APSREDES

Projeto Estadual Compra Direta de Alimentos (CDA)

Autores do relato:

Mariana Gomes Bourguignon Oliveira mariana@setades.es.gov.br


Luiza Gabriela Machado Soares luiza.soares@setades.es.gov.br


Victor Nunes Toscano victortoscano@setades.es.gov.br


Maria da Conceição Castro de Martins Barros mariamartins@setades.es.gov.br


Contextualização

O Projeto Estadual Compra Direta de Alimentos (CDA) foi idealizado pela Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (SETADES), no âmbito da Gerência de Segurança Alimentar e Nutricional (GSAN), como uma forma de promover o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no estado do Espírito Santo. Seu objetivo é a aquisição de gêneros alimentícios de forma direta da agricultura familiar e doação simultânea dos produtos adquiridos à rede socioassistencial dos municípios, de forma a garantir renda ao pequeno agricultor e alimentação de qualidade a pessoas em situação de vulnerabilidade social. O Projeto CDA já havia sido desenvolvido pela SETADES entre os anos de 2006 e 2012, atendendo 18 municípios através do repasse financeiro por convênios. À época, foi executado em um formato e metodologia diferentes, mas por indisponibilidade financeira a parceria com novos municípios foi paralisada por alguns anos. Em 2017, a SETADES tomou a iniciativa de resgatar o Projeto CDA sob uma nova configuração, viabilizando o repasse financeiro através do fundo a fundo, facilitando e desburocratizando o processo e, assim, ampliando o número de municípios atendidos, de unidades receptoras e de agricultores familiares participantes. Desde então, a retomada do CDA tem contribuído para o fortalecimento da agricultura familiar, para a geração de renda no meio rural, para a permanência do homem no campo, assim como tem garantido alimentação de qualidade à população vulnerável no interior do Estado do Espírito Santo. Como forma de reconhecimento de seus resultados e forma de atuação, no ano de 2020 o Projeto CDA conquistou o segundo lugar no Prêmio Inovação na Gestão Pública do Espírito Santo – INOVES, na categoria Voto Popular.

Justificativa

Conforme a FAO, a segurança alimentar acontece quando as pessoas têm acesso físico, social e econômico permanente a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente para atender necessidades nutricionais e gostos alimentares. A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população. É direito de todos o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem o comprometimento do acesso a outras necessidades essenciais (LOSAN, 2006). Mesmo sendo um direito de todos, a insegurança alimentar é uma realidade a ser combatida no Brasil e durante a pandemia da Covid-19 o cenário tem se agravado. Segundo o estudo “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil” da Universidade Livre de Berlim em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB), durante o período de pandemia da Covid-19, a situação de insegurança alimentar no país tem atingido cerca de 59,4% dos domicílios, isso significa que aproximadamente 6 em cada 10 famílias brasileiras possuem algum tipo de restrição de quantidade ou qualidade de alimentos. O Estado do Espírito Santo tem acompanhado este mesmo cenário. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018): Análise da Segurança Alimentar no Brasil, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 425 mil famílias capixabas se encontram em algum grau de insegurança alimentar. É sabida a existência de inúmeras iniciativas voltadas para o combate à pobreza nos grandes centros urbanos, onde há grande concentração populacional e muitas desigualdades sociais. Por outro lado, há um mito de que no meio rural a vulnerabilidade social é inexistente ou inexpressiva, levando muitos a considerarem que ações de combate à pobreza neste ambiente são desnecessárias. Diante das informações geradas pelo Cadastro Único e de relatos de gestores e técnicos municipais, percebemos que este mito não poderia ser impeditivo para que ações concretas de promoção social no meio rural fossem levadas à frente. Neste contexto também, o estudo da Universidade Livre de Berlim, juntamente com a UFMG e a Unb, revela que quanto menor a renda per capita do domicílio, maior é o grau de insegurança alimentar e, também, mostra que 75,2% das famílias que encontram-se nesta situação estão situadas na zona rural. Outro dado indica a diminuição no consumo de alimentos saudáveis por parte das famílias, onde a aquisição de frutas teve a redução de 40,8% e hortaliças e legumes de 36,8%. A criação de estratégias e políticas de compras públicas de alimentos, nas quais o Estado adquire gêneros alimentícios direto da agricultura familiar para utilização em equipamentos e serviços públicos possui dois benefícios simultâneos. O primeiro é o estímulo ao consumo de alimentos saudáveis pelo público alvo atendido, composto por pessoas em situação de vulnerabilidade social e alimentar. O segundo benefício é contribuir para o combate à pobreza no campo promovendo condições dignas de trabalho e de vida no meio rural, através da garantia de renda durante o ano. “A pobreza é a maior causa de insegurança alimentar. Um desenvolvimento sustentável, capaz de erradicá-la, é crucial para melhorar o acesso aos alimentos.” (FAO, 1996)

