Os cidadãos da Andaluzia, maior comunidade autônoma da Espanha, possuem mais de uma via de acesso ao serviço público de saúde. Quando precisam de atendimento, as pessoas podem escolher entre a tradicional consulta médica e a consulta com seu enfermeiro de referência. Os profissionais de enfermagem vêm ampliando suas atribuições, como uma forma de dar resposta às transformações no perfil demográfico, epidemiológico e cultural da população.
A ampliação das competências dos enfermeiros iniciou pela Atenção Primária, que desempenha um papel estratégico no Serviço Andaluz de Saúde. Antes de ser a porta de entrada, o primeiro nível atua como ordenador de todo o sistema, que opera de maneira integrada.
Diante deste propósito de integração, os profissionais da enfermagem figuram como atores fundamentais para acompanhar o cidadão dentro do sistema. Os pacientes considerados complexos, como doentes crônicos, contam com um enfermeiro gestor de casos, que providencia o que é necessário para que o atendimento seja continuado, sem fragmentações, ainda que a pessoa transite por diferentes níveis de atenção.Saúde para todos: marco legal espanholO Serviço Andaluz de Saúde está inserido no Sistema Nacional de Saúde da Espanha, concebido para ser público, universal e gratuito.
A política de saúde que está em vigor é resultado de um processo iniciado em 1975, com a redemocratização do País, seguida de uma reforma sanitária. O direito à saúde está assegurado pela Constituição Espanhola de 1978, em vigor ainda hoje. As diretrizes nacionais são estabelecidas pela Lei Geral de Saúde de 1986.
O Sistema Nacional de Saúde tem a responsabilidade de atender toda a população espanhola, de 46,6 milhões de pessoas. Até mesmo os imigrantes ilegais – excluídos do Sistema, a partir de 2012, por causa da crise financeira – voltaram a ter direito aos serviços públicos de saúde neste ano.
O custo per capita do Sistema é de 1,5 mil euros ao ano, e os investimentos em saúde representam nove por cento do Produto Interno Bruto (PIB) da Espanha.
Como contribuintes, os espanhóis pagam o custo do Sistema, financiado com dinheiro dos impostos. Mas, na ponta, os serviços são totalmente gratuitos para todos. “A carteira de serviços abarca desde um simples resfriado ao transplante multiorgânico, e o custo a pagar pelo cidadão é praticamente zero. Independente de sua condição social ou étnica, em todas as comunidades autônomas”, salienta o diretor da área de Saúde Internacional da Escola Andaluza de Saúde Pública (EASP).
A estrutura do Sistema de Saúde reflete a organização político-administrativa descentralizada da Espanha, com suas 17 comunidades autônomas. O Ministério da Saúde, sediado em Madri, estabelece as diretrizes gerais, e as comunidades autônomas respondem pela gestão e pela provisão dos serviços de saúde.

[tabs tab_names=’Gestão da saúde na Andaluzia|APS como ordenadora do Sistema|Organização dos níveis de atenção|Ampliação de competências dos enfermeiros|Formação direcionada para estratégias de saúde pública|Defendendo os direitos dos pacientes’ style=’1′ initial=’1′]
[tab] O governo regional da Comunidade Autônoma da Andaluzia possui um Conselho de Saúde, responsável pela regulação, financiamento, gestão e provisão dos serviços. Com o maior território e a segunda maior população da Espanha – 8,3 milhões de habitantes distribuídos em oito províncias – a Andaluzia planejou sua rede de serviços para que nenhum cidadão demore mais de 30 minutos para chegar a um ponto de atendimento.
O território está organizado em Distritos Sanitários, divididos em Zonas Básicas de Saúde. Cada Zona conta com um Centro de Saúde e, em alguns casos, com consultórios satélites, onde a população é mais esparsa.
As unidades de atenção familiar geralmente são formadas por um médico e um enfermeiro, responsáveis pela saúde de um grupo pré-definido de pessoas. O trabalho é voltado para a saúde da família e da comunidade, visando ao cuidado integrado, com um enfoque que contempla não só a condição clínica, mas também aspectos psicológicos e sociais da pessoa.
