A implantação de um Núcleo Interno de Regulação para gestão de casos atendidos em Unidades de Pronto Atendimento: Um olhar sobre gestão do cuidado coordenado por enfermeiros no município de Florianópolis no enfrentamento da pandemia da Covid-19.

Tema do relato:
Ações da Enfermagem para o enfrentamento da pandemia da COVID-19

Sua experiência está relacionada a que área:
Atenção em saúde

Instituição onde a experiência se desenvolve/desenvolveu (serviço/instituição)
Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis

Autor(es) Principal
Talita Cristine Rosinski
Talita Cristine Rosinski
Autor(es)
Edenice Reis da Silveira
Mariana Itamaro
Lucilene Gama Paes
Ana Cristina Magalhaes Fernandes Báfica
Vanusa Beal
Sonia Reis Cassetere

Situação atual da experiência
Em estágio avançado de execução

Data de início da experiência
2021-04-02

Contextualização/introdução
Em março de 2021, o Brasil viveu a segunda onda da pandemia de COVID-19, o que impactou significativamente o sistema de saúde. O estado de Santa Catarina, por sua vez, enfrentou o seu pior momento da pandemia, uma vez que em 31 dias foram 3.447 óbitos e uma média de 3.931 casos diários, ( dados disponíveis no instrumento de avaliação diária da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis). Tal situação levou a um esgotamento de leitos clínicos e de terapia intensiva, disponíveis para tratamento de pacientes acometidos pelo COVID-19. A região de saúde da Grande Florianópolis foi fortemente acometida e registrou a maior pontuação na matriz de classificação de risco para COVID-19, por região em Santa Catarina. Na vivência da gestão municipal de saúde, dada a intensificação da busca de serviços e esgotamento da capacidade de atendimento das unidades de saúde (Centros de Saúde (CS) Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) e Hospitais), uma série de medidas foram adotadas a fim de que se pudesse gerenciar a crise sanitária em andamento. Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis (SMS) instituiu reunião com Comitê Local de Crise, o qual diariamente definia prioridades de intervenção e ações a serem adotadas, a fim de dirimir os impactos negativos. Em determinado momento desta crise, a falta de leitos disponíveis na rede hospitalar e o consequente aumento do tempo de permanência de pacientes nas UPAs , em virtude da inviabilidade de transferência, precisou ser debatido como um problema a ser enfrentado. Dados locais registrados pela Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, mostram que alguns pacientes permaneceram mais de 10 dias nas UPAS aguardando transferência para a rede hospitalar. Nesse momento as equipes assistenciais das UPAs encontravam muita dificuldade em monitorar o processo de busca de vagas na rede hospitalar, haja vista a importante pressão assistencial vivenciada naquele momento, tanto por conta do cuidado a ser executado para paceintes complexos que lá permaneciam, como pela pressão de porta que recebiam, especialmente de pacientes com queixas respiratórias. Ademais, até então, a solicitação de leitos realizada pelas UPAS para qualquer agravo, no estado de Santa Catarina, se dava diretamente entre médicos, por meio da busca de vaga diretamente com o hospital de destino, sem haver qualquer outro tipo de critério, que não o contato direto entre profissionais. Apesar do estado possuir legislação que prevê a transparência das listas de espera para consultas, exames e procedimentos cirúrgicos, o acesso aos leitos ainda não possuía regramento similar. No intuito de organizar a fila por leitos e trabalhar a oferta de vagas com base em preceitos técnicos, a Secretaria de Estado de Saúde dispôs, por meio da Comissão Intergestores Bipartite (CIB), a Deliberação CIB/SES n° 035/2021, que define uso de sistema de regulação e autorização regulada para qualquer busca de leito, inclusive os solicitados via UPA. Nesse sentido, a SMS adotou como estratégia regulatória a organização de uma estrutura centralizada, com o objetivo de realizar a gestão dos casos com necessidade de transferência, dando maior celeridade aos processos de busca de vagas e remoção dos pacientes das UPAs, instituindo para tal, o Núcleo Interno de Regulação das Unidades de Pronto-Atendimento (NIR das UPAS).
