“Não há evidência de que a cobertura universal por meio de seguros de saúde em oposição ao sistema universal de saúde, melhore a qualidade de saúde prestada ao cidadão, segundo estudo do Banco Mundial”, relatou a doutora em Sociologia pela Universidade Nacional Autônoma do México, Ana Cristina Laurell, nesta terça-feira (01/12), no Fórum Internacional de Sistemas de Saúde Comparados realizado pela Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados. “O acesso a serviços de saúde, insumos e medicamentos em países que escolheram cobertura universal em saúde por meio de seguros como modelo, a exemplo do México, da Colômbia e do Chile, é restrito e baseado em ‘pacote de serviço’, podendo incluir mais serviços conforme o pagamento, ou seja, quem pagar mais terá mais acesso”, disse Laurell. Segundo Laurell, que é referência na área de Medicina Social, “cobertura de seguro saúde não garante acesso oportuno aos serviços de saúde”. Ela citou pesquisa onde mostra que 20% da população no México se declarou excluída de cobertura de saúde.
O conceito de cobertura universal de saúde também foi debatido pelo coordenador do projeto Saúde Brasil Amanhã da Fiocruz, o pesquisador José Noronha. Para ele, modelos baseados em cobertura universal por meio de seguros desconsidera os determinantes sociais no processo saúde-doença e privilegia ainda mais o cidadão com maior poder de consumo. Noronha também criticou o subfinanciamento do setor saúde, que apesar de ter como modelo o sistema universal não aporta recursos suficientes. “Daqui a 20 anos, somente com o envelhecimento da população brasileira, o SUS vai precisar aportar mais 37% de recursos no orçamento. Precisamos repensar as nossas prioridades na aplicação das receitas”, disse. Para Noronha, outro fato preocupante é que o governo federal ainda privilegia, com renúncia fiscal, o setor privado de planos de saúde.
A secretária de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, Lenir Santos, também salientou que muitos sistemas universais existentes no mundo estão sendo desconstruídos em função dos custos financeiros, e que é preciso mobilização para garantir a universalização da saúde no Brasil. O economista Àquilas Mendes, da Universidade de São Paulo, abordou a mercantilização no setor saúde e a importância dos recursos públicos. “Começaremos a sentir os efeitos da aprovação pelo Congresso, da Lei 13.097/15, que permitiu a entrada de capital estrangeiro na saúde. Agora estão na mira do capitalismo as entidades filantrópicas de saúde e o governo precisa agir rapidamente a esta apropriação. As entidades compradas pelo capital externo vão continuar como filantrópicas?”, questionou. Àquilas Mendes defende como fonte de recurso para a saúde a criação de uma contribuição social que incida sobre as grandes movimentações financeiras, o que poderia tributar as grandes fortunas. “Outras medidas seriam a eliminação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), cuja proposta em tramitação nesta casa é de se elevar para 30% e alongar o período para oito anos, e repensar a política macroeconômica atual de superávit primário que impõe cortes nas áreas sociais”, defendeu.
15a Conferência Nacional de Saúde
O Fórum Internacional de Sistemas de Saúde Comparados coincide com a abertura da 15a Conferência Nacional de Saúde que terá entre as grandes discussões a questão do financiamento da saúde. Até sexta-feira (4/12), o Centro de Convenções Ulisses Guimarães em Brasília reúne delegados de todos o país que defendem a aprovação da proposta de emenda à Constituição que assegura mais recursos para a saúde nos próximos anos (PEC 1/15), que aguarda votação pelo Plenário.
Para a presidente do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro Souza, “o País precisa, neste momento, ter unidade na defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e que para isto é necessária a mobilização social para garantir o sistema universal”, defendeu Socorro. Sobre a sustentabilidade do SUS, Socorro Souza, se mostrou preocupada com a Proposta de Emenda à Constituição 451/14, que obriga os empregadores a pagar planos de saúde para os trabalhadores.
O deputado Odorico Monteiro (PT/CE), responsável pela realização do Fórum, ressaltou que os temas financiamento dos sistemas de saúde assim como a sua gestão permanecerão como grandes pautas a serem discutidas na Comissão de Seguridade Social. Presente também na abertura do Fórum, o coordenador da unidade técnica de Sistemas e Serviços de Saúde da OPAS/ Brasil, Gerardo Alfaro, elencou os desafios do sistema de saúde brasileiro, que para ele passa pelo fortalecimento da atenção primária integrada com a Rede de Atenção à Saúde; fortalecimento da governança do sistema público e universal; aumento do financiamento; e fortalecimento da coordenação multissetorial.
Saiba mais
Qual a diferença entre sistema e cobertura universal em saúde? Qual é o modelo mais adequado para países em desenvolvimento? Que influências tem o programa Obamacare nessa discussão? Para responder a essas perguntas, o Portal da Inovação em Saúde conversou com a coordenadora de pesquisa do Observatório Ibero-Americano de Políticas e Sistemas de Saúde, (OIAPSS), a médica Eleonor Minho Conill, também professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina.
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Vanessa Borges, para o Portal da Inovação
Foto – Alexandre Florêncio