A diretora da Estratégia de Cuidados da Andaluzia, a enfermeira Nieves Lafuente Robles, ressalta o papel do profissional de enfermagem nas equipes que atuam junto às famílias, promovendo o cuidado e reduzindo o consumo excessivo de medicamentos. “Nossa sociedade aprendeu a consumir fármacos para determinados problemas que não deveriam estar sendo tratados com fármacos. Desde que o enfermeiro foi incorporado à equipe de saúde do cidadão, as respostas relacionadas com o cuidado, como a prática de exercício físico, a alimentação saudável, são obtidas com apoio da enfermagem”, comenta. Na avaliação de Nieves, é importante que o cidadão tenha um enfermeiro de referência, que possa ajudá-lo em seu cuidado e autocuidado, ao invés de ter somente a visão médica. Esta proximidade entre o enfermeiro e o paciente permite a tomada de decisões baseadas em uma visão integral do caso, na opinião da Diretora.
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[tab] O Serviço Andaluz de Saúde é estruturado a partir da atenção primária. Cada cidadão possui um cartão de identificação junto ao Sistema e tem seu próprio médico e seu enfermeiro de família. São estes profissionais que encaminham o paciente para os outros níveis de atenção, quando é necessário, exceto nos casos urgentes.
Os gestores de saúde da Andaluzia percebem que a atenção primária está evoluindo, para responder às novas dinâmicas do Sistema. O subdiretor Médico da Área Sanitária Norte de Málaga, Andrés Foltalba Naves, lembra que, no passado, a atenção primária era vista como algo à parte da atenção hospitalar, e o paciente percorria cada nível como se estivesse em sistemas diferentes. “No modelo de atenção integrada, temos que prover a cada pessoa o cuidado que necessita naquele momento. Partimos de um modelo centrado no hospital e fomos para um modelo centrado na pessoa, no paciente e no caso particular”, compara Naves.
Diante desta mudança, na Andaluzia, a concepção da atenção primária como porta de entrada do sistema, de certa forma, foi superada por um conceito mais recente, que atribui uma relevância ainda maior para este primeiro contato com os usuários, como observa Naves: “A atenção primária, antigamente, era vista como uma porta de entrada à saúde. Hoje, com o modelo de atenção sanitária integrada, concebemos a atenção primária como o salão principal”.
No modelo adotado na Andaluzia, a atenção primária é o eixo ordenador do sistema, onde se dirige a atenção fundamental aos problemas de saúde da pessoa. A coordenadora da Unidade Técnica Capacidades Humanas para a Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) Brasil, a médica Monica Padilla, destaca esta característica como um diferencial do modelo Andaluz. “O sistema de saúde espanhol e andaluz, especificamente, incorporou esses elementos da atenção primária para poder garantir uma resposta organizada à saúde da comunidade. Nós observamos, aqui, a atenção primária não como a porta de entrada, mas como ordenadora dos pacientes, em um movimento muito dinâmico”, avalia Padilla.
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[tab] O atendimento hospitalar da Andaluzia é diferenciado de acordo com a complexidade do cuidado necessário para atender à demanda dos pacientes. Os centros hospitalares de alta resolução possuem de 15 a 50 leitos; os hospitais comarcais têm entre 100 e 300 leitos; os hospitais regionais dispõem de todas as especialidades da medicina.
O Hospital de Alta Resolução (HARE) de Guadix, um pequeno município da província de Granada, é um dos 14 hospitais que vêm sendo implantados seguindo um novo modelo administrativo na Andaluzia. O hospital é público, mas está vinculado a uma agência. Esta figura jurídica foi criada para deixar a administração mais flexível, facilitando a compra de materiais e a contratação de pessoas.
