço/instituição)
Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis

Autor(es) Principal
LUCILENE GAMA PAES
Autor(es)
Alessandra de Quadra Esmeraldino
Cristiane Regina Pereira
Gisele Magnabosco
Juliana Cipriano de Arma
Luciano Konhad Romanini
Vivian Costa Fermo
Elizimara Ferreira Siqueira

Situação atual da experiência
Em estágio avançado de execução

Data de início da experiência
2018-09-01

Contextualização/introdução
A Consulta de Enfermagem é uma atividade privativa do Enfermeiro e reforça a relevância da prática clínica do profissional, de forma autônoma e baseada em evidências científicas. Se apresenta como atribuição central do enfermeiro na Política Nacional de Atenção Básica e de acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), quando em instituições prestadoras de serviços ambulatoriais de saúde, domicílios, escolas, o Processo de Enfermagem corresponde ao usualmente denominado nesses ambientes como consulta de Enfermagem. Em Florianópolis, a consulta de Enfermagem se constitui como projeto fundante e estruturante da Comissão Permanente de Sistematização da Assistência de Enfermagem (CSAE). É a primeira modalidade da formação para utilização dos Protocolos de Enfermagem, onde são alinhados os conceitos que embasam a prática clínica do Enfermeiro. A realização da consulta de Enfermagem está contida na Política Municipal de Atenção Primária à Saúde (PMAPS) (FLORIANÓPOLIS, 2016), como atribuição do enfermeiro e na Carteira de Serviços da APS do município de Florianópolis (FLORIANÓPOLIS, 2014), como serviço essencial prestado à população. Nesse contexto, a comunicação clínica apresenta-se como uma importante ferramenta de trabalho do enfermeiro na sua prática de APS, favorecendo a construção de vínculo com os usuários, fortalecendo as relações, permitindo a efetivação de um cuidado de qualidade e seguro, bem como a consequente satisfação do usuário e maior adesão aos planos de cuidados construídos. Apesar da comunicação ocupar grande importância na assistência à saúde, há uma escassez em formação profissional nessa área. Os currículos de graduação e pós-graduação quando abordam o tema, ainda o fazem de forma incipiente, focalizada na teoria e distante da prática. Nessa perspectiva, tem-se um universo de profissionais sem formação específica e, muitas vezes, sem conseguir refletir sobre o processo de assistência que tem prestado e os fatores que nele interferem. A responsabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) na ordenação de recursos humanos para a área e, nesse sentido, como campo de aprimoramento da atuação profissional, dispõe-se da proposta de uma prática educativa inovadora por meio da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS). A Educação Permanente é definida como a aprendizagem que ocorre no cotidiano do trabalho, onde na rotina do serviço são agregados elementos das metodologias educacionais (BRASIL, 2007). A PNEPS propõe incorporar o ensino-aprendizagem nos serviços de saúde, baseando-se na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar as rotinas profissionais. Tem seu desenvolvimento a partir de problemas identificados na realidade vivenciada, situa o processo de trabalho como foco da aprendizagem e, portanto, reivindica a reflexão sobre a prática e a participação dos enfermeiros como atores do processo de ensinar e aprender. A capacitação em habilidades de comunicação, por meio da educação permanente, pode potencializar a capacidade reflexiva e de gestão do trabalho dos enfermeiros (RIBEIRO, 2012). O que pode repercutir em sua prática cotidiana para além das questões comunicacionais e promover qualificação do cuidado. A comunicação clínica é um tema transversal a outras temáticas e permeia todos os encontros de vivência do cuidado em saúde, sejam eles, individualizados ou coletivos, e também as relações interpessoais dentro da equipe. Essa proposta de formação contribuirá para a relação clínica enfermeiro-paciente, mas também pode impactar nas outras necessidades de atividade de educação identificadas no serviço, pois pode aumentar a efetividade dos encontros educativos uma vez que as habilidades adquiridas poderão ser incorporadas às demais práticas de saúde que não somente a consulta clínica individual. Esta experiência trata, portanto, da realização de educação permanente em serviço, a partir de oficinas sobre comunicação clínica para enfermeiros residentes do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família (PREMULTISF) da Escola de Saúde Pública (ESP) do município de Florianópolis. Os atores envolvidos foram os enfermeiros preceptores do PREMULTISF com formação em Habilidades de Comunicação, sendo estes os responsáveis pela elaboração e realização das oficinas; residentes de enfermagem do referido programa (público-alvo). O projeto teve apoio da Gerência da Atenção Primária (GAP) da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Florianópolis, da ESP e da Comissão Permanente de Sistematização da Assistência de Enfermagem (CSAE). Essa proposta de formação tem como princípio a relação do profissional com o usuário na perspectiva de cuidado integral, que é a base da Estratégia Saúde da Família (ESF) na APS. A capacitação em habilidades de comunicação clínica objetiva aperfeiçoar a relação enfermeiro-usuário e facilitar a abordagem centrada na pessoa, na família e na comunidade. Além disso, permite ao profissional, a valorização das experiências individualizadas do processo de adoecimento de forma a compreender o impacto que o processo de adoecer tem sobre os diferentes usuários.
