A Rede Colaborativa Brasil de Pesquisas em Dados Clínicos é responsável pelo maior volume de envio de dados anonimizados de pacientes com COVID longa (ou pós-COVID) e Mpox para as plataformas clínicas globais da Organização Mundial da Saúde (OMS). A afirmação foi feita pelo assessor do Departamento de Evidência e Inteligência para a Ação em Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde, em Washington, Ludovic Reveiz, que participou do Seminário Contribuições ao SUS e à Plataforma Clínica da OMS: resultados dos estudos multicêntricos retrospectivos sobre casos de pós-COVID e sobre a emergência de Mpox no Brasil, realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA, em dezembro. “O Brasil, com apoio da OPAS e do Ministério da Saúde, abraçou o projeto das plataformas globais da OMS e hoje é destaque no envio de informações clínicas e epidemiológicas de pacientes com COVID-19, COVID longa e Mpox. A estratégia de usar a Inteligência Artificial para levantar as informações é inovadora”, ressaltou Reveiz.
A Rede Colaborativa Brasil, que reúne quase 80 instituições de ensino, pesquisa e saúde, apresentou os resultados dos estudos realizados ao longo de dois anos sobre a prevalência da COVID longa em diversos grupos populacionais, destacando a importância do Sistema Único de Saúde para a população brasileira. A COVID longa pode gerar incapacidades, reduzindo a renda do indivíduo e da família, acentuando as desigualdades socioeconômicas e de saúde, além de impactar o sistema de saúde devido às necessidades de cuidados mais prolongados.
Sobre a emergência internacional de Mpox, o estudo retrospectivo da Rede Colaboradora analisou em profundidade cerca de 20% (2.256) dos casos ocorridos no país, detalhando aspectos clínicos e epidemiológicos da doença. O Brasil ficou em 2º lugar na Américas em casos notificados, atrás apenas dos Estados Unidos. O vírus da Mpox ainda circula em vários países, inclusive no Brasil, e apresenta aumento de notificações em países da Europa atualmente. Pesquisadores brasileiros alertam para possível aumento de casos com a chegada das festas de fim de ano e carnaval.
Resultados dos estudos sobre COVID longa
A Rede Colaborativa Brasil analisou 193.507 prontuários clínicos de pacientes com COVID-19, de cinco instituições públicas do Sistema Único de Saúde (SUS), para identificar aqueles que apresentaram sinais e sintomas da COVID longa, após 30 a 180 dias do diagnóstico da COVID-19. Participaram dos estudos o Grupo Hospitalar Conceição de Porto Alegre; a Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis; a unidade de saúde Santa Cecília de Porto Alegre; pacientes monitorados pelo telessaúde em Belo Horizonte via Universidade Federal de Minas Gerais e pacientes infantis atendidos no Hospital da Criança de Brasília/DF. Cada instituição desenvolveu o seu estudo contabilizando os pacientes de COVID longa atendidos no período de no mínimo dois anos, a partir do preenchimento de formulários solicitadas pela OMS para alimentar o banco de dados global.
Dentre o total de casos de COVID-19 analisados, 13.077 pacientes apresentaram pelo menos um sintoma de COVID longa, variando a prevalência entre cada instituição de 5% a 7% de pacientes que tiveram a COVID-19. O estudo aponta ainda que as mulheres foram as mais afetadas pela COVID longa, e a faixa etária média encontrada foi entre 40 a 50 anos. Os sinais e sintomas de COVID longa variaram entre os grupos de pesquisa da Rede Colaborativa, sendo que os principais relatados no acompanhamento foram fadiga/mialgia (entre 0,5 a 5,6%), dor de cabeça (entre 0,8 a 2,51%), sintomas do trato respiratório superior (0,84 a 7,2%), alterações neurológicas (0,06 a 15,5%) e de trato digestivo (0,2 a 1,0%). Em breve, a OPAS e o Ministério da Saúde vão lança a publicação com os resultados das pesquisas.
