Grupo Complexidade da Pandemia em parceria com o Conselho Municipal de Saúde de São Carlos/SP
O projeto está entre os selecionados no edital lançado pelo CNS e pela OPAS
“A complexidade só pode ser enfrentada, de forma competente, com inteligência coletiva. Aqui estamos abertos a críticas, sugestões e às mais diversas visões dentro do método científico”,
Em 27 de março de 2020, dez dias depois de o Brasil ter registrado em São Paulo a primeira morte por Covid-19, um grupo de especialistas do interior do Estado se reuniu virtualmente para traçar estratégias e elaborar ações para subsidiar os gestores públicos no combate à doença no país. Aquele foi apenas o primeiro encontro do colegiado que, desde aquela noite, passou a se reunir semanalmente, ampliando as fronteiras acadêmicas e semeando conquistas que hoje já são colhidas por todos.
O nome escolhido para o trabalho, Grupo Complexidade da Pandemia, foi um reflexo do que os especialistas iriam encontrar ao longo dos meses de estudo. Em um cenário tão hermético quanto as teorias acadêmicas que uniram diferentes modalidades, os profissionais conseguiram encontrar caminhos que os levaram a realizações importantes no cenário nacional.
Foi dessa forma que o Grupo Complexidade da Pandemia acabou no seleto grupo de selecionados pelo Laboratório de Inovação – Conselhos de Saúde e Participação Social na resposta à Covid-19, uma iniciativa do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) no Brasil. O projeto busca conhecer experiências e projetos de participação social no enfrentamento à Covid-19. Especialmente aquelas que têm articulação com os Conselhos de Saúde, como é o caso do Grupo Complexidade da Pandemia.
“Esse grupo mostra que, mais do que nunca, a ciência faz diferença na sociedade. Além disso, a generosidade e a humanidade dos integrantes, que estão desde 27 de março de 2020 pensando a pandemia no sentido de colaborar, fazem toda a diferença”, afirma Maria Tereza Ramalho, que é secretária executiva do Conselho Municipal de Saúde de Araraquara.
Terapeuta ocupacional da Unidade Saúde Escola da Universidade Federal de São Carlos, e servidora pública da prefeitura de Araraquara, coube a Maria Tereza dar início ao projeto, que se instalou em uma sala virtual criada pelo economista Jader José Oliveira. Ele queria reunir especialistas em busca de auxílio no combate à pandemia, e Maria Tereza conectou outros nomes com ideias semelhantes.
O projeto foi impulsionado pelo cientista Sérgio Mascarenhas, um dos nomes mais importantes da região, falecido em maio deste ano. “Anunciei numa reunião do Conselho Municipal de Saúde a criação de uma sala virtual, a [Maria] Tereza estava na sala, e a partir daí começamos as reuniões que se sucederam. Temos um foco na participação”, recordou Jader Oliveira.
Desenvolvimento do projeto
Ao longo do ano, o grupo foi dividido em quatro núcleos de trabalho: Saúde (oito integrantes), Estatística, Geoprocessamento e Modelagem (oito integrantes), Análises Socioeconômicas (dois membros) e Difusão do Conhecimento (três integrantes). Na análise de Paulo César de Camargo, que é Engenheiro Químico e professor do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos, o múltiplo conhecimento dos especialistas que compõe o colegiado é que permite um olhar diferenciado sobre os chamados sistemas complexos, como é o caso da pandemia da Covid-19.
“A complexidade só pode ser enfrentada, de forma competente, com inteligência coletiva. Aqui estamos abertos a críticas, sugestões e às mais diversas visões dentro do método científico”, afirmou o professor.
Em um país como o Brasil, onde a chegada do novo coronavírus colocou até mesmo o conhecimento científico em jogo, há um consenso no grupo de que a problemática causada pela pandemia extrapola as barreiras do corpo humano. Para isso, mais do nunca, os pesquisadores precisam difundir mecanismos capazes de atingir os mais diversos públicos. Foi aí que o funk se uniu à ciência, e até mesmo professores que não estávamos acostumados a ouvir o ritmo musical, renderam-se à música, a fim de captar a atenção do público que precisava melhor se proteger do vírus.
“Há um problema de um vírus que vai nos pulmões, nas moléculas, na mente das pessoas, na cultura coletiva, na mídia, na política e na economia. Todos esses problemas têm uma forma de influenciar um nos outros”, explica o professor Felix Rigoli, Pesquisador do Núcleo de Direito Sanitário e Grupo de Relações Internacionais José Bonifácio, da Universidade de São Paulo (USP).
O professor destaca que, a partir dessa visão, foram criados desde relatórios epidemiológicos permanentes até um funk, que passou pela rádio de São Carlos e Araraquara. “As pessoas ouviram um funk dizendo ‘que lindo que o Covid não vai matar a todos’. Essa é a ideia de complexidade e inteligência coletiva”, contou Rigoli.
Produções e desafios
Além do funk, o grupo produziu um jingle. Dessa forma, o estatístico Jorge Oishi, que é professor aposentado do Departamento de Estatística da UFSCar, viu a combinação de números que refletem o cenário da pandemia invadir as ondas sonoras.
“Trabalho muito com o cidadão, fazendo com que ele entenda de fato a gravidade da pandemia. Mas uma parcela da população ainda não entendeu, então nosso trabalho precisa continuar. Fizemos um monte de ações coletivas e individuais. Até ajudei a desenvolver um jingle que saiu até no Jornal Nacional”, recorda o professor, diante de um tímido sorriso frente às câmeras.
São desafios como esse que mobilizam o colegiado, na visão do Jorge Kayano, médico sanitarista e pesquisador do Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais (Pólis). Mesmo quando os gestores públicos não acolheram as medidas sugeridas, como o lockdown, os especialistas seguiram no trabalho. “Essa conversa que temos tido gira em torno dos desafios extremamente difíceis no combate à pandemia”, diz ele, que complementa:
“Temos discutido vários aspectos dessas necessidades, da necessidade da comunicação adequada com o público e o grupo tem trabalhado em várias frentes, inclusive na construção de processos de geoprocessamento”.
É neste quesito que entra a participação do Biólogo Sérgio Henrique Vannucchi Leme de Matos, docente da Universidade Federal de São Carlos. Uma das áreas de atuação do colegiado prevê o uso das ideias de geoprocessamento em complexidade. “A pandemia é um exemplo do que chamamos de problemas complexos. Cada problema é único, e envolve múltiplos agentes com interesses conflitantes, que transcendem limites disciplinares. Um exemplo é a crise econômica associada à crise pandêmica”, afirmou.
Ao longo do ano, os especialistas esbarraram na dificuldade de acesso a dados recentes sobre a pandemia. A média na demora para acesso das informações no Ministério da Saúde, segundo eles, tem sido de dois a três meses. “Em uma população com comportamentos tão diferentes como a brasileira, esses dados são fundamentais para o avanço das pesquisas”, afirma Sérgio Henrique Albuquerque Lira, que é professor de Física da Universidade Federal de Alagoas.
A posição é corroborada por Cláudio Bielenk Júnior, Engenheiro Cartográfico integrante do projeto.“Claro que os dados são muito sensíveis, e no início tivemos um retorno interessante, mas depois a gente não conseguiu dar prosseguimento como queríamos”, observa.
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Experiência
Analisar e compreender as tendências e possíveis vias de ação para enfrentamento da pandemia com auxilio de análise epidemiológica multinível e alternativas de ação comunitária.