Como hospital de alta resolução, a principal característica do centro é ter um circuito administrativo ágil e diminuir a lista de espera. As internações não duram mais que 72 horas. Os casos mais complexos são encaminhados para centros de níveis superiores de especialização. Jorge Núñez Olea, diretor assistencial do HARE Guadix, explica que o atendimento é voltado à população que vive distante dos grandes centros urbanos. “O objetivo do hospital é aproximar esta pessoa da assistência, com o mínimo de visitas possível. Porque sabemos que esta população tem problemas para aceder ao hospital. Havia pessoas que, pela distância, não procuravam atendimento quando necessitavam. Esta população, ao ter o recurso aqui mais próximo, começa a utilizar o serviço de saúde”, revela o dirigente.
Para reduzir os deslocamentos, o HARE criou o Ato Único, uma modalidade em que todos os procedimentos necessários para resolver o caso de um paciente são realizados no mesmo dia.
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[tab] Ao longo do tempo, o sistema Andaluz de saúde evoluiu para responder às mudanças no perfil demográfico e epidemiológico. As pessoas passaram a viver mais, a quantidade de idosos cresceu, e aumentaram também as doenças crônicas. Os cidadãos, hoje, são corresponsáveis pela própria saúde e, além de direitos, possuem deveres perante o Sistema. Entre eles, está o de cumprir as prescrições dos serviços de saúde.
Os profissionais de enfermagem desenvolveram novas habilidades, ampliando as competências na Atenção Primária à Saúde. Este protagonismo acontece por meio de projetos que, no Serviço Andaluz de Saúde, são chamados Competências Avançadas para Enfermeiros. Na atenção primária, os enfermeiros dividem a gestão clínica e do cuidado com os médicos de família.
O enfermeiro Daniel Moreno San Juan, subdiretor de Enfermagem da Área Sanitária Norte de Málaga, reconhece a necessidade de avançar nos marcos normativos, regulamentando esse novo papel protagonizado pelos enfermeiros. “Começamos a fazer intervenções que ainda não estão contempladas em nosso estatuto, e devemos fazê-lo de maneira ordenada, negociando, sobretudo porque os colegas médicos, com os sindicatos médicos, muitas vezes veem como se estivessem perdendo uma área de influência de trabalho”, alerta San Juan. Entretanto, segundo o subdiretor, na rotina diária, não há conflitos na divisão de tarefas entre médicos e enfermeiros. “Estas tensões não existem, já que há uma visão muito centrada no paciente, onde médico e enfermeiro trabalham conjuntamente, e distribuem as tarefas para serem muito mais eficientes no tratamento com seu paciente e sua comunidade”, afirma San Juan.
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[tab] A Escola Andaluza de Saúde Pública, com sede em Granada, oferece formação para os profissionais do Sistema, direcionando a capacitação para o cumprimento dos objetivos e das políticas definidas pelo governo. Em relação à ampliação das competências dos enfermeiros, a Escola atua no desenvolvimento da estratégia de cuidados, oferecendo formação continuada às equipes.
Um dos projetos que nasceram com o apoio da Escola é a Gestão de Casos pelos Enfermeiros. O projeto cresceu e se consolidou a partir de um grupo de trabalho, coordenado pela professora da área de Saúde Internacional, Elena Gonzalo Jiménez. “Primeiro, desenhamos esse projeto a partir de uma consulta à população. Depois, realizamos estudos para avaliar seus resultados”, conta a professora.
A inovação surgiu de uma necessidade da sociedade e das habilidades disponíveis entre os profissionais da enfermagem.
Ao perguntar o que os cidadãos da Andaluzia queriam, uma pesquisa apontou que as pessoas desejavam ser tratadas em suas casas, sempre que possível, recebendo um atendimento personalizado, abrangente e seguro. Os pacientes também estavam preocupados com a saúde dos seus cuidadores – as pessoas da família, que acabavam sobrecarregadas com os cuidados domiciliares.
