Acesso de populações vulneráveis promove a equidade na APS

Experiências finalistas do Prêmio APS Forte no SUS demonstram como é possível colocar em prática a integralidade, promovendo a equidade e reforçando o princípio da universalidade do Sistema Único de Saúde. Nesta quinta-feira (17/03), durante a live destinada a conhecer as iniciativas finalistas no Eixo 2 – Integralidade e Equidade, foram apresentados os relatos das secretarias municipais de saúde de Porto Alegre-RS e Jaboatão dos Guararapes – PE, e da secretaria de saúde do Distrito Federal.

A analista técnica de políticas sociais Aline Ludmila de Jesus, que é servidora da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, atuou como debatedora durante o seminário virtual. Aline destacou, nas iniciativas apresentadas, o compromisso com os princípios do SUS e o esforço de fortalecer a equidade enquanto exercício de promoção da justiça social. “As experiências mostram não somente como as populações acessam os serviços de saúde, mas como os serviços de saúde chegam até essas populações. É um esforço, não resignado, de ampliar o acesso das populações que estão em situação de vulnerabilidade social. Todas as experiências do Prêmio APS Forte, mesmo as que não tenham ficado entre as finalistas, mostram o empenho de profissionais de saúde que trabalham diretamente na ponta, com a população, em ampliar o acesso à saúde, fortalecer a continuidade do cuidado das populações, sobretudo se considerarmos as populações que estão em situação de vulnerabilidade social”.

O oficial especialista em Serviços de Saúde da OPAS/OMS Brasil, Fernando Leles, moderador da live, explicou que o Prêmio APS Forte no SUS tem três objetivos principais. “O primeiro é identificar boas práticas, experiências exitosas e inovadoras na APS e reconhecer o trabalho dos profissionais de todo o país, por seu compromisso com a saúde. O segundo objetivo é nos ajudar na reflexão sobre as políticas de saúde na Atenção Primária do país. Como estas políticas vêm sendo implantadas nos distintos territórios, a partir das diretrizes que são feitas e que precisam ser adaptadas às realidades, para tornar a política cada vez mais eficaz. Este processo é retroalimentado por esta iniciativa da APS Forte. O terceiro objetivo é disseminar estas experiências exitosas, inovadoras, para que haja uma cooperação horizontal também entre o conjunto de equipes em todo o país”.

Entre 1.151 iniciativas inscritas, foram selecionadas doze finalistas, que estão sendo apresentadas ao longo do mês de março, em uma série de quatro lives transmitidas pelo Portal da Inovação na Gestão do SUS.

 

Brasília – DF

Quartas Transexuais: a atuação da equipe de saúde prisional no atendimento a pessoas LGBTQIA+

O relato da psicóloga Aline Xavier, que atua na UBS 15 da penitenciária feminina do Distrito Federal, apresentou o trabalho desenvolvido pela equipe multidisciplinar de Saúde da Família junto a transexuais encarceradas. A apresentação iniciou com uma contextualização da transexualidade no Brasil, conhecido como o país que mais mata transexuais no mundo. “No presídio, a atuação da equipe multiprofissional de saúde é extremamente necessária, porque a população prisional é vista como o fim da linha das políticas públicas. São pessoas que, em sua grande maioria, estão em situação de vulnerabilidade social. Mais de 60% da população carcerária no Brasil é composta por pessoas pardas e negras. Estamos falando de um grande balaio de vulnerabilidades”.

O projeto iniciou a partir de um mutirão junto às presas que ficam na ala destinada às transexuais na penitenciária feminina. A primeira pessoa transgênero foi acolhida em 2020. Hoje, há 55 mulheres e oito homens transexuais em atendimento. “O mutirão criou corpo, e hoje temos um projeto de atendimento, conhecemos as internas pelo nome, quais têm determinados agravos, tanto de saúde física quanto mental. Isso não teria acontecido sem a colaboração da polícia penal. Houve um processo de mudança de cultura institucional dentro do presídio”, contou Aline.

Entre os resultados, está o mapeamento do adoecimento de toda a população carcerária da penitenciária feminina do DF. Com isso, houve diminuição da disseminação de doenças. Aline salientou a mudança de cultura organizacional. “Inicialmente, havia medo de toda a organização dentro da penitenciária. Muitas vezes, as pessoas do núcleo de saúde tinham que sair para atender nos blocos. Graças às parcerias com os profissionais de saúde e policiais, hoje o atendimento é feito da mesma forma que o das pessoas cisgênero.”

O projeto ainda trouxe outros avanços, como a redução de briga nas celas, melhora de comportamento e diminuição do uso de psicotrópicos.  Segundo o relato, quando chegava na penitenciária, 80% da população trans usava algum psicotrópico. Após a avaliação da equipe, esse quantitativo caiu para 3,5%.

