Durante os caminhos percorridos nos serviços de saúde no município de Barreiras (BA), os educandos foram guiados pelo professor-facilitador a (re)pensar o território em que estavam envolvidos. Nesse momento, foi possível compreender a dinâmica dos serviços, as funções dos trabalhadores e o fluxo dos usuários/assistidos/pacientes, e assim perceber a dinâmica dos territórios que se tornavam vivos a partir de suas influências, inter-relações,espaços, produções, subjetividades, rotinas cotidianas e sentidos. Organizar um serviço que opere segundo a lógica do território é encontrar e ativar os recursos locais existentes, estabelecendo alianças com grupos e movimentos de arte ou com cooperativas de trabalho, para potencializar as ações de afirmação das singularidades e participação social.No primeiro momento, na construção do webfólio, foi possível vivenciar a dificuldade de gerar autorreflexão e criatividade para despertar curiosidade e interesse aos leitores. A reflexão é uma forma de pensar criticamente a realidade, de olhá-la com clareza, abrangência e profundidade. Destacou-se, portanto, o papel do professor-facilitador, que forneceu informações e guiou o processo reflexivo a partir das viagens educacionais e discussões temáticas que integravam teoria e prática, propiciando a produção de conhecimento e uma mudança de olhar, já que era possível ouvir diferentes argumentos a partir de outros pontos de vista. A utilização do webfólio permitiu a construção de possibilidades por meio de uma prática educativa viva, alegre, afetiva, com todo o rigor científico e técnico e sempre em busca de transformação. Assim, seguimos na perspectiva construtivista do conhecimento a partir de dispositivos educacionais em associação com as práticas nos serviços de saúde municipal. Os significados percebidos por meio do eixo razão-emoção das obras artísticas foram diversos e relacionados aos desafios das abordagens psicossociais, relação profissional-paciente, humanização, clínica ampliada e compartilhada, democracia, participação social, sensibilização, vínculo, compaixão, empatia e respeito. Há consonância com Barros quando ele diz:“Nosso conhecimento não era de estudar em livros, era de pegar, de apalpar, de ouvir e de outros sentidos”. Por isso, as viagens educacionais serviam como “outros sentidos” que tornaram o processo de formação na gestão do SUS motivador, crítico e realístico com a conjuntura atual.Nesse sentido, os significados percebidos representam instrumentos de grande relevância para a formação profissional na gestão do SUS. A humanização foi ganhando forma nas reflexões em um modelo de atenção que girou em torno de afeto, amor, empatia e respeito,como atos que desconstroem barreiras entre profissionais e na relação profissional-paciente. A ideia de passividade permitiu (re)pensar em diversos atores tornando-se ativos no processo saúde-doença-cuidado. Logo, as reflexões atingiram a clínica ampliada e compartilhadaque consiste em uma forma de “contribuir para uma abordagem clínica do adoecimento e do sofrimento, que considere a singularidade do sujeito e a complexidade do processo saúde/doença”. Assim, os educandos foram empoderados e sensibilizados a seguir com o compromisso de reproduzir a corresponsabilização no âmbito profissional, buscando a qualidade da atenção com vistas à integralidade da assistência ao cuidado.Assim, foi possível seguir de mãos dadas com Freire: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática”, e em consonância com as experimentações vivenciadas e oportunizadas pelo professor-facilitador e os gestores nos serviços de saúde. A produção dos textos no ambiente virtual foi um grande desafio que despertou curiosidade e buscas por conhecimentos e palavras que gerassem discussões rápidas, estimulantes e de fácil acesso aos leitores virtuais. A poesia de Manoel de Barros em Menino do mato diz que “um menino percebeu que usar as palavras poderia fazer prodígios e preencher vazios”. Logo, notamos que, ao trabalharmoscom a produção dos textos reflexivos, foi necessário preencher a nossa memória com novos conhecimentos e atitudes pertinentes à formação profissional para a gestão do nosso SUS. O uso do webfólio permitiu a aplicação do conhecimento no dia a dia de forma fluida, dinâmica e com mais entusiasmo, e fez perceber a capacidade dos gestores de liderar, planejar, motivar, monitorar, atribuir qualidade, recriar permanentemente e tomar decisões e ações que dinamizam a organização do processo de trabalho. Logo, passou-se a compreender a importância da interprofissionalidade e intersetoriedade, ou seja, o trabalho compartilhado em diferentes saberes e fazeres. Souto, Batista e Batista concordam que uma abordagem dessa natureza no processo de aprendizagem de educandos reflete em sua própria identidade profissional, ou seja, servirá para a formação de sujeitos com capacidade de construir respostastécnicas e científicas na sua prática junto a outras áreas profissionais. Nesse sentido, Martins e Waclawovsky afirmam: “É extremamente importante para que se alcance a integralidade da assistência em saúde”.O processo saúde-doença-cuidado inclui um trabalho que permite o olhar através da gestão do cuidado, ou seja, gerindo a capacidade técnica, política e operacional que uma equipe de saúde possui para planejar a assistência aos usuários, no plano individual ou coletivo, promovendo a saúde no âmbito biopsicossocial, almejando a equidade da atenção. Assim, o webfólio, sendo um instrumento de registro e reflexão na construção do conhecimento, permitiu gerar um dispositivo potencializador da formação por integrar diferentes percepções, imaginação e criatividade. Barros escreveu: “É também das percepções primárias que nascem arpejos e canções e gorjeios”. Como o próprio autor diz, as nossas observações são capazes de se transformar em algo desejável e agradável de ouvir, construir e presenciar.Na gestão do SUS, independentemente do nível de atenção, uma das maiores dificuldades é a escassez de recursos financeiros, que apresentam, a