A atuação domiciliar na situação de crise

1. Instituição proponente: CENTRO DE SAUDE MENTAL OSVALDO CAMARGO

· Endereço: Rua Itabuna, Número 02, Rio Vermelho · Município/Estado: Salvador / BA CNES: 0004227 / CNPJ: 13927801000572

2. Autor (es): MARCUS VINÍCIUS OLIVEIRA

3. Contato:
· Telefone: 71 8785-1996
· E-mail de contato: matraga@gmail.com

4. Eixo: Cuidado em Atenção Domiciliar

5. Tema Principal: ATENÇÃO DOMICILIAR A PACIENTES COM TRANSTORNO MENTAL

6. Título do Trabalho: A ATUAÇÃO DOMICILIAR NA SITUAÇÃO DE CRISE

7. Resumo estruturado

O Programa de Atenção Domiciliar à Crise, PADAC, é fruto da parceria entre o Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, através da articulação do criador do programa, professor Dr. Marcus Vinícius Oliveira e o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Osvaldo Camargo em Salvador, Bahia – estabelecimento pertencente ao Sistema Único de Saúde (SUS). Operacionalmente, as intervenções do PADAC vêm sendo realizadas por duplas de estagiários do curso de graduação em Psicologia da UFBa sob supervisão semanal. O PADAC foi registrado dentro das atividades do Pró-Saúde – Programa Nacional de Orientação da Formação Profissional em Saúde, este oriundo de parceria entre os Ministérios do Trabalho e da Saúde.

O PADAC começou suas atividades no segundo semestre de 2008, e, até o presente momento já foi colocado em prática ao longo de sete semestres, com apenas uma interrupção no ano de 2010. Por ter como principal meta o cuidado dos usuários e das famílias destes, as duplas que passaram pelo PADAC já atenderam, desde 2008 até agora, aproximadamente, sessenta famílias e setenta pacientes em crise, pois em algumas famílias o transtorno mental atingia mais de um membro. O programa exposto formou nestes sete semestres trinta e oito estudantes de psicologia que optaram pela saúde mental e atenção domiciliar em seus estágios curriculares na universidade

A intenção do PADAC é auxiliar o CAPS a lidar com o momento de crise de seus usuários diagnosticados com transtorno mental, para que a instituição possa ter uma atitude clínica compatível com as exigências do papel de substituir o hospital psiquiátrico.

Os atores envolvidos com a concretização do PADAC são os estudantes de psicologia matriculados no estágio em saúde mental e já em conclusão do curso; o supervisor, que é o idealizador do programa e personagem envolvido diretamente com os princípios da reforma psiquiátrica; a equipe multiprofissional do CAPS, que encaminha para os estudantes os casos que necessitam do acompanhamento domiciliar e, por fim, as famílias que aceitam a entrada dos estudantes nas suas casas para oferecer o cuidado ao paciente matriculado no CAPS.

O PADAC entende a crise como relacional – é mais que um conjunto de sintomas psicopatológicos, a crise não é reduzida ao fator psíquico, está na ordem do social. Neste contexto, o manejo da crise deve levar em conta as relações do indivíduo com o meio em que vive. O surgimento de um membro familiar com transtorno mental intensifica a insegurança e o desconforto, uma vez que a enfermidade apresenta-se como uma ruptura na trajetória existencial; os familiares experimentam uma vivência de catástrofe, que desestrutura as formas habituais de enfrentamento, gerando conflitos e dúvidas. Sendo assim, a atenção domiciliar toma o domicílio como lócus de ofertas de atenção e sua peculiaridade é um setting completamente tenso, conturbado, confuso. A atuação do operador de saúde neste caso é o de uma mediação de conflitos neste setting, em busca de promover deslocamentos nas dinâmicas relacionais, promovendo um novo lugar para o portador de transtorno mental dentro de seu entorno social.