Em resposta, em 2002, foi introduzida a gestão de casos na atenção primária da Andaluzia, no Marco das Estratégias de Melhora da Atenção Domiciliar. Nos anos seguintes, a modalidade foi implantada também nos hospitais. O paciente passa a ter um enfermeiro responsável pelo seu caso, cuidando para que não haja fragmentação no cuidado e providenciando todos os recursos que o Estado deve oferecer para o tratamento. O objetivo é garantir a continuidade da atenção a pessoas com problemas de saúde complexos.
O diretor da Unidade de Gestão de Casos do Distrito Sanitário de Málaga, Juan Carlos Morilla Herrera, observa que o paciente complexo pode ser conceituado de diferentes maneiras a nível internacional, considerando sua complexidade do ponto de vista da comorbidade, do ponto de vista social, ou do ponto de vista do tratamento. “Nós estamos optando por um paciente que possa se beneficiar da gestão de casos. Os pacientes que possam receber os serviços de forma continuada, que possam reduzir os reingressos ao hospital e que possam ter uma mortalidade menor que a esperada”, explica Herrera.
Madalena Cuevas Fernández é enfermeira comunitária e trabalha como gestora de casos no Distrito Sanitário de Málaga desde 2002. Ela conta que, algumas horas por dia, atende a consultas no centro de saúde, mas a maior parte da jornada acontece no domicílio dos pacientes ou nos hospitais, nos casos de internação.
Segundo Fernández, o paciente não é tratado de forma individualizada, e sim no contexto familiar. “Este paciente, que antes estava perdido em um sistema sanitário muito complexo, com muitos provedores, em que não nos comunicávamos uns com os outros, enfrentava situações enormes de descontinuidade. Às vezes, duplicávamos a informação, outras vezes a esquecíamos e, inclusive, havia vezes que nos contradizíamos uns com os outros. Eu creio que a gestão de casos deu ao paciente e ao sistema a ferramenta para tentar dar continuidade ao cuidado e evitar a fragmentação”, opina.
Madalena demonstra entusiasmo quando se refere ao seu trabalho. Apesar de estar há 16 anos em um cargo de gestora, diz que nunca deixou se sentir e agir como uma enfermeira comunitária. “Agora, eu realizo a gestão de casos, mas sou uma enfermeira comunitária, trabalho com a comunidade. A família, a promoção, a prevenção, para mim, isso é fundamental”, ressalta a enfermeira.
Os resultados publicados demonstram que a gestão de casos melhora a funcionalidade dos pacientes e diminui as visitas dos cuidadores aos centros de saúde, o que aumenta a satisfação dos cidadãos. Os gestores de casos também identificam problemas sociais e encaminham as pessoas para outros profissionais, quando é necessário.
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[tab]Entre as competências do enfermeiro gestor de casos, que constam nos manuais, está a proteção dos direitos dos pacientes frente ao Estado. Assim, este profissional representa os interesses do cidadão perante o sistema de saúde, como ressalta Elena Gonzalo Jiménez. “A gestão de casos está no marco de uma ampliação do direito à saúde das pessoas. Já que completa, em alguma medida, os direitos que já gozam em nossa comunidade. A atuação do enfermeiro gestor de casos está relacionada a um dever que nosso Sistema de Saúde tem, o de garantir a continuidade da atenção. Quer dizer, a essência da gestão de casos é ajudar o paciente a navegar pelo sistema e a ter o que necessita, no momento em que necessita, contando que haja um sistema necessariamente fragmentado, mas que responde como sendo único”, conclui a professora da Escola Andaluza de Saúde Pública.
Na Andaluzia, há estudos comprovando o resultado da ampliação de competências dos enfermeiros na saúde da população. As pesquisas apontam melhora no acesso ao serviço, continuidade no atendimento, redução do tempo de espera, maior adesão ao tratamento e níveis maiores de satisfação.
Pode-se dizer que a ampliação das competências dos enfermeiros amplia também a proteção à saúde por parte do Estado. O cuidado, que é uma atribuição dos enfermeiros, não encerra com a cura de uma doença. É um processo longo, relacionado à promoção da saúde durante toda a vida do cidadão.
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