O estudo conduzido na Unidade Básica de Saúde – UBS Santa Cecília do Hospital das Clínicas de Porto Alegre apontou o impacto da COVID longa na Atenção Primária à Saúde. Os 86 pacientes com sintomas de COVID longa geraram 602 consultas na UBS, uma média de 7 consultas por indivíduo, após o diagnóstico da COVID-19. Estudos posteriores com triangulação de banco de dados poderão analisar o impacto na atenção especializada, já que nessa amostra, foram 21 consultas na fisiatria, sendo 10 do mesmo paciente.
Já no estudo conduzido pela gerência de Vigilância Epidemiológica da SMS de Florianópolis, foram utilizados como fonte de dados os prontuários eletrônicos dos residentes na rede de atenção à saúde, no período de março de 2020 a 5 de maio de 2023. O estudo identificou 188.493 casos de COVID-19 afetando 170.844 pessoas. Foram notificados 17.649 casos de reinfecção de COVID-19 ou COVID longa, sendo que 12.615 tiveram acompanhamento pelo serviço público municipal e os demais possivelmente na rede privada.
O estudo do Grupo Hospitalar Conceição – GHC mostra também a importância da atenção primária no enfrentamento da pandemia. Com 12 UBS e 39 equipes de saúde da família, a APS do GHC atende cerca de 105 mil pessoas. O estudo realizado pelo GHC mostra que, no período de março de 2020 a dezembro de 2022, as equipes das UBS realizaram 63 mil atendimentos para 27 mil pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus (CIDs B342 e CID B349), sendo que 24 mil pacientes já tinham cadastro no serviço de saúde comunitária do GHC, e estes últimos computaram 50 mil atendimentos no período. O estudo ainda apresenta os dados dos atendimentos prestados por profissionais que compõem a equipe de saúde e a análise dos problemas de saúde (30 diagnósticos mais frequentes) informados nos prontuários eletrônicos nos anos de 2019 a 2022.
O estudo do Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB) analisou os prontuários eletrônicos de 481 crianças atendidas no hospital com COVID-19, no período de março de 2020 a março de 2023. O público atendido rotineiramente são crianças e adolescentes com condições raras, crônicas e complexas de saúde. A média de tempo de internação por COVID-19 foi de 15,44 dias e as complicações agudas mais frequentes foram as infecções e a Síndrome Respiratória Aguda Grave. A maioria dos pacientes atendidos no HCB manifestou quadro leve de COVID-19 e cerca de 27% apresentaram casos severos e críticos de COVID-19. Foram 186 admissões na UTI e todos requereram suporte com oxigenoterapia, sendo que 43% foram submetidos à ventilação invasiva. O estudo também identificou a presença de outros vírus que acometeram o trato respiratório das crianças internadas com COVID-19, porém a infecção bacteriana representou a complicação clínica mais prevalente (45% dos pacientes). Do total da amostra (481 pacientes), 39 crianças foram à óbito, sendo 20 durante a COVID-19. Os pesquisadores do HCB avaliaram ainda 47 sintomas potencialmente associados com a COVID longa nesses pacientes, que foram agregadas em cinco grupos: sintomas psicológicos, sensorial, neurológico, pulmonar e dermatológico. Febre, tosse seca, fadiga, convulsões e erupção cutânea foram as variáveis mais prevalentes.
Características da Mpox no Brasil
Durante o seminário, foi lançada a publicação “Estudo Multicêntrico de Análise Clínico-Epidemiológica da Mpox no Brasil: Contribuições ao Sistema Único de Saúde e à Plataforma Clínica Global da OMS” que reporta as análises clínicas e epidemiológicas de 2.256 casos confirmados de Mpox, ocorridos durante a Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (2022-2023), o que representa 20% do total de casos reportados pelo país para a OMS. O Brasil foi o segundo país em número de casos de Mpox nas Américas, depois dos Estados Unidos.
