“Após 17 anos do Modelo de Cuidados Crônicos (Chronic Care Model) ter reunido evidências científicas, ferramentas, indicadores de resultados, entre outras, chegou a hora de passarmos para a ação e colocarmos em prática projetos para implantar, de forma generalizada, esse modelo e melhorarmos o desempenho dos serviços de saúde”. A defesa contundente foi feita pelo diretor do Instituto Vasco de Inovação Sanitária, Roberto Nuño Solinís, que veio ao Brasil falar sobre a experiência do norte da Espanha, a qual, desde 2009, avança na implantação de um modelo de atenção integrado, com foco nas condições crônicas, para corresponder às necessidades de saúde da população. Toda população do País Vasco (mais de 2 milhões de pessoas) foi estratificada pela Atenção Primária de acordo com o risco de desenvolvimento de doença crônica. “A Atenção Primária, mais preventiva, com enfoque na promoção da saúde, com intervenções adequadas para as necessidades dos pacientes, pode enfrentar o problema das condições crônicas”, diz Solinís.
Com uma população envelhecida, cerca de 20% dos habitantes, o País Vasco apresenta alta prevalência de enfermidades crônicas, como doenças cardiovasculares, diabetes e importante presença de câncer. Estima-se que 14% da população com doença crônica utiliza mais de 50% da orçamento da saúde do País Vasco. Diante desse cenário epidemiológico e crise financeira na Espanha, a melhora nos serviços de saúde está ocorrendo por meio de estratégias mais integrativas no cuidado, com o fortalecimento da Atenção Primária e implantação do modelo de atenção aos crônicos. “São fatores sociais e sanitários que implicam mudanças, como a crise financeira na Europa e a mudança no perfil de morbimortalidade, com ênfase nas doenças crônicas. Estamos priorizando a organização e a gestão sanitária, adotando um modelo de relação continuada entre os pacientes e os serviços de saúde”, explica Solinís.
Para Roberto Nuño Solinís, a inovação implantada por alguns municípios espanhóis diz respeito ao monitoramento e a avaliação da atenção prestada aos usuários crônicos. A ferramenta que está sendo difundida na Espanha é o Instrumento para la Evaluación de Modelos de Atención a la Cronicidad (IEMAC). O instrumento é desenvolvido com base nos componentes do modelo de atenção às condições crônicas, como organização do sistema de saúde, saúde comunitária, modelo assistencial, autocuidado, apoio na tomada de decisões clínicas e nos sistemas de informações.
A ferramenta IEMAC (www.iemac.org) será objeto de validação para o modelo de crônicos utilizado pelo Laboratório de Inovação às Condições Crônicas, desenvolvido em parceria entre Conass e Opas.
Saiba mais sobre a experiência do País Vasco na entrevista concedida pelo diretor do Instituto Vasco de Inovação Sanitária, Roberto Nuño Solinís, ao Portal da Inovação em Saúde, após o I Seminário Internacional de Atenção às Condições Crônicas realizado, em Belo Horizonte.
Portal da Inovação em Saúde – Por que um modelo de saúde, com foco nas doenças agudas, não consegue resolver as demandas que chegam aos serviços de saúde?
Roberto Nuño Solinís – É uma questão chave, porque esse modelo de desenho tem funcionado bem onde o perfil da população é mais jovem, onde realmente os problemas de saúde são mais agudos, vinculados geralmente ao âmbito materno infantil. Atualmente temos uma população muito mais envelhecida, com mais cronicidades, e esse modelo não se adapta por si só, então, o que falta é impulsar estratégias mais ativas de transformação.
Portal da Inovação em Saúde – Qual é o papel da Atenção Primária no modelo de atenção às condições crônicas?
Roberto Nuño Solinís – Existe um grande consenso de que a Atenção Primária é chave para enfrentar esse problema das condições crônicas. O que falta é uma Atenção Primária que recupere mais o enfoque da promoção da saúde, mais preventiva e que permita enfrentar os problemas antes que surjam. Há que reforçar a Atenção Primária para que seja mais pró ativa e que a intensidade das intervenções se adeque às necessidades dos pacientes.
Portal da Inovação em Saúde – No Brasil, no SUS, um dos grande problemas é integração da Atenção Primária com os demais níveis de complexidades. Como está ocorrendo essa integração no País Vasco?
