Muitos são os desafios enfrentados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil desde sua criação no início dos anos 1990, tendo a regulação em saúde, cada vez mais, ocupado seu espaço como agente transformador no contínuo processo de dirimir essas dificuldades, sendo atribuição do Estado coordenar a distribuição de recursos, bens e serviços em saúde, bem como orientar a forma de oferta desses1,2.
A função reguladora do Estado fundamenta-se na necessidade deste garantir a adequada prestação dos serviços de saúde à população, considerando as especificidades que o setor saúde apresenta e, garantindo o acesso, a qualidade e a organização da assistência3.
Segundo Lima et al.4 a regulação em saúde garante o direito à saúde com eficiência, eficácia e efetividade, propiciando a oferta dos serviços com qualidade adequada às necessidades da população e com os recursos disponíveis. Assim, foi instituída no Brasil, em 2008, a Política Nacional de Regulação, abrangendo as regulações dos sistemas de saúde, da atenção à saúde e do acesso à assistência5.
Dessa forma, tendo como metas, a humanização das ações e dos serviços de saúde, maior controle do acesso e do fluxo assistencial, bem como a otimização dos recursos financeiros, o Ministério da Saúde disponibiliza como sistema de informação em saúde o Sistema Nacional de Regulação – SisReg5, sendo este ofertado de forma on-line, e abrangendo o gerenciamento de todo processo regulatório, da atenção primária em saúde (APS) à internação hospitalar6.
Entretanto, cabe destacar que a regulação em saúde deve contemplar as diversas visões dos profissionais em diferentes pontos da rede, tendo a educação permanente importante papel na problematização dos processos de trabalho. A regulação, não se encerra na simples oferta de vagas pelos serviços de referência à APS, devendo permitir a interação das distintas etapas da atenção, consolidando a legitimidade do SUS junto à sociedade, otimizando seus recursos e corresponsabilizando as equipes no trânsito dos usuários dentro da rede7.
No Brasil, com a política nacional de saúde bucal intitulada “Brasil Sorridente” a partir de 2004, iniciou-se a implantação das Equipes de Saúde Bucal na Estratégia de Saúde da Família, bem como a implementação da oferta dos serviços na Atenção Especializada Ambulatorial (AEA), por meio dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) e dos Laboratórios Regionais de Prótese Dentária8.
Embora, historicamente no Brasil a oferta de serviços na atenção especializada apresente-se como ponto de estrangulamento no sistema, sendo tradicionalmente organizada e financiada tendo por base a simples percepção da oferta de procedimentos, na atenção à saúde bucal, o Brasil Sorridente, por meio de sua atuação na AEA, ou seja, os CEOs, busca-se reverter esse quadro, partindo-se do princípio da organização dos serviços a partir das necessidades e perfil epidemiológico da população7.
Assim, a atenção à saúde bucal nos municípios deve contemplar instrumentos de integração entre os serviços que propiciem o agendamento de consultas especializadas, o monitoramento de filas de espera e a priorização dos casos, caracterizando uma central de regulação ou equivalente. Sendo assim, os sistemas logísticos da estrutura operacional que integram os elementos constitutivos da rede de atenção à saúde bucal, devem possibilitar a integração de todos os níveis de atenção, por meio de um sistema de regulação que guie os fluxos de atendimento por meio de protocolos ou diretrizes de orientação7.
1. Oliveira RR, Elias PEM. Conceitos de regulação em Saúde no Brasil. Rev Saúde Pública 2012; 46(3):571-576.
2. Cavalcanti RP, Cruz DF, Padilha WWN. Desafios da regulação assistencial na organização do Sistema Único da Saúde. Rev Bras Ciên Saúde 2018;22(2):181-188.
3. Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Regulação em Saúde: Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília, DF: CONASS, 2011. Disponível em: . Acesso em: 29 jun. 2022.
4. Lima MRM, Silva MVS, Clares JWB, Silva LMS, Dourado HHM, Silva AA. Regulação em Saúde: conhecimento dos profissionais da Estratégia Saúde da Família. RENE 2013; 14(1):23-31.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.559, de 1º de agosto de 2008. Diário Oficialda União, Brasília, DF, 2008. Disponível em: . Acesso em: 29 jun. 2022.
6. Brasil. Portaria 1.559 de 1o de agosto de 2008. Institui a Política Nacional de Regulação do Sistema Único de Saúde – SUS. Diário Oficial da União 2008; 1o ago.
7. Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. A Saúde Bucal no Sistema Único de Saúde. 2018. Disponível em:. Acesso em: 29 jun. 2022.
Entendendo o relevante papel do processo de regulação em saúde pública, bem como a existência de diferentes níveis de atenção em saúde disponibilizados pelo SUS, reveste-se de importância a aplicabilidade do SisReg na ação de regulação nos serviços de saúde bucal nos municípios, justificando-se este trabalho devido à importância do processo de regulação em saúde bucal no serviço público, bem como à escassez do tema, no que se refere às orientações organizacionais, logísticas e clínicas para que os municípios possam implementá-la com eficiência e assertiva.
O município de Tubarão, situado na região sul do estado de Santa Catarina, possui população estimada de 107.143 habitantes9, caracterizando um município de grande porte10. Possui 32 Estratégias de Saúde da Família, 27 Equipes de Saúde Bucal modalidade I e um CEO do tipo II, sendo que a implementação de Equipes de Saúde Bucal na Estratégia de Saúde da Família no município iniciou-se no ano de 1998, as atividades do CEO em 2005 e a interação entre esses serviços por meio do SisReg em abril de 2019.
As especialidades atuantes na AEA (CEO) no serviço de odontologia do município que interagem com os serviços da APS e, reguladas por meio do SISREG são: periodontia, endodontia, cirurgia oral menor, pacientes com necessidades especiais, prótese dentária, estomatologia, Odontopediatria, radiologia odontológica extraoral e intraoral, sendo referência também para outros 5 municípios vizinhos totalizando uma cobertura de mais de 173 mil habitantes.
Visando melhor compreensão dos operadores e uma adequada implementação do SisReg na AEA em saúde bucal do município, foi desenvolvido um Protocolo de utilização do SisReg no serviço de odontologia, sendo o mesmo utilizado como ferramenta de capacitação e distribuído aos profissionais de saúde bucal da APS e CEO, apresentando as orientações conforme segue descrito abaixo.
Os aspectos técnicos relacionados à utilização do SisReg no município em seus diferentes perfis, tem como suporte o setor de Central de Regulação da FMS, sendo este responsável entre outros aspectos pelo cadastro, emissão e controle de senhas para acesso ao sistema e treinamento dos servidores, com finalidade de capacitá-los para a utilização do sistema em seus respectivos níveis.
Cabe à coordenação de odontologia da FMS, junto aos profissionais de saúde bucal do município e solicitantes de municípios consorciados, o estabelecimento das rotinas e fluxos de encaminhamento entre a APS e as especialidades odontológicas (CEO), a manutenção das agendas de atendimento, bem como as pactuações relativas aos critérios de encaminhamentos de cada especialidade envolvida no processo.
Os usuários que necessitam tratamento de atenção especializada em saúde bucal, devem ser encaminhados da APS para o CEO com adequação de meio bucal realizada, ou seja, remoção de tecido cariado e selamento provisório de cavidades, eliminação de focos de infecção, adaptação de restaurações, controle de bofilme, curativo intracanal de demora, quando necessários, entre outros procedimentos.
A radiologia odontológica, por se entender tratar-se da oferta de serviço com finalidade de diagnóstico para os profissionais da APS, apresenta a disponibilização do agendamento de suas consultas realizada por meio de “vagas em tela”, sem a necessidade de atuação do agente regulador. Assim, identificando a necessidade do referido exame, o Cirurgião-Dentista da APS realiza a solicitação e agendamento no sistema (Figura 1).
As demais especialidades são disponibilizadas por meio da ação do agente regulador, onde o profissional de saúde bucal da APS inicialmente inseri no SisReg a solicitação para o agendamento da especialidade desejada, conforme necessidade clínica do usuário, descrevendo detalhadamente os aspectos clínicos do caso. Inserida a solicitação no sistema, o agente regulador de odontologia realiza o procedimento regulatório em um período de até 72 horas. Diariamente o CEO deve realizar a visualização das solicitações já reguladas e o agendamento das consultas conforme disponibilidade de vagas em agenda específica de cada especialidade. Cabe aos profissionais da APS a verificação também diária do SisReg, para acompanhamento dos agendamentos de suas solicitações, bem como o contato com o usuário para entrega de seu agendamento em um período de até 48 horas após o mesmo ter sido realizado (Figura 1). Objetivando a redução de faltas às consultas agendadas, o tempo entre a informação ao usuário de seu agendamento e a data de sua consulta especializada deve preferencialmente ser superior a 7 dias.
