A edição de julho da Revista BMJ Saúde Global publica uma análise que alerta para o risco reversão das conquistas propiciadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a ampliação das desigualdades em saúde no Brasil, prejudicando a cobertura universal em saúde e agravando a pobreza. O cenário, diz o estudo, é consequência da combinação das crises econômicas e políticas e das medidas de austeridade fiscal de longo prazo, iniciadas em 2015 e reforçadas em 2016 com a aprovação da Emenda Constitucional n. 95, que congela os investimentos públicos federais por 20 anos, a partir de 2018.
O estudo reconhece que desde os anos 2000 o Brasil obteve avanços significativos no sentido da Cobertura Universal de Saúde – meta das Nações Unidas para o desenvolvimento global até o ano de 2030. De 2000 a 2014, o gasto total com saúde subiu de 7,0% para 8,3% do PIB e a cobertura populacional com a Estratégia Saúde da Família subiu de 7,6% para 58,2%, com melhorias na saúde da população. Entretanto, fragilidades estruturais do SUS não foram resolvidas, como a ineficiência na alocação de recursos estratégicos, fragilidades na organização da atenção à saúde e escasso financiamento público. O Brasil tem uma das menores proporções de gastos públicos em relação aos gastos totais com saúde (46,0%) comparado com a média de países da América Latina e Caribe (média 51,28%), de renda média alta (55,2%) e da OCDE Organização Cooperação e Desenvolvimento Econômico (62,2%).
A publicação alerta que se não forem revertidas as medidas de austeridade, o Brasil poderá enfrentar graves crises de saúde pública, com severo retrocesso nas melhorias obtidas relação aos indicadores de saúde, como a redução da mortalidade infantil. Desde 2015, houve uma redução média de 6,3% nas despesas per-capita alocadas pelos municípios para o SUS, exacerbando o subfinanciamento e a escassez de recursos no sistema de saúde, levando à escassez de medicamentos básicos, piora nas condições de trabalho e escassez de profissionais em unidades de saúde pública. Outro cenário futuro apontado pelos pesquisadores é de ampliação da segregação social em saúde, levando a um sistema tripartite, sendo um SUS financeiramente esgotado atendendo aos pobres, planos privados de “cobertura limitada” voltado para a classe média e outro sistema privado com acesso a melhores tecnologias para a população abastada.
Segundo o estudo, “embora o impacto de longo prazo da crise e das medidas de austeridade ainda não tenha sido totalmente revelado, os efeitos adversos sobre o SUS e desigualdades na saúde provavelmente serão mais intensos no Brasil do que foi experimentado em países com alta renda que optaram pela austeridade”. Para inverter essa situação, o pesquisador da universidade de Harvard, Adriano Massuda, recomenda fortalecer a resiliência do SUS. “Observa-se uma cascata de eventos decorrentes de crises econômicas. O aumento de desemprego e pobreza ampliam a carga de doenças e a demanda por serviços de saúde. É preciso, portanto, reforçar investimentos e aperfeiçoar a alocação de recursos estratégicos para que o sistema de saúde possa absorver esse impacto. Infelizmente, o que se observa é que o Brasil atualmente está caminhando no rumo contrário, com redução de gasto público e investimento privado em serviços com baixo retorno na melhoria das condições de saúde da população, como planos privados de cobertura restrita e clínicas populares.”
A análise considera o contexto que possibilitou a expansão do SUS a partir de 2000, as crises econômicas e políticas que se iniciaram em 2014, as políticas de austeridade fiscal e o impacto de choques externos e internos no SUS, como aumento da pobreza, desemprego e redução de medidas de proteção social. Além da revisão de literatura, os pesquisadores analisaram políticas e dados secundários de fontes do governo do Brasil para examinar mudanças no financiamento da saúde, cobertura de serviços de saúde e recursos para a saúde, além do efeito das crises econômicas e políticas sobre o SUS e a saúde da população no Brasil.
O estudo foi feito por pesquisadores da Universidade de Harvard, Adriano Massuda, Marcia Castro e Rifat Atun, em parceria com o pesquisador Thomas Hone, da Imperial College London, e com o consultor internacional da OPAS no Brasil, Fernando Leles.
Acesse o artigo aqui-(https://gh.bmj.com/content/3/4/e000829)