 

Jaboatão dos Guararapes – PE

Saúde nos terreiros como estratégia de promoção da equidade, integralidade e valorização dos saberes tradicionais

 

O enfermeiro Danilo Martins, coordenador de saúde da população negra e LGBT de Jaboatão dos Guararapes -PE, relatou a experiência do Núcleo de Atenção Integral à Saúde da População Negra (NSIPN) do município, na promoção de ações de saúde e cidadania nos terreiros de matriz africana.

O coordenador trouxe dados para demonstrar como o racismo, as desigualdades étnico-raciais e a intolerância religiosa influenciaram negativamente a inserção da população negra em diversos setores da sociedade brasileira, fazendo com que esse grupo tivesse acesso desigual e desfavorável a direitos e oportunidades, inclusive no campo da saúde.

A iniciativa desenvolvida no município pernambucano valorizou as comunidades reconhecidas como terreiros de matriz africana, enquanto espaços que possibilitam a preservação e recriação de valores civilizatórios trazidos pelos negros para o Brasil durante o período de escravidão. “Os negros são, historicamente, estigmatizados”, lembrou o enfermeiro. “Nós reconhecemos o terreiro como espaço de saúde, cuidado e cidadania para além da religiosidade. Estes espaços contribuem para a promoção da igualdade racial, o combate ao racismo, a promoção da segurança alimentar e nutricional das comunidades”.

O primeiro passo do projeto foi o mapeamento socioeconômico e cultural do território, utilizando um questionário objetivo e padronizado. A partir de então, foi elaborado um banco de dados. Ao mesmo tempo, foi realizada busca ativa na APS, com a participação dos profissionais da saúde na identificação dos terreiros de matriz africana. Após este trabalho, foi feito um mapeamento georreferenciado, que possibilitou a visualização dos espaços de mais de 70 terreiros no território para o planejamento e a definição de prioridades e estratégias em saúde da população negra. “Antes do mapeamento, estes territórios não eram sequer visitados, por conta do racismo institucional vigente”, revelou Danilo. As ações de saúde realizadas envolveram articulação intersetorial e protagonismo das lideranças religiosas.

 

Porto Alegre -RS

Mediadores Interculturais na APS: acesso e acolhimento no SUS

 

Na capital gaúcha, o acesso da população imigrante à Atenção Primária à Saúde foi garantido com a participação de estrangeiros que atuam como mediadores culturais. O trabalho é realizado por três imigrantes, vindos do Haiti e do Senegal. A coordenadora da Área Técnica de Saúde do Migrante do Núcleo de Equidade da Atenção Primária, Rita Buttes, relatou que, em Porto Alegre, existem 3.313 imigrantes com cadastro ativo no Cartão Nacional de Saúde. Segundo Rita, apenas 10% da população imigrante na cidade acessa a APS. As principais barreiras são a linguística, o desconhecimento sobre o funcionamento do SUS e a desinformação dos profissionais.

Os mediadores são responsáveis pela interlocução nos atendimentos aos imigrantes, fazendo a mediação entre as equipes de saúde e usuários que não sabem falar português. O grupo realiza o acompanhamento do cuidado, monitora e efetiva ações de prevenção e vacinação de Covid-19, além de participar da elaboração conjunta de ações de saúde junto à Rede da Migração. A estrutura física é composta de três celulares com internet e linha telefônica, voucher para deslocamentos e uma sala localizada dentro de um centro de saúde.

Ao apresentar os resultados qualitativos da experiência, Rita destacou a importância da presença dos conterrâneos no atendimento aos imigrantes. “Os mediadores interculturais desenvolvem um trabalho que transcende a tradução, decodificando culturas, hábitos e cuidados de saúde entre nações. A gente viu que é muito importante, não só traduzir a explicação do médico ou a dor do paciente. Mas é preciso explicar. E somente um irmão de nacionalidade pode explicar para um médico, enfermeiro, profissional, o que aquela queixa do usuário significa no seu país”.

A experiência dos mediadores interculturais na saúde aponta a necessidade de que os órgãos públicos tenham mediadores, que podem atuar de forma remota, como nós fazemos. Com nosso trabalho, queremos mostrar que isso é viável e é possível”, afirmou a coordenadora.

Ao encerrar a transmissão, Fernando Leles disse que as iniciativas apresentadas reforçam a esperança da saúde universal como expressão de um processo civilizatório da sociedade. “Esta live demonstra que a APS, por si, é o ponto mais complexo na rede de atenção à saúde. Ela precisa estar integrada com a dinâmica de vida das pessoas no território. Estas iniciativas confirmam a perspectiva de que a saúde pública contemporânea vem avançando para um modelo de redes de atenção horizontal, cooperativo.”

Assista à íntegra da live em: https://www.youtube.com/watch?v=pcSZ1DTYINo

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