Importante salientar que em casos onde o usuário, por algum motivo (ex.: urgência), for atendido em uma UBS diferente daquela que abrange seu domicílio, sua unidade de origem é quem deve realizar a inserção de sua solicitação no SisReg, quando assim for necessário. Nestas situações, o Cirurgião-Dentista da UBS suporte (referência) deverá preencher formulário físico de encaminhamento, detalhando minuciosamente as condições clínicas do caso, a especialidade de destino, o procedimento que se deseja, solicitando inserção no SisReg. Este encaminhamento deve ser entregue ao usuário, sendo o mesmo orientado procurar sua unidade de origem e apresentar o encaminhamento, para inserção no SisReg.
Figura 1. Fluxo de encaminhamento entre APS e CEO – Regulação
Para que haja maior agilidade, assertividade e transparência no processo de solicitação, regulação, agendamento e classificação da priorização na utilização do SisReg, tornasse imperativo o adequado preenchimento das informações solicitadas pelo sistema como os códigos pertinentes e principalmente o histórico de observações (descrição clínica). Dessa forma, os profissionais de saúde da APS devem detalhar no campo histórico de observações da solicitação, informações que caracterizem a solicitação, a descrição clínica do caso e sua justificativa de encaminhamento como demonstrado no quadro 1.
A classificação de risco leva em consideração os dados clínicos descritos no histórico de observações da solicitação, bem como a idade do usuário sendo priorizados aqueles com 60 (sessenta) ou mais anos, bem como aqueles com 16 (dezesseis) ou menos anos de idade.
Quadro 1. Itens essenciais descritos no histórico de observações (descrição clínica).
Nos cerca de três anos em que o serviço de odontologia do município vem utilizando o SisReg para o processo de regulação entre APS e a AEA, muitos desafios foram apresentados, o maior deles, indubitavelmente, foi a pandemia do SARS-CoV-2, cujos reflexos ainda vivenciamos.
Entretanto, muitos foram os êxitos alcançados com a implementação do SisReg, sendo descritos no quadro 2, as dificuldades e os benefícios decorrentes dessa implementação ao longo desses anos, conforme apontamentos elencados pelos profissionais envolvidos no processo em âmbito municipal.
Quadro 2. Benefícios e Dificuldades relacionados à implementação do SisReg.
Benefícios – Eficiência no encaminhamento dos usuários
– Fácil utilização do sistema
– Arquivamento automático das solicitações
– Registro pelo sistema do histórico de solicitações
– Priorização das solicitações – classificação de risco
– Transparência das filas de espera
– Previsibilidade de tempo de espera de acordo com histórico
– Acompanhamento do Absenteísmo
– Estabelecimento de critérios de encaminhamento
– Melhor controle sobre as cotas pactuadas
Dificuldades – Treinamento de equipes
– Instabilidades da plataforma
– Necessidade equipamentos de informática/internet adequados
– Necessidade de alocação de profissional técnico para operação
– Escassez de protocolos voltados às especialidades
– Limitação de inserção de dados diagnósticos (ex.: imagens)
– Necessidade de segundo momento para entrega agendamento
Os dados fornecidos pelo SisReg evidenciaram diversas observações gerenciais sobre a oferta dos serviços de saúde bucal na AEA como o tempo decorrido entre a inserção da solicitação de consulta especializada na APS e o agendamento no CEO e o absenteísmo às consultas especializadas (Tabela 1).
Tabela 1. Tempo de espera e absenteísmo nas consultas especializadas.
Especialidade Tempo (dias)
Jun/22 Absenteísmo (%)
abr-jun/22
Endodontia 20 36
Cirurgia 14 45
Prótese 60 29
Estomatologia 14 33
PNE 7 7
Periodontia 7 30
Outro instrumento avaliativo utilizado, foi o acompanhamento temporal (mensal, trimestral, semestre, anual…) por especialidade, onde pode-se acompanhar a evolução dos agendamentos, conforme demonstrado no gráfico 1 relativo à especialidade de endodontia, evidenciando o impacto da pandemia do coronavírus sobre os atendimentos.
Cabe ainda destacar, a validade em se conduzir pesquisas que identifiquem a percepção do principal ator envolvido no processo, o usuário, quanto ao desempenho do SisReg na qualidade dos serviços de saúde prestados nos municípios.
Gráfico 1 – Agendamentos em endodontia jul/2019 à jun/2022.