Roberto Nuño Solinís – Esta aí uma das grandes chaves do modelo: trabalhar de forma mais integrada entre a Atenção Primária e o âmbito hospitalar. Nós temos tido muito êxito no modelo, com o que chamamos de médico internista de referência, que é o médico generalista, no âmbito hospitalar, que coordena a atenção prestada ao paciente crônico no âmbito hospitalar e no retorno dele para a Atenção Primária de referência . Esse médico faz o intercâmbio de conhecimento no âmbito da atenção, das práticas, da cultura de abordar os pacientes crônicas complexos. Esse modelo é um dos mais avaliados e que estão apresentando melhores resultados. Essa especialidade médica se comporta mais como consultores desse modelo de crônicas.
Portal da Inovação em Saúde – Qual o papel do médico generalista?
Roberto Nuño Solinís – Há o médico generalista – que são os médicos clínicos – e o médico geriatra. Ambos têm uma atuação mais intensiva e coordenada com a Atenção Primária, acompanham os pacientes crônicos complexos com perfil, normalmente, de idade mais avançada, com múltiplas patologias e com múltiplas necessidades sanitárias e sociais. Então esse profissional trabalha mais próximo com outros profissionais, por exemplo, com a enfermagem, que também tem um papel muito importante no modelo.
Portal da Inovação em Saúde – Qual a importância de ter uma equipe multidisciplinar no atendimento ao paciente com condições crônicas?
Roberto Nuño Solinís – A importância de uma equipe multidisciplinar é chave, porque estamos falando normalmente de pessoas com deficiências de saúde múltiplas, que se beneficiam de intervenções provenientes de perfis distintos. Então, se temos uma abordagem integrada, vai ser uma abordagem muito mais eficiente, aproveitando a complementaridade de todos componentes da equipe profissional.
Portal da Inovação em Saúde – Um dos componentes importantes para o modelo de atenção às condições crônicas é o autocuidado. Como fazer para que o paciente de torne corresponsável pelo cuidado?
Roberto Nuño Solinís – O tema do autocuidado é muito amplo, envolve ações de educação e que deveria estar integrado à prática cotidiana. Mas estamos falando de programas específicos de autocuidado, focado em patologias concretas para trazer resultados positivos. É importante que essa prática faça parte de toda Atenção Primária para que isso se converta em experiência satisfatória aos usuários.
Portal da Inovação em Saúde – Com o avanço do envelhecimento populacional, também cresce a incidência das doenças neurológicas, como demências e Alzheimer. Como vocês estão organizando os serviços para essas demandas?
Roberto Nuño Solinís – Estamos tratando no campo do que chamamos de coordenação sócio-sanitária, porque realmente é um campo de enfermidades neurológicas degenerativas que o campo sanitário tem pouco a fazer. Então, o que estamos reforçando são as estruturas de suporte sócio-sanitário. É um campo realmente que estamos aprendendo, porque é muito demandado nos serviços de saúde. Então precisamos melhorar a atenção a este tipo de pacientes, analisar como vamos manejar o paciente, se no domicílio para acompanhar a evolução da própria enfermidade. Porém esse campo é um dos desafios que temos que superar.
Portal da Inovação em Saúde – Eu queria que senhor falasse das inovações, como que vocês aproveitam a criatividade local em prol do modelo de atenção às condições crônicas?
Roberto Nuño Solinís – A geração de inovações em âmbito local é uma das chaves da transformação do modelo. Pensamos desde uma óptica gerencial, há muitas coisas que podemos colocar em prática, mas outras ganham mais potencial de criatividade, de resoluções inovadoras e de adaptação na realidade local, que são as inovações que vêm dos próprios profissionais. Então, há que gerenciar um contexto para apoiar esse conhecimento, existir recursos para que os profissionais possam experimentar e buscar essas melhores soluções para os problemas do cotidiano. Há que apoiar a capacidade de inovação dos profissionais de saúde.
Portal da Inovação em Saúde – O senhor apresentou uma ferramenta para ajudar o profissional de saúde a fazer o diagnóstico da situação e até monitorar e avaliar a implantação do modelo de atenção às condições crônicas. Favor falar um pouco mais sobre essa ferramenta?