Objetivo

Garantir o acesso a alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessárias às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional, promovendo a inclusão social no campo por meio do fortalecimento da agricultura familiar.

Metodologia

Periodicamente a SETADES publica Editais de Seleção do CDA para que municípios interessados apresentem propostas de participação, de acordo com as regras e prazos estabelecidos. Encerrado o prazo do Edital para apresentação de propostas, a equipe técnica da Gerência de Segurança Alimentar e Nutricional da SETADES analisa os documentos recebidos, e emite parecer técnico para formalização ou não da parceria. Municípios com propostas deferidas são habilitados para recebimento de recursos da SETADES, e após a realização do repasse financeiro eles devem realizar chamada pública para seleção de agricultores, para fornecimento dos gêneros alimentícios definidos em seu Projeto Técnico. Finalizada a Chamada Pública, o município recebe autorização da SETADES para iniciar a aquisição dos gêneros alimentícios dos agricultores selecionados, no valor de até R$6.500,00 por agricultor. À gestão municipal do CDA compete toda a logística para aquisição dos alimentos dos agricultores e distribuição à rede socioassistencial local, devendo realizar o pagamento aos fornecedores com os recursos financeiros advindos da SETADES. As unidades receptoras beneficiadas também precisam atender ao perfil exigido pelo Manual Técnico Operacional do CDA. Entre as unidades habilitadas a receber os alimentos estão Equipamentos e serviços públicos de Assistência Social e de Segurança Alimentar e Nutricional; Entidades da rede socioassistencial; Serviços de justiça e de segurança pública; Serviços públicos de saúde; e estabelecimentos de saúde de direito privado sem fins lucrativos que possuam Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social. Cada unidade receptora beneficiada com os alimentos deve destiná-los para o preparo de refeições, ou, no caso de Equipamentos Públicos de Assistência Social, cestas verdes também podem ser elaboradas a fim de serem distribuídas às famílias em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar e nutricional. A cada quatro meses de comercialização o município elabora um Relatório Quadrimestral de Execução e Avaliação, onde são descritas todas as atividades desenvolvidas, quantitativo de alimentos comprados e doados, bem como as principais dificuldades enfrentadas. Tais relatórios, assim como visitas técnicas realizadas pela SETADES, e-mails, telefonemas, correspondências, dentre outros, são instrumentos utilizados para fins de monitoramento da execução do Projeto CDA.

