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Entrevista com Rafael Bengoa, assessor do Programa Obamacare, sobre a experiência do país Vasco no enfrentamento das doenças crônicas

O ex-ministro da Saúde do país Vasco, assessor do programa americano conhecido como Obamacare e professor da Universidade de Deusto/Espanha, Rafael Bengoa, foi responsável pela reforma do sistema de saúde de seu país em 2009, o qual priorizou a atenção aos pacientes com doenças crônicas (cerca de 14% da população que utiliza 50% do orçamento) conversou com a equipe do Portal da Inovação em Saúde, logo após a palestra na abertura do Conass Debate, realizada em Brasília, em maio. A conjuntura econômica do país Vasco após a crise financeira vivenciada por toda Espanha ensejou a mudança no sistema de saúde. “Tivemos que passar do debate para a ação e reformar o modelo de atenção, com mesmo orçamento. Não poderíamos enfrentar as condições crônicas com um modelo de saúde de 1970”, diz Bengoa. Ele destaca como estratégia de transformação do sistema, a gestão proativa dos crônicos, o cuidado integral e o empoderamento dos pacientes. A principal ferramenta utilizada neste modelo foi a estratificação de risco aplicada em toda população Vasca, cerca de dois milhões de habitantes, com a finalidade de proporcionar assistência adequada aos portadores de doenças crônicas. Rafael Bengoa também falou da mudança que está ocorrendo na forma de pagamento do prestador de serviço de saúde para atender o cuidado do paciente crônico.

Portal da Inovação – Quais foram as principais mudanças implementadas no sistema de saúde do país Vasco que trouxeram resultados positivos na atenção do usuário portador de doença crônica?
Rafael Bengoa – As que trouxeram mais resultados foram aquelas mudanças que estão tentado fazer algo mais estrutural no sistema, como modificar o exercício de poder que há entre os pacientes e o médico, informando os pacientes para que tenham um entendimento melhor sobre a sua doença, e criar condições para que os médicos da atenção primária e ambulatorial trabalhem melhor com os médicos dos hospitais na trajetória do paciente, para que o cuidado não seja fragmentado no sistema de saúde. Portanto, todas as mudanças que podemos fazer para alavancar o cuidado do paciente crônico no sistema, para que não seja tão fragmentado, são as práticas que trazem melhores resultados nos indicadores de saúde e também no econômico.

Portal da Inovação – Como essa experiência pode contribuir ou servir de exemplo para o sistema de saúde do Brasil?
Rafael Bengoa – Cada país que está aplicando as ferramentas do manejo de crônicas está aplicando os mesmos princípios: a integração do cuidado, fazer com que os pacientes não cheguem necessariamente às urgências, que tenham acesso a atenção primária no domicílio, pacientes que quando estão no hospital façam um bom seguimento no sistema. Todos esses processos fazem parte da gestão e podem se aplicar em qualquer modelo. Estamos aplicando em 13 países que tem modelos muito diferentes, como o espanhol, o australiano. Outra sugestão é acabar com o debate acerca da perfeição, que tenta planejar um mundo perfeito. É colocar as ferramentas em prática e aprender fazendo. Vencer a fase do debate e passar para a ação.

Portal da Inovação – Qual ferramenta que o senhor destacaria como essencial para promover a mudança no modelo de atenção?
Rafael Bengoa – A pirâmide para a estratificação de risco é fundamental. Com ela, pode-se identificar quem são os pacientes mais necessitados, aqueles com muitas doenças crônicas, outros que tem um pouco menos, outros que tem apenas uma enfermidade e a população sadia. Quando se tem estratificada a população nós podemos intervir de forma mais efetiva no grupo especial. Agora muitos países ainda não tem estratificada a população, assim como fizemos com toda a população no pais Vasco. Há estratificação de risco em populações de algumas partes da Inglaterra, Escócia, Nova Zelândia e portanto, o sistema já pode intervir de uma forma especifica, com programas especiais para cada grupos. E eu creio que seja esse o método de trabalho que proporciona a mudança de todo sistema.

Portal da Inovação – O que é a ferramenta chamada planejamento emergente (de baixo pra cima)?
Rafael Bengoa – O planejamento emergente ainda é uma ferramenta que nós aplicamos muito pouco. (…) A ciência da gestão está indicando que quando se cria condições de trabalho, onde diretores, gestores, com os médicos e a equipe de enfermagem, encontram as melhores soluções locais para seu micro mundo, são melhores do que as soluções gerais que se tem inventado de cima para baixo. Então o planejamento emergente é criar condições para que a equipe busque a inovação no seu universo e que não lhes diga o que tenha que fazer.

Portal da Inovação – O que mudou na forma de contratação do prestador de saúde no país Vasco?
Rafael Bengoa – Está mudando o modelo de pagamento em qualquer sistema, seja ele público ou privado. Está mudando o que se contrata, o que se vai pagar aos prestadores. Estão pensando se vão seguir contratando com 90% do orçamento cirurgias, internações e outros procedimentos. Porém com 10% do orçamento estão pensando em contratar algo diferente: a trajetória do paciente crônico na atenção primária, hospitalar, toda trajetória. E não importa como o prestador se organizará prestar o serviço, e sim os resultados. Se não apresentar uma trajetória contínua aos pacientes crônicos no sistema, não vão receber pelos serviços.

Conferência de Rafael Bengoa no Conass Debate – https://www.youtube.com/watch?v=3UbZz1u-a0Y&index=2&list=PLbWxzCpfF_-T4f2BJAt7PgdJhrG0iTqKh

Apresentação – http://pt.slideshare.net/CONASS/rafael-bengoa-34634358

Por Vanessa Borges, para o Portal da Inovação em Saúde

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