A Constituição de 1988 determinou, no artigo 198, que a sociedade participasse da gestão do sistema de saúde. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada, hierarquizada e constituem um sistema único organizado com diretrizes de participação da comunidade. Dois anos depois da referida Constituição, duas leis trouxeram conteúdos importantes sobre essa participação ao abordarem aspectos relacionados ao Conselho Nacional de Saúde. Foram elas: a Lei n. 8.080, de 1990, conhecida como Lei Orgânica da Saúde e a Lei no 8.142 do mesmo ano que garante a participação da comunidade no SUS.
Dessa forma, o Controle Social na saúde surge como um marco de muita luta dos movimentos sociais e do movimento de reforma sanitarista, com base na democracia participativa e na cidadania assegurando o Controle Social que defende e fortalece o Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com Carvalho (1995), o “Controle social é expressão de uso recente e corresponde a uma moderna compreensão da relação Estado-sociedade, onde a esta cabe estabelecer práticas de vigilância e controle sobre aquele. A ideia de controle social inspira os Conselhos de saúde para que, com a presença de segmentos sociais tradicionalmente excluídos, possam controlar o Estado, assegurando políticas de saúde pautadas pelas necessidades do conjunto social, e não somente pelos desígnios de seus setores mais privilegiados” (CARVALHO, 1995, p.28).
Ao longo dos últimos 20 anos, o fortalecimento das ações de Saúde Indígena tem merecido especial atenção do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a maior instância de controle social do SUS. A participação social indígena, por meio dos conselhos de saúde, ocorreu a partir da aprovação da Lei nº 9.836/99 – mais conhecida como “Lei Arouca”, que criou o Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (SasiSUS), que foi incorporado ao SUS. (BRASIL, 2015)
Subsistema de Atenção à Saúde Indígena tem, como uma de suas principais diretrizes, o controle social exercido pelos usuários indígenas a fim de assegurar o planejamento ascendente das ações, considerando as especificidades culturais, históricas, geográficas e epidemiológicas dos povos indígenas no Brasil. A necessidade da criação do SasiSUS é fruto de um longo período de reivindicações dos movimentos sociais indígenas e sanitaristas, organizados a partir dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) e sob responsabilidade federativa. (BRASIL, 2015)
Em articulação com o Sistema Único de Saúde (SUS), as instâncias de controle social, no âmbito da saúde indígena, são compostas por Conselhos Locais de Saúde Indígena (CLSI); Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISI); e pelo Fórum Permanente dos Presidentes dos CONDISI. (BRASIL, 2015)
A participação indígena nas políticas públicas está respaldada por diferentes marcos legais. Em termos internacionais, a Convenção 169 da OIT, preconiza a obrigação dos Estados em consultar os povos indígenas sobre quaisquer medidas que impactem suas vidas e territórios. Assim, também no contexto da pandemia, os povos indígenas reivindicam sua participação em todas as etapas, desde o planejamento até a execução e avaliação, das políticas e ações para enfrentamento da COVID-19. (BRASIL, 2015)
O território alvo de estudo é o Distrito Sanitário Especial Indígena do Ceará (DSEI/CE) que está inserido somente neste estado, é composto por 09 POLOS Base, 01 (Um) Núcleo de Apoio à Saúde Indígena (NASI) e 01(Uma) Casa de Saúde Indígena (CASAI). Contempla o total de 18 municípios cearenses onde localizam-se 106 aldeias , 14 etnias; (Anacé, Gavião, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguary, Potyguara, Tabajara, Tapeba, Tremembé, Tupinambá, Tapuia-Kariri e Tubiba-Tapuia) todos falantes do português, correspondendo a uma população de aproximadamente 27128 (ATT) indígenas, número que é constantemente atualizado. O DSEI/CE tem 13 Conselhos Locais de Saúde Indígena – CONLOSIs e 01 Conselho Distrital de Saúde Indígena – CONDISI.
Dessa forma, o presente estudo propõe analisar quais são os desafios do Controle Social do Distrito Sanitário Especial Indígena do Ceará em tempos de pandemia da COVID-19. Com proposta dos objetivos específicos: compreender o contexto histórico do Controle social e lei Arouca (9.836/99) que criou o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena; descrever o perfil do controle social do DSEI/CE dentro do contexto da pandemia Covid-19 nos dias atuais; e identificar os desafios do Controle Social no DSEI/CE em tempos de pandemia Covid-19.
Será utilizada revisão bibliográfica para fundamentar conceitos e proporcionar uma contextualização adequada para cumprir com os objetivos deste trabalho descritivo, extraindo-se informações de publicações e legislação disponível sobre o tema. Trata-se de um estudo qualitativo e quantitativo, que utilizará informações obtidas em fontes públicas. Será realizada análise de documentos, relatórios técnicos produzidos pelo DSEI, SESAI, bem como relatórios gerenciais da secretaria. Como dados secundários, a base de informação será extraída da Lei de Acesso à Informação, Lei n. 12.527/2011.
1.1. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA
O controle social configura um dos mecanismos mais utilizados nas últimas décadas pelo governo brasileiro, visto que possibilita a chamada ‘‘democracia direta’’, permitindo aos envolvidos a participação direta, ou parcial, nas tomadas de decisão e aumentando a eficiência do fluxo de informações e demandas dos grupos envolvidos. Este modelo de gestão se estrutura na forma de conselhos, em diversas instâncias (Municipal, Estadual ou Distrital e Nacional), suas composições são definidas democraticamente e com caráter participativo (TEIXEIRA. ref). A partir desta ambientação é possível compreender que, para a formação destes conselhos é necessário a participação considerável de representantes, e para que as demandas cheguem ao setor Executivo responsável, é necessário que tramitem por todas as instâncias até que sejam avaliadas. Imaginando um fluxograma destas relações pode-se estipular a seguinte ordem: os CONSOLI se reúnem em seus dias predefinidos, acolhem as demandas da população geral, preparam os encaminhamentos e então seus representantes repassam ao CONDISI, que por sua vez tem o papel de encaminhá-las ao DSEI para deliberações.
Percebe-se que este é o caso ideal, no qual as reuniões são realizadas presencialmente e tudo transcorre relativamente bem, até chegar ao Executivo. Portanto, eis as questões que norteiam esta pesquisa, quais os desafios que o Controle Social encontra para se manter relevante e ativo em tempos de pandemia da COVID-19? Quais as medidas tomadas pelos membros do Controle Social no DSEI/CE para manter suas atividades, considerando o cenário caótico e incerto que se apresentou desde o início do ano de 2020 até os dias atuais e quais as possíveis implicações, positivas e negativas a respeito das novas metodologias de engajamento utilizadas pelo Controle Social neste período?
O território escolhido para a pesquisa pertence ao Distrito Sanitário Especial Indígena do Ceará (DSEI/CE), tendo como motivações a vivência de trabalho, por ser conselheira distrital como segmento de gestão e a militância no SUS e SasiSUS. Dessa forma, a proposta de problematização para o presente estudo é buscar respostas para a seguinte questão: Como o Controle Social no âmbito do DSEI/CE consegue se reorganizar para atender aos desafios impostos pela pandemia de COVID-19?