Roberto Nuño Solinís – A ferramenta se chama IEMAC, a qual permite a um conjunto de profissionais de saúde ou a uma organização sanitária fazer uma autoavaliação para verificar como esta sendo a prestação dos serviços dentro do modelo de atenção às condições crônicas. Então, isso nos permite ver se houve melhora, como estamos avançando. Está muito focado na avaliação e implementação no contexto real das intervenções do modelo ideal da atenção às condições crônicas.
Portal da Inovação em Saúde – O senhor disse que seriam 75 intervenções avaliadas pelo IEMAC, quais seriam elas?
Roberto Nuño Solinís – Nós temos o site que explica todas as dimensões do IEMAC ( www.iemac.org), disponibiliza todas as informações sobre a ferramenta. Por exemplo, há uma medição falando sobre o tema do autocuidado, que são medições voltadas a apoiar o paciente no autocuidado.
Portal da Inovação em Saúde – Essa ferramenta (IEMAC), está instalada em todas as unidades de saúde ou é só para equipes gestoras?
Roberto Nuño Solinís – Está direcionado principalmente a quem tem responsabilidade de gestão, na perspectiva clínica, como líderes clínicos ou pessoas com responsabilidade em todo ambiente clínico, que participem da autoavaliação para ver realmente se o modelo assistencial está dando resultados.
Portal da Inovação em Saúde – Já tem algum resultado do monitoramento realizado por meio do IEMAC? Alguma evidência de que o modelo de crônicas melhorou a qualidade de saúde da população?
Roberto Nuño Solinís – Sim, temos já bastantes resultados, porém temos que reconhecer que muitas são experiências pilotos em âmbitos concretos. Ainda temos dificuldade de avaliação de impacto, de como esta caminhando o modelo nesses três anos de atividade. Esperamos poder mostrar resultados em saúde mas é necessário um tempo maior de implantação do modelo.
Portal da Inovação em Saúde – Quais são os indicadores que vocês estão utilizando para essa avaliação?
Roberto Nuño Solinís – Estamos avaliando três eixos: um seria o impacto na saúde da população, que pode ser medido pelas causas de mortalidade que é o mais difícil de ser avaliado a curto prazo; mas tem outras vinculadas à prevalência e ao controle distintos dos fatores de risco das doenças crônicas; as variáveis vinculadas a experiências de pacientes, que são ligadas mais a questão da qualidade; e temos também a questão de custos e a utilização dos serviços em hospitais, casos de urgências, reincidências. Nós estamos monitorando essas variáveis para verificar os impactos.
Portal da Inovação em Saúde – Qual que é o impacto do modelo de crônicas sobre os custos financeiros?
Roberto Nuño Solinís – Se mescla muitas coisas a isso pois estamos em um contexto de crise na Espanha, estamos tendo muitos cortes e o setor sanitário esta congelado para incrementos. Então é difícil atribuir quais benefícios econômicos o modelo de atenção a crônicos traz num contexto dessa natureza. Mas as avaliações de intervenções concretas estão mostrando que são experiências eficientes e custo efetivas. O que estamos vendo é que o peso de recursos dedicados a Atenção Primária estão aumentando um pouco em relação ao conjunto, pois a mudança de parte do modelo é reforçar a Atenção Primária e todos os serviços comunitários, para que os hospitais se mantenham em nível adequado.
Portal da Inovação em Saúde – A Opas e o Conass desenvolvem no Brasil a estratégia dos Laboratórios de Inovações no Manejo de Crônicos. Qual a sua opinião sobre essa estratégia de cooperação técnica?
Roberto Nuño Solinís – O próprio termo utilizado “laboratório” retrata um pouco do que estava dizendo antes, essa capacidade de gerenciar uma experiência, de avaliá-la em função de ver os resultados, poder apoiar aquelas intervenções que sejam mais efetivas e transformar ou abandonar as que não são efetivas. Vai requerer uma maturidade organizativa para saber que alguns projetos não vão ser efetivos e também ter a capacidade de ver que algumas experiências pilotos, que têm resultados locais, não poderão ganhar escala no conjunto da organização. Mas a mensagem que quero deixar é de que precisamos passar para a ação e implementar projetos do modelo de atenção às condições crônicas de forma generalizada.
Por Vanessa Borges para o Portal da Inovação em Saúde