Os NIRs são estruturas que compõem os complexos reguladores, sendo regulamentados pelo anexo XXIV da Portaria de Consolidação n° 02, de 28 de setembro de 2017. Possui como atribuição constituir a interface com as Centrais de Regulação para delinear o perfil de complexidade da assistência que sua instituição representa no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e disponibilizar leitos de internação, segundo critérios preestabelecidos para o atendimento, além de buscar vagas de internação e apoio diagnóstico e terapêutico fora do hospital para os pacientes internados, quando necessário. Na Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, o NIR, instituído por meio da Portaria n° 72/SMS/GAB/2021, teve como propósito dar acesso aos pacientes em suspeita ou caso confirmado de COVID-19, em tempo oportuno, a leitos de internação. Passou a ser uma unidade técnico-administrativa vinculada, hierarquicamente, à Gerência de Regulação em Saúde do Município, atuando de forma articulada com as três UPAs do município. A estrutura do NIR das UPAS apresenta-se como uma proposta inovadora pela sua organização, atuação e composição, uma vez que a equipe técnica constituiu-se essencialmente por profissionais enfermeiros. Tal escolha baseou-se nos preceitos do Parecer CORE/SC n° 18/CT/2018 que rege a atuação do enfermeiro junto a regulação, assim como, na capacidade técnico-científica deste profissional para gestão de cuidados complexos validados por diferentes Protocolos de Enfermagem e Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) instituídos no âmbito municipal.
O objetivo deste trabalho é apresentar a experiência de um grupo de enfermeiros da SMS de Florianópolis na implementação de um novo serviço – NIR das UPAS – diante da necessidade vivenciada no enfrentamento da pandemia de COVID-19. Por sua vez, o NIR das UPAS em Florianópolis teve como finalidades: Inserir o paciente (caso suspeito ou confirmado de COVID- 19) que necessita de leito hospitalar nos sistemas de regulação estadual, tendo como preceito a agilidade, a garantia da gestão do cuidado e a transparência na fila de espera; Realizar discussão de caso clínico sempre que necessário, de forma que a oferta assistencial possa ser qualificada e baseada nas melhores evidências, sendo o enfermeiro do NIR, o agente educador; Organizar gestão dos dados acerca dos pacientes que necessitam transferências das UPAs para outros serviços de saúde.
Para a constituição do NIR das UPAS seguiu-se as seguintes etapas: 1º) Instituição do Serviço no âmbito da SMS de Florianópolis: nesta primeira etapa buscou-se organizar o processo de gestão e busca de leitos internamente na SMS, articulando diretorias, gerências e UPAS no intuito de legitimar a proposta, culminando na normatização por meio de Portaria. Além disso, também foi necessário constituir a equipe de enfermeiros, organizar as escalas de maneira que o serviço pudesse funcionar durante as 24h de funcionamento das UPAS; 2ª) Articulação da proposta no âmbito Estadual: nesta etapa propôs-se a pactuação dos processos junto a Central de Regulação de Leitos gerenciada pela Secretaria de Estado de Saúde de Santa Catarina (SES/SC). Esta ação deu-se concomitantemente à etapa anterior, tendo em vista a necessidade iminente da organização do serviço diante da pandemia. Definiu-se um fluxo de comunicação, formalizado a partir da criação de um e-mail institucional; 3ª) Organização do processo de trabalho: a fim de estabelecer e uniformizar as rotinas que deveriam ser adotadas pelos enfermeiros e buscando atender os instrumentos e sistemas de regulação adotado pela SES/SC criou-se os Procedimentos Operacionais Padrão – POPs, sendo eles: Solicitação de vaga – NIR das UPAS: visa padronizar a solicitação de vagas para leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou enfermaria, para pacientes atendidos na UPAS de Florianópolis; Comunicação vagas – NIR das UPAS: padronizar o processo de comunicação de possível vaga de leito para COVID-19 provenientes das UPAS de Florianópolis; Monitoramento – NIR das UPAS: padronizar o processo de monitoramento da busca de leitos para pacientes COVID-19 provenientes das UPAS de Florianópolis. 