O desenvolvimento de habilidades de comunicação no espaço da consulta de Enfermagem é apontado como uma necessidade presente no corpo de Enfermagem da APS de Florianópolis. Assim, o grupo de enfermeiros, com expertise na área de comunicação clínica foi incorporado a CSAE para alinhamento teórico e conceitual com o grupo responsável pela construção da Consulta de Enfermagem e Classificação Internacional para a Prática da Enfermagem (CIPE®), com a finalidade de qualificar esse processo para a RAS. A discussão a respeito da importância da comunicação clínica para a efetivação da atenção à saúde verdadeiramente centrada no usuário e desenvolvimento de um cuidado seguro na APS, motivou a realização desta experiência. Tendo em vista a escassez na oferta de formação em habilidades de comunicação na Enfermagem, é necessária a inclusão do tema nos currículos dos cursos da saúde e na educação permanente de profissionais atuantes na APS. No âmbito do SUS, os enfermeiros estão desenvolvendo sua prática clínica na APS, em especial na ESF, por meio da consulta de enfermagem e desempenham um papel determinante na efetivação dos princípios de universalidade, integralidade e equidade em saúde. Dessa forma, é fundamental que esses profissionais tenham um conjunto de habilidades, incluindo as comunicacionais, para alcançarem o cuidado de forma integral, com foco nas necessidades das pessoas e que possam contribuir para melhoria na qualidade de vida delas (KAHL et al, 2018). A formação em habilidades de comunicação instrumentaliza o enfermeiro para melhorar a qualidade dos atendimentos, além de promover satisfação do usuário e do profissional (OVIEDO, DELGADO, LICONA, 2020). Pode ser considerada mais um recurso para alcançar uma APS de qualidade (DOHMS, GUSSO, 2020). O enfermeiro com habilidade para se comunicar agrega significado às interações com os usuários, extrapolando a mera troca de informações. A comunicação qualificada promove o fortalecimento de vínculo e humanização, além de contribuir para o compartilhamento de saberes e respeito ao contexto sócio-cultural do usuário, incentivando a autonomia e protagonismo dos indivíduos no seu cuidado (SANTOS, ANDRADE, SILVA, MELLO, 2020).
Aprimorar as habilidades de comunicação clínica, para a consulta de enfermagem na APS, de enfermeiros do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Escola de Saúde Pública de Florianópolis, por meio da implementação de oficinas.
As oficinas de capacitação foram organizadas em 5 encontros teóricos e 2 teórico-práticos, realizados em junho de 2019, fevereiro de 2020 e julho de 2021 para residentes de enfermagem do segundo ano, perfazendo uma carga horária total de 25 horas. Foram contemplados dois momentos: 1) Abordagem conceitual e teórica; 2) Análise de videogravação de consultas com uso da estratégia Problem Based Interview (PBI). A abordagem conceitual e teórica abordou os seguintes temas: Oficina 1 – Consulta de enfermagem, teoria de enfermagem de Wanda Aguiar Horta (utilizada pela enfermagem da APS de Florianópolis); Modelo de consulta de Calgary-Cambridge adaptado à Teoria de Enfermagem utilizada; Abertura da consulta e como incentivar o paciente a falar; Oficina 2 – Histórico de enfermagem (identifica as necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais), momento centrado no usuário; Oficina 3 – Histórico de enfermagem: identificando sinais de gravidade e o exame físico (centrado no enfermeiro); Identificação e explicação dos problemas e diagnósticos de enfermagem; Oficina 4 – Elaboração do plano de cuidado com decisões compartilhadas e redes de segurança; Oficina 5 – Comunicação de notícias difíceis. As oficinas foram adaptadas a partir do material do curso Multiplica (Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, 2016). No que concerne à consulta de enfermagem, o material construído se apoiou na teoria de Wanda Aguiar Horta (1979), no capítulo de apresentação Protocolos de Enfermagem, na Resolução 358 de 2009 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN, 2009) e na Classificação Internacional para a Prática da Enfermagem (CIPE®). Em todas as oficinas foram utilizadas ferramentas da metodologia ativa de ensino, como o brainstorm, assim como trabalho em pequenos grupos e utilização de cenário simulado em dramatização entre os participantes, observação de situações em vídeos ou filmes. Para a segunda etapa, no que se refere à análise das