APSREDES

Horta Net

Autores do relato:

Lucas Mendes de Oliveira lmo2995@gmail.com


Luciel Henrique de Oliveira luciel@pucpcaldas.br


Marcelo Munhoz munhozmarcelo3@gmail.com


Contextualização

No contexto local de Poços de Caldas frente à pandemia, entre 23 de março e 4 de abril foram aplicadas as restrições sanitárias mais severas ao comércio e movimentação. Assim, foram suspensas todas as 11 feiras livres realizadas no município (POÇOS DE CALDAS, 2020). As feiras foram gradualmente retomadas em seguida, com a adoção das medidas de distanciamento e higiene recomendadas pelas autoridades sanitárias e já em vigor junto aos outros players do setor agroalimentar (POÇOS DE CALDAS, 2020). Contudo, os feirantes relatam grande dificuldade para sua adaptação a esse momento, com queda do fluxo de clientes e consideráveis perdas de itens mais perecíveis como folhosas. Cabe ressaltar que a maioria dos frequentadores das feiras livres, segundo todos os relatos, são idosos – justamente a faixa de maior risco para infecção por COVID-19. Feirantes que fornecem para restaurantes também foram severamente impactados, pela redução drástica ou total nos volumes adquiridos. Isso levanta questionamentos mais profundos sobre o futuro do fenômeno social e da longa tradição das feiras livres na cidade e, possivelmente, em todo o Brasil – ano a ano tais locais perdem espaço para outros atores, tradicionalmente supermercados. Simultaneamente, a insegurança alimentar no Brasil se agrava, já atingindo mais da metade da população, segundo Galindo et. al. (2021). Pode-se dizer, inclusive, que grande parte dos beneficiados pelo Auxílio Emergencial utilizaram-no para compras de itens essenciais, como gêneros alimentícios frescos, tendo-se em vista os relatos dos feirantes de aumento das vendas, ao menos durante a primeira rodada do auxílio. Esse fenômeno, combinado a outros relatos de diversos players da cadeia, fundamenta a percepção de que as feiras atingem classes menos favorecidas com maior força que outros canais de vendas. Neste contexto, a iniciativa vincula-se a uma ampla e aprofundada pesquisa acadêmica financiada pela PUC Minas, que busca identificar as mudanças na oferta e demanda de FLV no Brasil e, especialmente, em Poços de Caldas e região, em face dos desafios impostos pela pandemia de COVID-19. Em junho, a pesquisa originou um projeto de negócio social, Horta Net, que está sendo incubado no programa PUCTec Indoor da universidade; em agosto as ações e resultados preliminares do projeto de negócio e da pesquisa convergiram com iniciativas da prefeitura local para revitalizar as feiras da cidade. Assim, a primeira frente da experiência submetida dedicou-se a investigar e atualmente está a divulgar as ações de diversos atores que atuam no aprimoramento do sistema alimentar local ou podem servir de inspirações para estes, por meio da realização de entrevistas, visitas e eventos e publicações em redes sociais. A segunda frente consistirá de um marketplace, desenvolvido pela Prefeitura de Poços de Caldas, para as feiras livres da cidade, com simultânea capacitação de pequenos produtores e varejistas em ferramentas digitais e marketing, a ser realizada em parceria com a PUC Minas e Horta Net. O grupo responsável pela Horta Net executa a coordenação das várias frentes, motivo pelo qual empresta o nome para a experiência.