cada dia, maior demanda. A EC nº 95/2016 torna-se, portanto, um obstáculo ainda maior para que serviços sigam funcionando,e de forma eficiente, pois o financiamento do SUS nos estados e municípios é fortemente atingido na medida em que cerca de dois terços das despesas do Ministério da Saúde são transferidas, fundo a fundo, para ações de saúde, a cargo dos entes federados. Nesse momento, foram(des/re)construídos em nossas práticas de autorreflexão os desafios da gestão, dos trabalhadores dos serviços e do impacto do congelamento dos gastos públicos na saúde da população.Dessa maneira, faz-se importante, sob a visão do gestor, refletir sobre a atual crise política, econômica e social do país. Assim, Freire diz que “o homem poderá criar seu próprio mundo, seu Eu e suas circunstâncias, quando compreender a sua realidade e transformar as soluções a partir de hipóteses sobre o desafio dessa realidade”. Diante disso, o caminhar durante o processo de aprendizagem com a construção do webfólio permitiu refletir sobre arealidade da nossa sociedade e gerou inquietações e problematizações a respeito de como nos tornar agentes transformadores nesse processo e desenvolver coletivamente um planejamento que contribua para melhorias na saúde da população. Nesse sentido, Freire afirma ainda que“a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade”.O caminho dentro desse itinerário educacional cooperou para que a busca dos conhecimentos atingisse a aprendizagem extramuros. Essa metodologia estimulou uma prática ativa e participativa com apropriação de conceitos, palavras, habilidades e atitudes. Num trecho de seu livro, Barros diz: “Queria fazer parte das árvores como os pássaros fazem, mas o homem se transfigura somente pelas palavras”. Diante disso, a partir da apropriação do conhecimento (palavras), por meio das ferramentas utilizadas, foi possível vislumbrar as necessidades da gestão e direcionar possibilidades para uma sociedade que muda permanentemente.Durante os diálogos com os gestores, surgiram discussões a respeito de ações de educação permanente em saúde, que são práticas implementadas via Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, instituída em 2004. Os gestores apontaram a necessidade de estímulo dessas práticas, que, segundo o Ministério da Saúde, conceituam-se como “aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano dasorganizações e ao trabalho”. Isto é, aprendizagem contínua, no dia a dia, fundamental para manter conhecimentos adquiridos pelos profissionais em sua formação, atualizar conhecimentos e fornecer novas informações, agregando uma aprendizagem significativa com temas presentesna realidade local, de forma a qualificar e aperfeiçoar o processo de trabalho, aumentando a resolutividade e a eficiência do sistema de saúde.É importante perceber que o gestor não governa sozinho, pois há diversas direções e múltiplos atores que participam do processo de trabalho. Está nas mãos do gestor a tomada de decisões, e estas são influenciadas pelas políticas de saúde do país, do Estado e do próprio serviço de saúde, formadas por diferentes linhas. Segundo Feuerwerker: “Os serviços de saúde, então, são uma arena em que diversos atores, que se produzem micropoliticamente e têm intencionalidades em suas ações, disputam o sentido geral do trabalho”. Esses planos micropolíticos de fluxo conceitual convergem para um mesmo sentido, embora sejam formados por diferentes atores.Ademais, a função do gestor se destaca ao unir essas linhas e utilizá-las como subsídio para o seu trabalho e para a formação dos profissionais, analisando o que se faz necessário para o alcance do objetivo. Diz Freire em Pedagogia do oprimido: “Aos que constroem juntos o mundo humano, compete assumirem a responsabilidade de dar-lhe direção”. Partindo desse pressuposto, adquiriu-se a capacidade de refletir sobre os desfechos objetivados e como é possível promover um trabalho em equipe para alcançá-los, pois durante a produção dos webfólios, gerou-se a reflexão do leitor a partir da nossa reflexão, para que fosse facilitado o entendimento do contexto real, institucional e inventivo do aprendizado.Durante as práticas, os gestores relatavam os princípios da administração pública, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, pilares para a formação de um bom gestor. Dessa forma, durante o processo de aprendizagem, foram realizados estímulos reflexivos que nos fizeram pensar fora do senso comum e nos tornar múltiplos. Concordamos com Barros, que diz: “Perdoai, mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovaro homem usando borboletas”. Assim, percebe-se que a utilização do webfólio serviu para a (trans)formação de uma formação profissional com as competências para a gestão do SUS. Para Batista e colaboradores, competência é uma inteligência da prática, perspicaz e criativa, que demanda a utilização de conhecimentos adquiridos, sendo a construção dessas competências um desafio real. Partindo desse conceito, nota-se que a educação voltada à formação de profissionais para o SUS requer a aquisição de competências que possibilitem uma atuação com qualidade e resolutividade.Como base na tessitura de uma rede de competências, tem-se a interdisciplinaridade, uma medida educacional que contribui para reduzir a fragmentação do saber, pois envolve diferentes áreas e campos do conhecimento para formar um profissional de vasto conteúdo,sem se prender a uma área específica e desconhecer as demais. Nesse contexto, encontra-se a pedagogia rizomática, cuja concepção envolve a compreensão do mundo real e amplo, sem hierarquias. Assim, dentro de um processo de autorreflexão e compartilhamento de significados que estão enraizados em nossa memória, seguimos concordando com Barros quando ele diz: “Até santos davam flor nas pedras, porque todos estávamos abrigados pela palavra”. Sendo assim, percorremos os caminhos na busca do poder da palavra e de uma formação profissionalviva, alegre, quente, afetiva, compromissada, responsável e sempre em busca de transformação.