videogravações, ocorreu a parte teórico-prática da oficina. Nesse movimento educacional, cada enfermeiro residente realizou uma vídeogravação de sua própria consulta ao usuário (com a devida autorização/consentimento do usuário por escrito) e, posteriormente, exibiu a gravação ao grupo que participou das oficinas. Antes de apresentar o vídeo aos colegas e preceptores, todos foram instruídos a: a) o participante que traz o vídeo, antes de mostrar a gravação explica o que o motivou a gravar aquela consulta, suas expectativas com a análise do grupo; b) após iniciado, qualquer um dos participantes pode pedir para pausar o vídeo e realizar comentários; o profissional que traz o vídeo é o primeiro a fazer considerações e, após, quem pediu a pausa e o restante dos participantes que assim o desejarem; orienta-se que primeiramente seja assinalado nos comentários o que foi visualizado de positivo e então apresentar alternativas construtivas, a partir de cada experiência profissional, bem como estratégias emocionais e cognitivo-comportamentais para o enfrentamento de situações semelhantes. A ferramenta de PBI respeitou esses acordos e ao final foi realizado uma rodada de feedback. Primeiro, quem traz o vídeo relata ao grupo como se sentiu durante a sessão, o que acrescentou ou o que ainda ficou pendente e o grande grupo relata sobre o processo de ensino-aprendizagem da sessão. Durante a prática do PBI, foram debatidos aspectos da comunicação com potencial para melhorias, dificuldades na abordagem ao paciente, resolução de conflitos, decisões compartilhadas, abordagem ao paciente que não adere ao tratamento, gestão do tempo das consultas e a comunicação de notícias difíceis.
Trata-se de uma experiência que permanece sendo desenvolvida, entretanto, até o momento é possível mencionar os seguintes resultados: Capacitação de 15 enfermeiros residentes no ano de 2019, 17 em 2020 e 13 em 2021, totalizando 45 enfermeiros residentes capacitados; Incorporação da temática como uma subcomissão da CSAE, no intuito de difundir estudo do assunto, bem como expandir as oficinas de capacitação para os demais enfermeiros da rede de APS do município; Inserção do tema (Habilidades de Comunicação Clínica) no conteúdo curricular do curso de residência em Enfermagem do PREMULTISF; Elaboração de material teórico específico da enfermagem sobre habilidades de comunicação clínica; Elaboração de um modelo de consulta de enfermagem com destaque para a Sistematização da Assistência de Enfermagem e habilidades de comunicação clínica neste contexto, tendo como base teórica, Wanda de Aguiar Horta; Elaboração de material didático no formato de vídeoconsultas simuladas, que podem ser acessados pelos links: https://www.youtube.com/watch?v=QAQ7F9VzYPQ&feature=youtu.be e https://www.youtube.com/watch?v=MQhZn-_6MS8&feature=youtu.be, Avaliações positivas dos participantes das oficinas, que a partir da reflexão crítica nos encontros teóricos e das vivências práticas nas sessões de videogravação, puderam transformar a sua prática assistencial de enfermagem, com uma melhor comunicação e relacionamento com o usuário, o que repercutiu positivamente nas decisões compartilhadas e na adesão do usuário aos cuidados de enfermagem implementados. Transformação da própria prática de ensino-aprendizagem dos enfermeiros preceptores que, após esse processo educacional formularam um projeto piloto para a realização de um curso de comunicação clínica para todos os enfermeiros da rede de APS de Florianópolis.
A metodologia de implementação das oficinas de capacitação proporcionou um espaço de ensino-aprendizagem libertador e democrático através de uma metodologia ativa de ensino, estimulou a reflexão sobre a comunicação clínica como essencial para a efetivação do cuidado de enfermagem e fortalecimento da relação enfermeiro-paciente. Ressalta-se que o processo foi importante para o aprendizado de todos os atores envolvidos (enfermeiros preceptores e enfermeiros residentes). Este trabalho pode ser considerado inovador visto a escassez de programas de formação em habilidades de comunicação na consulta de enfermagem com foco na APS no cenário nacional. É importante salientar o caráter inovador da experiência, quanto à construção dos materiais e as metodologias utilizadas na formação, ancorados nas bases conceituais da Enfermagem, que conferem ineditismo, autonomia e identidade à profissão. Trata-se de uma proposta passível de replicação em outras realidades, pois aponta uma necessidade urgente de qualificação dos encontros entre enfermeiros e usuários num contexto em que a enfermagem assume um espaço cada vez maior de cuidado, de referência clínica e de coordenação de cuidado. A proposta aqui apresentada seguirá em uso na formação de novos facilitadores Enfermeiros de Florianópolis que, juntamente com os escritores deste artigo, promoverão o treinamento de toda a categoria – que exerce função assistencial – na rede municipal.

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