Atores envolvidos (institucionais e/ou coletivos)

SETADES: Planejamento orçamentário e garantia do recurso, elaboração e publicação de editais, acompanhamento, apoio técnico, capacitações, monitoramento e avaliação do projeto. MUNICÍPIOS HABILITADOS: Seleção de agricultores, aquisição de gêneros alimentícios, distribuição de alimentos para a rede socioassistencial e realização de pagamentos aos agricultores. AGRICULTORES FAMILIARES: Produção e entrega dos gêneros alimentícios definidos e na quantidade estabelecida. UNIDADES RECEPTORAS: Recebimento dos alimentos e distribuição para famílias e/ou indivíduos em situação de insegurança alimentar na forma de refeições e/ou cestas verdes. BENEFICIÁRIOS DAS UNIDADES RECEPTORAS: Recebimento de cestas verdes ou de refeições advindas dos equipamentos socioassistenciais. INCAPER (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural): desenvolvimento de assistência técnica e extensão rural aos agricultores participantes do Projeto CDA.

Estratégias

O perfil dos agricultores familiares e das unidades receptoras foi definido de modo a promover a inclusão social e produtiva no meio rural, assim como garantir alimento de qualidade a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. O agricultor precisa pertencer a famílias compostas por no mínimo 2 pessoas, estar inserido no Cadastro Único e possuir a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Agricultura Familiar (DAP). Além disso, prioriza-se que 40% atendam a pelo menos uma destas características: beneficiários e/ou pessoas com perfil do Programa Bolsa Família; assentados de reforma agrária; silvicultores; aquicultores; extrativistas; pescadores artesanais; indígenas; pomeranos; comunidades remanescentes de quilombos rurais; demais povos e comunidades tradicionais; 40% sejam mulheres e 5% produtores orgânicos/agroecológicos. Ao passo que agricultores familiares obtêm a garantia do escoamento de sua produção, populações em situação de vulnerabilidade social e econômica conseguem acessar alimentos saudáveis de forma gratuita e com regularidade. Os recursos repassados pela SETADES para pagamento dos agricultores participantes do CDA permitem o aumento da movimentação financeira nos municípios participantes, contribuindo para o desenvolvimento da economia local. De acordo com relatos obtidos durante as visitas técnicas de monitoramento realizadas pela SETADES, muitos agricultores utilizam o dinheiro recebido para investir na própria propriedade rural, seja com melhorias de infraestrutura ou na aquisição de equipamentos para a lavoura e maquinário para sua agroindústria. Muitas mulheres participantes também relatam sobre como o acesso a esta renda tem contribuído para o início de sua autonomia financeira, já que em muitos casos há dependência econômica de seus parceiros. As unidades receptoras participantes do CDA são diversas, conforme exemplos a seguir: CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), Centro Pop, CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), APAE, Acolhimento Institucional de Idosos, Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes, Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), PESTALOZZI, Banco de Alimentos, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Hospital, Unidade de Pronta Atendimento (UPA), Residência Inclusiva, dentre outros. Cada unidade receptora beneficiada permite que Pessoas com Deficiência (PCD), crianças e idosos vulneráveis ampliem seu acesso a alimentos frescos, orgânicos, in natura e minimamente processados, de modo a contribuir para sua saúde e segurança alimentar e nutricional. Diante de um cenário econômico nacional e mundial preocupante, em que os mais vulneráveis são os que mais sofrem as consequências da pandemia do Covid-19, o Projeto CDA tem garantido o acesso à renda no meio rural e alimentação saudável às pessoas pobres e extremamente pobres do Estado do Espírito Santo.

