Bebês com Língua Presa não mamam adequadamente. O que a rede pública de saúde pode fazer em relação a isso?
INTRODUÇÃO
Anquiloglossia, popularmente conhecida como “língua presa”, é uma anomalia oral congênita caracterizada por uma alteração no frênulo lingual, ou seja, na prega da membrana mucosa que conecta a face inferior da língua ao assoalho da boca. O frênulo lingual alterado não modifica o tamanho e nem a fixação ao longo da vida. Com o crescimento, o indivíduo com anquiloglossia suga, mastiga, deglute e fala, porém com adaptações.
A literatura aponta que bebês com anquiloglossia podem apresentar algumas dificuldades durante a amamentação, como cansaço excessivo, tosse, engasgos, dispneia, regurgitação, tempo curto entre as mamadas, dores mamilares e dificuldade na correta “pega” do mamilo. A Lei n° 13.002, de 20 de julho de 2014, tornou obrigatório a realização do Teste da Linguinha em recém-nascidos em todos os hospitais e maternidades do Brasil. O teste é uma triagem neonatal realizada nas primeiras 48 horas após o nascimento, com o objetivo de verificar possíveis alterações anatomo-funcionais no frênulo que poderiam prejudicar a amamentação.
Em 2017, a Coordenação Estadual de Saúde Bucal de SC, observando que a dúvida em relação ao Teste da Linguinha e ao fluxo de atendimento era frequente entre os Coordenadores Municipais dos Centros de Especialidades Odontológicas – CEO de SC, iniciou um grupo de estudos sobre anquiloglossia, no qual cirurgiões-dentistas especialistas do CEO de Jaraguá do Sul participaram efetivamente.
Em 2018, o CEO de Jaraguá do Sul realizou um Projeto Piloto envolvendo os 31 Centros Municipais de Educação Infantil do município, no qual contava com n=5.299 bebês matriculados com idade de 0-36 meses. Do total (n=5.299), foram examinados 4.307 bebês, sendo que 992 faltaram no dia da consulta. O resultado apontou que, dos bebês examinados, 59 (1,11%). tiveram indicação cirúrgica para a liberação do frênulo lingual alterado.
Entretanto, não estava estabelecido no município um fluxo de atendimento para referência de casos de Anquiloglossia, gerando dúvidas entre profissionais da rede pública de saúde de como proceder no caso de mães que necessitavam avaliação do frênulo após a alta hospitalar, especialmente naqueles casos no qual o Teste da Linguinha realizado no hospital tinha resultado “duvidoso” requerendo reavaliação ou acompanhamento posterior.
METODOLOGIA
Com o objetivo de implementar o fluxo municipal para atendimento de casos de anquiloglossia, foi formado uma Comissão de cirurgiões-dentistas designados para a execução e acompanhamento dos resultados de três propostas de ação: 1º) Formulação, redação e publicação da Política Municipal de Saúde Bucal, na qual institui o Programa de Anquiloglossia no CEO de Jaraguá do Sul; 2º) Realização de um encontro multiprofissional direcionado à profissionais de saúde do município e região tendo como tema central “Anquiloglossia”, para apresentar e discutir a importância do diagnóstico e do tratamento precoce da alteração do frênulo lingual; 3º) Formulação, redação, apreciação em consulta pública e publicação dos Protocolos de Acesso ao CEO para diagnóstico e tratamento da Anquiloglossia.
RESULTADOS
A Política Municipal de Saúde Bucal (PMSB) de Jaraguá do Sul foi publicada em 31 de agosto de 2021 (Portaria 847/2021), na qual uma das diretrizes do documento dá ênfase a instituição do Programa Municipal de Anquiloglossia, realizado no Centro de Especialidades Odontológicas. Para conscientização e debate do tema, foi realizado a ação de promoção de saúde “1º Meeting de Odontologia – Primeira Infância”, no dia 17/09/2021, com a participação de profissionais de saúde de áreas diversas, como cirurgiões-dentistas, médicos, psicólogos, nutricionistas e fonoaudiólogos, além de acadêmicos de Odontologia. A determinação do fluxo de acesso ao diagnóstico e tratamento da Anquiloglossia foi formalizado por meio dos Protocolos de Acesso ao Centro de Especialidades de Jaraguá do Sul, publicados no DOM/SC, 11/07/22 (Portarias 132 – 139 Semsa/Jgua Sul).
MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA
As consequência da presença de limitação na movimentação da língua pode prejudicar a amamentação e nutrição adequada do lactante, além de levar ao desmame precoce. A partir desta experiência, a cirurgia do frênulo lingual, conhecida como “frenotomia”, passou a ser realizada no CEO de Jaraguá do Sul e consiste no “pique” do frênulo lingual alterado, após avaliação e diagnóstico por especialista capacitado. A frenotomia é descrita na literatura como procedimento eficiente para melhora dos movimentos da língua, das funções orais, da postura de lábios, além de reduzir a dor nos mamilos das mães que amamentam. Entretanto, não estava estabelecido no município um fluxo de atendimento para referência de casos de Anquiloglossia.
A aplicação prática da metodologia delineada nesta experiência aponta que, no ano de 2021, das 775 crianças avaliadas no CEO nas Especialidades de Odontologia Pediátrica e Pacientes com Necessidades Especiais, 37 (4,77%) passaram pela cirurgia de liberação do frênulo lingual alterado. Em 2022, dados referentes ao primeiro semestre apontam que, das 350 crianças avaliadas, 27 (7,71%) realizaram a cirurgia. Essa prevalência de anquiloglossia está de acordo com a literatura, que apontam a prevalência entre 0,88% a 16% (Martinelli et al, 2013; O Shea et al, 2017),
A alteração nas funções normais da língua ao nascimento gera impactos negativos para o bebê, pois o frênulo alterado limita os movimentos da língua e o ritmo da mamada. Essa condição pode levar à extração insuficiente do leite, pouco ganho de peso e desmame precoce, além dos efeitos negativos no desenvolvimento craniofacial, problemas de refluxo infantil e fala.
A nutrição adequada do bebê, por meio do aleitamento materno, é ação eficaz para a redução da morbimortalidade infantil, pois o leite materno é capaz de suprir sozinho as necessidades nutricionais da criança nos primeiros seis meses de vida. Os esforços coletivos intersetoriais para a efetivação deste projeto e os bons resultados obtidos com essa experiência demonstram que a implementação de ações de apoio, proteção e promoção do aleitamento materno é de grande importância no sistema de saúde.
Berry J, Griffiths M, Westcott C. A double-blind, randomized, controlled trial of tongue-tie division and its immediate effect on breastfeeding. Breastfeed Med. 2012;7(3):189-93.
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Martinelli RLC, Marchesan IQ, Berretin-Felix G. Protocol for infants: relationship between anatomic and functional aspects. Rev. CEFAC. 2013;15(3):599-610.
O’Shea JE, Foster JP, O’Donnell CP, Breathnach D, Jacobs SE, Todd DA et al. Frenotomy for tongue-tie in newborn infants. Cochrane database syst. rev. 2017;3:CD011065.doi:10.1002/14651858. CD011065.pub2.