APS e mortalidade em crianças menores de 5 anos

Qual é a contribuição dos componentes da Atenção Primária à Saúde (APS) e seus mecanismos para a redução da mortalidade em crianças menores de cinco anos no Brasil? Esta é a pergunta de pesquisa que guiou o estudo desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em APS do Cidacs (CIDACS-APS).

Em 2021, aproximadamente cinco milhões de crianças morreram antes de completarem cinco anos de idade. Desse modo, esse desfecho de saúde deve ser investigado globalmente, compreendendo as diferentes causas de óbitos e os mecanismos que as influenciam. Algumas dessas mortes são potencialmente preveníveis por ações realizadas no âmbito da APS. Embora a APS tenha alcançado altas coberturas populacionais no Brasil, sua implementação nas últimas décadas tem sido desigual, com marcantes diferenças na qualidade dos serviços oferecidos à população. Esse desafio motivou o desenvolvimento do Programa Nacional para a Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), um programa público federal, iniciado em 2011, que realizou uma avaliação da qualidade da estrutura das unidades de saúde da APS e dos processos de trabalho desenvolvidos pelas equipes que trabalhavam nesses estabelecimentos. Destacamos que a APS é uma intervenção complexa e uma política pública de larga escala, que é afetada pelo contexto de sua implantação. Sendo assim, seus efeitos podem ser extremamente heterogêneos, representando um fenômeno que precisa ser corretamente compreendido.

Nesse cenário desafiador para avaliação de uma intervenção complexa, como a APS, utilizamos uma série de metodologias e dados disponíveis no Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia). Através de um complexo processo de linkage de dados administrativos, o Cidacs criou duas grandes coortes populacionais: a Coorte de 100 Milhões de Brasileiros – que atualmente contém dados de mais de 130 milhões de indivíduos registrados no Cadastro Único entre 2002 e 2018; e a Coorte de Nascimentos do Cidacs – que inclui dados de mais de 30 milhões de crianças nascidas vivas entre 2001 e 2018, cujas mães estavam incluídas na Coorte de 100 Milhões de Brasileiros. Adicionalmente, graças às bases de dados do Programa Bolsa Família e do PMAQ-AB foi possível identificar em quais unidades de APS cada criança da Coorte de Nascimentos acessa serviços de saúde.

A disponibilidade desses dados, juntamente com abordagens teóricas e metodológicas desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa em APS do Cidacs (Cidacs-APS), facilitou o desenvolvimento de um robusto modelo teórico da APS, destacando importantes componentes que afetam a saúde materno-infantil, e possibilitando quantificar seus efeitos na mortalidade em crianças menores de cinco anos.

Alguns achados inovadores desta pesquisa:

  • O componente de Planejamento e Organização foi o mais importante entre todos os blocos estruturantes na determinação da qualidade dos serviços de saúde materno-infantis oferecidos no âmbito da Atenção Primária à Saúde;
  • Dentre os componentes relacionados à oferta de serviços, uma maior qualidade da atenção à Saúde da Criança esteve fortemente associada à menor mortalidade em crianças menores de cinco anos e em crianças de 1-59 meses. No entanto, não influenciou a mortalidade neonatal. Esses resultados foram observados considerando toda a população do estudo e no subgrupo formado pelos indivíduos residentes nos municípios de maior privação material (mais vulneráveis);
  • Com base em uma abordagem de predição condicional, a melhoria da qualidade do componente Planejamento e Organização, influenciando ações de atenção à Saúde da Criança, poderia potencialmente reduzir em 5,7% a mortalidade em menores de cinco anos. Utilizando essa mesma metodologia, ao simular essa melhoria concomitante em todos os componentes estruturantes da APS, a redução predita da mortalidade alcançou 41%.

Confira aqui o sumário-executivo completo que descreve o desenvolvimento de um modelo teórico e analítico, fontes de dados utilizados e os métodos escolhidos na condução da pesquisa. 

Assista o vídeo em inglês

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