Resultados alcançados

Depois que a execução do Projeto CDA foi retomada pela SETADES, entre os anos de 2017 a 2020 foram repassados R$ 12.356.500,00 a 50 municípios capixabas, sendo R$ 3.549.000,00 em 2017 para atendimento de 16 municípios, R$ 4.810.000,00 em 2018 para benefício de 25 municípios, e R$ 3.997.500,00 no ano de 2020 para mais 30 municípios. Entre os anos de 2017 e 2020 cerca de 1.800 agricultores familiares foram contemplados e 308 unidades receptoras atendidas Considerando apenas o ano de 2020, foram identificadas 135 (cento e trinta e cinco) variedades entre os produtos orgânicos e convencionais comercializados pelo CDA, demonstrando um pouco da diversidade da produção agrícola no Estado do Espírito Santo. O total de alimentos adquiridos e doados neste período foi de aproximadamente 1.377 t (mil trezentos e setenta e sete toneladas), um número expressivo que contribuiu para a minimização da carência nutricional das famílias atendidas no contexto da pandemia da Covid-19. Em 2020 também foram contemplados 680 (seiscentos e oitenta) agricultores familiares e 100 (cem) unidades receptoras. Das 100 unidades receptoras beneficiadas, 69 (sessenta e nove) delas destinaram os alimentos para o preparo de refeições, beneficiando assim 5.034 (cinco mil e trinta e quatro) pessoas. Outras 29 (vinte e nove) unidades receptoras destinaram os alimentos do CDA para a distribuição de cestas verdes, totalizando 16.277 (dezesseis mil duzentos e setenta e sete) famílias contempladas com estes alimentos. Se considerarmos uma média de 04 pessoas por família, estima-se que 65.180 (sessenta e cinco mil e cento e oitenta) pessoas foram atendidas com cestas verdes no ano de 2020 pelo CDA. Somando o número de indivíduos contemplados tanto com cestas verdes quanto com refeições no em 2020, o CDA alcançou 70.142 (setenta mil cento e quarenta e duas) pessoas no Estado do Espírito Santo.

Considerações finais

O Projeto CDA apresenta-se com uma proposta coesa e replicável para o enfrentamento à insegurança alimentar e nutricional, abrangendo a inclusão produtiva no meio rural, a minimização da carência nutricional da população vulnerável à fome, e a contribuição para a adoção de hábitos alimentares saudáveis. Até o presente momento o Projeto CDA tem sido desenvolvido como um Projeto de Governo, conforme a disponibilidade orçamentária de cada gestão. Porém, existe a vontade de transformar o Projeto CDA em um Programa de Estado, uma Política Pública com orçamento próprio que garanta a continuidade da execução nos municípios capixabas, independente da mudança de gestores públicos no âmbito estadual e municipal. Criando este Programa de Estado pretendemos também desenvolver um Software próprio, nos mesmos moldes do Sistema Informatizado do Programa de Aquisição de Alimentos (SISPAA) do Governo Federal, com a finalidade de tornar a operacionalização do CDA mais simples e desburocratizar certos aspectos da execução. Por meio deste Software será possível o lançamento de dados pelo município, de forma que a coordenação Estadual consiga acessar remotamente todas as informações inseridas, proporcionando um aprimoramento das ações de monitoramento do Compra Direta de Alimentos pelo Governo do Estado do Espírito Santo. O desenvolvimento do Projeto CDA requer muito comprometimento de toda a equipe, principalmente porque se trata de um Projeto inserido em uma Política Intersetorial, que é a Segurança Alimentar e Nutricional, e demanda uma atuação conjunta de diversos atores, inclusive de setores diferentes dentro da mesma Prefeitura. Sem a atuação intersetorial a execução do Projeto torna-se inviável, pois desde a elaboração do Projeto técnico, passando pela realização da Chamada Pública, recebimento dos produtos dos agricultores, distribuição dos alimentos para as unidades receptoras, recebimento das notas fiscais e pagamento dos agricultores, elaboração dos relatórios quadrimestrais de execução, realização da prestação de contas, etc., é indispensável um trabalho minucioso de equipe. A cada Relatório recebido dos municípios a SETADES apreende os avanços e desafios de cada execução, de forma individualizada, e tais aprendizados são sempre inseridos de forma prática na próxima versão do Manual Técnico Operacional em um processo de melhoria contínua. O manual sempre é lançado junto com o Edital de Seleção do CDA, e também é apresentado nas Oficinas e Capacitações técnicas ministradas frequentemente pela equipe de referência do projeto. Os desafios são muitos, mas ao superá-los, as lições aprendidas tornam-se experiências positivas para os próximos executores.