A ideia então é a de que pacientes que “não aderem ao tratamento”, quer dizer, que eventualmente tenham vínculos frágeis com o CAPS ou aqueles que por desorganização excessiva não tenham condições ou não estejam suportando frequentar o serviço possam ser abordados em sua residência durante o período de crise. É com base neste contexto que o objetivo do programa, em específico, é capacitar seus estagiários a lidarem com a crise na psicose, segundo os pressupostos da Reforma psiquiátrica através da intensificação de cuidados a esses indivíduos em profunda desorganização – estimulando a alteridade, oferecendo continência psicoterapêutica, suporte às ansiedades sociais dos familiares, monitoramento da utilização das medicações, acompanhamento terapêutico e reenlace do paciente e da sua família com a instituição.

Como ponto de partida para todo e qualquer cuidado nesta clínica, trabalha-se a concepção de vínculo, estabelecido baseado em uma presença bem orientada e precisa, seguindo uma postura ética e acolhedora. Para um bom acolhimento, além da utilização da técnica e do referencial teórico, aqui é fundamental a disposição por parte do estagiário; acolher é se implicar na necessidade do outro, mesmo que o seu pedido não possa ser integralmente atendido.

Pelo fato de o programa acontecer quando já está instalada uma crise, se faz também necessário um investimento mais intenso que envolve o domicilio como lócus de cuidados e como ponto de suporte para o fortalecimento das relações familiares e das redes sociais. Cabe aqui salientar que a atuação do PADAC não se limita ao domicílio, mas pretende dar conta do entorno social no qual o indivíduo estabelece suas relações.

O PADAC vem com uma nova proposta que tem na clínica ampliada e nos pressupostos expostos anteriormente uma forma diferenciada de lidar com pacientes com transtorno mental. Ao longo de sete semestres, o programa tem conseguido oferecer um cuidado intensivo com os pacientes e reorganizando a dinâmica familiar de muitas pessoas que tem algum membro com transtorno mental – seja fazendo a mediação de conflitos entre eles; seja orientando sobre formas de lidar com o dia-a-dia do sujeito psicótico; trazendo-o ao contato com a rede social, com a comunidade, etc. Podemos citar exemplos de famílias atendidas e o que mudou na vida destas famílias após a intervenção da equipe do PADAC? Sabe-se que atendimento de casos graves demanda a administração de situações sociais complexas que não são compatíveis com as simplificações analíticas encontradas nos dispositivos clínicos tradicionalmente disponíveis. Nesta nova proposta, a constituição de uma rede de serviços substitutivos, demanda que os agentes técnicos revejam os seus saberes e práticas.

Sendo assim, como uma prática orientada inovadora no Sistema Único de Saúde, vale destacar as características que fazem do PADAC uma experiência de atendimento domiciliar peculiar:

(1) a abordagem das situações críticas que envolvem a desorganização do paciente e seu grupo familiar, configurando situação de perda do alcance do serviço para a oferta de cuidados;

(2) o trabalho territorial se destaca por estar centrado na família, nas redes sociais do paciente, através do manejo das relações vinculares deste, tendo como objetivo produzir interferências nas posições relacionais cristalizadas de modo a produzir deslocamentos subjetivos e objetivos dos envolvidos, reconfigurando a situação inicial;

(3) rematriciamento do paciente e seus familiares para a atenção contínua no serviço originário – no caso, o CAPS e

(4) centramento do domicílio como lócus de cuidado.

Como aspectos limitantes da experiência que o PADAC oferece, tem-se:

(1) a baixa qualificação acadêmica inicial dos estagiários para lidar com as múltiplas necessidades do paciente e seu grupo familiar;

(2) descompasso entre as referências teórico-técnicas desenvolvidas pelo programa e as competências e habilidades dos profissionais da unidade e

(3) limites inerentes a um programa docente-assistencial frente às dinâmicas políticas-institucionais.

A atenção domiciliar, assim como propõe a experiência do PADAC, portanto, convoca-nos a pensar que o objeto deste saber, desta arte-técnica, que é o fazer da saúde mental, não prescinde das amarras institucionais para ser efetivado – contar com a intensificação do investimento humano, em contraposição à ideia de tecnologia, aparatos tecnológicos, parafernálias institucionais e equipamentos – é o principal instrumento para o tratamento dos sujeitos envolvidos.

 

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