O estudo da Rede Colaborativa envolveu instituições de saúde de todas as regiões do país, incluindo estados com elevados índices de notificação dos casos de Mpox, em especial concentrando percentual relevante nas capitais. Dessa forma, os dados coletados são referentes a casos notificados e confirmados nos estados de São Paulo, Ceará e Amazonas, e nas capitais Belo Horizonte, Goiânia, Florianópolis.
Entre os resultados do estudo sobre a emergência, a população mais vulnerável para Mpox é de homens que fazem sexo com homens (HSH), na faixa etária economicamente ativa com mediana de 32 anos. Quanto aos sinais e sintomas, os registros apontam para maiores frequências de lesões de pele ou mucosa, seguido de linfadenopatia, febre, cefaleia e mialgia. Na literatura internacional as manifestações clínicas predominantes são semelhantes às observadas no presente estudo. No que diz respeito à localização das lesões, houve predomínio da região genital.
Apesar da doença apresentar baixa gravidade e letalidade, a OMS recomenda o monitoramento da Mpox devido às possíveis evoluções do vírus. Os pesquisadores identificaram uma possível interação entre as infecções de Mpox e HIV, com uma elevada prevalência de infecção pelo HIV entre os casos confirmados de Mpox.
Os pesquisadores também alertam para a divulgação das medidas de preventivas no período de festas de finais de ano e do carnaval, visto que a Mpox é transmitida no contato direto com os fluidos sexuais ou por exposição respiratória.
Uso da Inteligência Artificial
Pesquisadores da Rede Colaborativa Brasil contaram com inteligência artificial para extrair, armazenar e aperfeiçoar a leitura de dados clínicos e laboratoriais dos pacientes internados por COVID-19 no Brasil e para identificar os pacientes com COVID Longa. A ferramenta organizou uma central de dados clínicos anonimizados (chamado de data hub), provenientes de guias de internações, e de dados clínicos não estruturados, como os prontuários clínicos dos pacientes. O programa piloto foi desenvolvido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Hospitais Universitários da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e Hospital Conceição de Porto Alegre (GHC).
A solução digital permitiu que o Brasil contribuísse de forma automatizada com as Plataformas Clínicas Globais da OMS, com envio dos primeiros relatórios das internações por Covid-19 entre 2020 e 2021 e agora em 2023, com informações da COVID Longa. A curadoria científica do data hub é feita por pesquisadores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), EBSERH e GHC, que apontaram quais informações clínicas e terapêuticas deveriam ser representadas por um conjunto de variáveis clínicas para a leitura do software. Os desenvolvedores da ferramenta digital e os pesquisadores do HCPA, EBSERH e GHC querem ampliar o escopo do software para que ele identifique os custos econômicos das internações. Sem a automatização da transferência dos dados clínicos, o envio das informações para a OMS seria realizado por planilhas produzidas manualmente, como fizeram outros países.
A governança de dados da Rede Colaborativa Brasil está a cargo do HCPA. Pesquisadores do Hospital revisaram cerca de 40 mil prontuários de pacientes adultos internados com COVID entre março de 2020 e dezembro de 2022, e os compararam com os códigos numéricos gerados via Inteligência Artificial. Depois da conferência, foi criada uma planilha eletrônica, que permitiu a análise quantitativa dos dados. Com isso, foi possível extrair informações como as complicações que acometeram os pacientes confirmados de COVID que manifestaram sintomas no pós-COVID.
Abertura o Seminário
Na abertura, a diretora-presidente do HCPA, Nadine Clausell, afirmou que a colaboração entre setor público de saúde e a academia consegue ofertar os melhores resultados para os pacientes do SUS no país. Já o diretor do Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de Urgência do Ministério da Saúde, Nilton Pereira Junior, reforçou a necessidade de fortalecimento dessas experiências no SUS, afirmando que a atuação do MS no combate ao vírus da Covid-19 deve se pautar pelas evidências científicas. Também participaram da abertura a assessora OPAS/OMS, Rosane Mendonça, e o pesquisador Fernando Anchau, coordenador da Rede Colaborativa e médico do Grupo Hospitalar Conceição.
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