Justificativa

Frente aos desafios intrínsecos das cadeias de FLV, muitos varejistas carecem de ferramentas e princípios administrativos adequados, o que acarreta baixa eficiência das atividades e baixa lucratividade do negócio (DEPONTI, 2014). Esse cenário é especialmente relevante quando se considera que a maior parte dos varejistas pertencem a classes sociais mais baixas e têm no comércio de FLV sua principal fonte de renda. Por outro lado, a insegurança alimentar no Brasil vem crescendo desde 2017/2018, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (IBGE, 2020) e, em 2020, conforme Galindo et. al (2021), 59,4% dos domicílios brasileiros relataram estar vivendo algum nível de insegurança alimentar. Pelo lado da oferta nas Ceasas (Centrais de Abastecimento), conforme relatório da CONAB (2021), houve de 2019 para 2020 uma queda de 2,85% no quantitativo comercializado e um aumento de 3,05% no valor transacionado de FLV – o que evidencia a inflação crescente dos alimentos. A análise regional também evidencia uma sensível mudança no comportamento dos preços de Frutas, Legumes e Verduras comercializadas na Ceasa de Poços de Caldas entre os anos de 2019 e 2020-21.

Objetivo

Conscientização e Capacitação dos feirantes sobre / em ferramentas digitais, marketing e vendas e sustentabilidade. Alinhamento entre oferta e demanda de frutas, legumes e verduras nas feiras livres, colaborando para reduzir desperdícios e preços. Aumento das vendas e receitas dos feirantes (produtores e revendedores). Revitalização das feiras livres locais, com impulsionamento da interação social e resgate de raízes culturais, especialmente para públicos que pouco as acessam atualmente, como jovens. Obtenção de subsídios, percepções e insights para desenvolvimento de versão replicável de marketplace para feiras de todo o país.

Metodologia

A pesquisa acadêmica foi realizada primeiramente por meio de revisão bibliográfica de periódicos, relatórios, anais de congressos e reportagens, dentre outros materiais. Posteriormente, seguiram-se entrevistas semiestruturadas, majoritariamente virtuais, com figuras-chave da cadeia de suprimentos de FLV (produtores rurais, supermercados, grandes redes atacadistas e varejistas, pequenas lojas de FLV, além de novos modelos de negócio atuantes em outras regiões). Também foram realizadas visitas presenciais nas estruturas operacionais / administrativas dos agentes. Nesta segunda fase, procedeu-se à gravação de vídeo e/ou áudio, sempre com autorização dos participantes. Os dados foram posteriormente analisados para a produção de artigos e relatórios. Em junho, derivou-se do esforço de pesquisa a proposta de um negócio social (em que a missão do negócio enfoca a solução de uma problemática socioambiental, com atividades que geram excedentes a serem sempre reinvestidos), aceito para incubação no programa PUCTec Indoor da PUC Minas. Com nome Horta Net, o objetivo é criar um marketplace para feirantes passível de replicação em todo o Brasil; simultaneamente, os esforços de divulgação da pesquisa estão sendo feitos por meio das redes sociais do projeto. Nesse contexto, as análises anteriores foram enriquecidas por meio de pesquisas de opinião via formulários com feirantes e mercado consumidor de Poços de Caldas. Assim, foi possível uma validação mais precisa da problemática local e o início da validação conceitual de um marketplace para feiras livres. O marketplace local, na forma de um site responsivo com acesso aos meios de contato dos diferentes feirantes, será lançado no próximo mês pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da Prefeitura de Poços de Caldas. Com base nas pesquisas de mercado realizadas, projeta-se que será utilizado especialmente o WhatsApp para as negociações e transações. A HortaNet contribuirá com capacitações, focadas na prática e realizadas presencialmente com grupos pequenos. Será criado também um grupo de WhatsApp para exposição e resolução de dúvidas mais comuns, explorando-se o uso de recursos multimídia diversos – principalmente vídeos.

Atores envolvidos (institucionais e/ou coletivos)

– Feirantes Produtores de Poços de Caldas – Feirantes Revendedores de Poços de Caldas – Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de Poços de Caldas (SEDET)

Estratégias

Na fase de pesquisa secundária, foram utilizadas pesquisas em portais de periódicos, plataformas de inovações, redes sociais, portais de notícias e, de forma geral, buscadores. Para a pesquisa primária, os agentes foram contatados por redes sociais, WhatsApp ou telefone e as entrevistas realizadas principalmente por vídeo-chamadas (Google Meet). Alguns agentes foram contatados por meio de um perfil criado especialmente para o negócio social, HortaNet by PUCTec. Para constituição do grupo de trabalho da pesquisa acadêmica, procedeu-se a seleção via edital dos alunos do curso de Engenharia de Produção da PUC Minas em Poços de Caldas. O grupo de negócio foi constituído por meio de chamada a interessados nas redes sociais – resultando na integração de mais 7 pessoas, incluindo o Coordenador de Fomento Rural da SEDET, Marcelo Munhoz, o que possibilitou o contato com as ações da prefeitura e o estabelecimento da parceria para esta experiência. O público-alvo dos feirantes está sendo contatado a partir das abordagens já realizadas no âmbito da pesquisa acadêmica e por meio da parceria com a SEDET. Os clientes estão sendo prospectados a partir da pesquisa de mercado realizada no âmbito do negócio; contam-se já com mais de 50 interessados para um teste piloto.

Resultados alcançados

O projeto ainda está em execução, mas os dados coletados pelas pesquisas de mercado já permitem ratificar a sua pertinência para o sistema alimentar de Poços de Caldas. Segundo o formulário de validação do problema, a maioria dos 164 respondentes adquire FLV 1-2 vezes por semana, em compras presenciais nos supermercados (seleção dos itens no local, baseados principalmente em aspectos sensoriais). Um excerto dos resultados desta pesquisa pode ser conferido em anexo. Porém, mostraram-se abertos a novas formas de aquisição dos itens e subscreveram-se para um teste do marketplace. Na pesquisa de validação do conceito, a maioria dos respondentes aceitam pagar até 10% mais por produtos que sejam provenientes de agricultura responsável e adquiridos por meio do WhatsApp, dentre outros atributos.

Considerações finais

Uma série de problemáticas se inter-relacionam no setor de alimentos frescos, proporcionando oportunidades de inovação e geração de impacto social e ambiental positivo. Com a adoção de princípios, procedimentos e ferramentas administrativas modernas (mas sempre orientadas para o Humano), incluindo uma melhor integração da cadeia e explicitação das preferências do consumidor final, pode-se iniciar um grande movimento pela revalorização dos sistemas alimentares locais. A visão de longo prazo ensejada por esta experiência – em especial pela validação de conceitos para um marketplace replicável – permitirá uma conexão mais direta, harmônica e sustentável entre quem produz e quem consome, eliminando muitos intermediários e agregando valor às ofertas de hortifrutis. Assim, o produtor e varejista receberá mais e terá orientações para proteger os recursos naturais e se profissionalizar; e o consumidor pagará menos por um produto mais fresco, saudável e conforme suas preferências. REFERÊNCIAS: CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento. “Centrais de Abastecimento: Comercialização total de frutas e hortaliças” – v.4 (2020). – Brasília: Conab, 2021. Disponível em: www.conab.gov.br/info-agro/hortigranjeiros-prohort DEPONTI, C. M. “As ‘agruras’ da gestão da propriedade rural pela agricultura familiar”. REDES – Rev. Des. Regional, Santa Cruz do Sul, v. 19, ed. especial, p. 9-24, 2014 GALINDO, E.; TEIXEIRA, M. A.; ARAÚJO, M.; MOTTA, R.; PESSOA, M.; MENDES, L.; RENNÓ, L. 2021. “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil.” Food for Justice Working Paper Series, no. 4. Berlin: Food for Justice: Power, Politics, and Food Inequalities in a Bioeconomy. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2020. Disponível em: https://www.ibge.gov.br POÇOS DE CALDAS, Prefeitura Municipal. “Coronavírus: feiras livres estão suspensas no município”. 23 de março de 2020. Disponível em: https://pocosdecaldas.mg.gov.br/noticias/coronavirus-feiras-livres-estao-suspensas-no-municipio/ POÇOS DE CALDAS, Prefeitura Municipal. “Quatro feiras livres voltam a funcionar em poços”. 1º de abril de 2020. Disponível em: https://pocosdecaldas.mg.gov.br/noticias/coronavirus-feiras-livres-estao-suspensas-no-municipio/