4ª) Implantação do NIR das UPAS: foram realizadas capacitações, com todas as UPAS, no intuito de orientar o acionamento do serviço e com os enfermeiros que compunham a escala de serviço do NIR das UPAS, para utilização correta dos POPs. Foi instituído um grupo de comunicação, por aplicativo de mensagem, onde os enfermeiros poderiam realizar discussão de casos com os demais membros da equipe, com o gestor do serviço de Atenção e de Regulação municipal, quando houvesse necessidade de alguma articulação da rede, bem como realizar a passagem do plantão. Essa estratégia promoveu uma comunicação de qualidade, com respostas rápidas e maior segurança na tomada de decisão nas situações de criticidade. Também foram realizadas reuniões periódicas com a equipe de enfermeiros para atualização e avaliação dos processos.
A objetivo principal, a implantação do NIR alcançou redução do tempo de espera para transferência dos pacientes das UPAS para a rede hospitalar. Atualmente o tempo médio de espera para transferência é inferior a 24h. Do total de casos, 85,2% foram transferidos com sucesso, 3,4% das solicitações realizadas foram canceladas, 7,2% dos pacientes tiveram alta da UPA enquanto aguardavam a transferência e 3,4% vieram a óbito (dados obtidos à partir de planilha controle do NIR, referentes ao período de abril a outubro de 2021). Outro resultado foi o monitoramento da situação vacinal dos pacientes transferidos. Apesar destas informações relativas a faixa etária e vacinação não terem sido o foco da ação, verificou-se ao longo do processo a necessidade desse monitoramento, como uma estratégia de apoio para o município, no que se refere a condução do processo de vacinação, a compreensão da situação vacinal de doentes graves. O mapeamento da situação vacinal dos pacientes que tiveram indicação de internação demonstra que 85,1% deles não apresentaram vacinação, 12,2% apresentaram imunização apenas com a primeira dose e 2,7% apenas possuíam esquema completo. Essa avaliação apesar de não ser uma atividade primordial do processo de transferência é um importante espelho para o município no que se refere a situação vacinal de doentes graves. Destaca-se ainda como importantes resultados qualitativos: – Integração entre os profissionais de saúde, em especial, os médicos das UPAS, enfermeiros do NIR e médicos reguladores da SES/SC; – Aumento da capacidade interrelacional entre instituições, fortalecendo a parceria entre Secretaria de Estado da Saúde e Secretaria Municipal de Saúde; – Melhoria da eficácia do serviço favorecendo a otimização do recurso e proporcionando maior segurança ao paciente; – Monitoramento do tempo de resposta do serviço de saúde frente à necessidade de internação de paciente no serviço hospitalar; – Monitoramento do número de solicitações de transferências para leitos COVID-19: UTI e ENFERMARIA, encaminhadas pelas UPAS para busca de leito junto à Central de Regulação de Internações Macrorregionais, permitindo melhor leitura do contexto epidemiológico dos casos ativos de COVID-19 que evoluem para internação no município;
A pandemia da COVID-19 trouxe desafios inenarráveis para os profissionais e sistemas de saúde em todo o mundo. Em situações tão extremas como as vivenciadas nesse período, a enfermagem apresentou-se como uma importante profissão capaz de desenvolver soluções para os diferentes desafios que se apresentavam, colaborando na estruturação e organização de serviços, que certamente salvaram vidas. Ademais, reafirma o papel do enfermeiro como profissional de visão abrangente da prática gerencial na articulação dos diversos serviços de saúde, em busca da melhor qualidade e coordenação do cuidado centrado na pessoa. A estruturação e implantação do NIR das UPAs em Florianópolis pode ser considerada como uma prática exitosa e bem-sucedida, tendo em vista os resultados positivos alcançados, em especial, trazendo eficiência na gestão do cuidado do usuário do SUS e melhorando a capacidade resolutiva dos serviços de saúde. Além disso, sua sistematização e análise de custos permite fácil replicação em outras realidades podendo ser essa prática implementada em qualquer município de qualquer porte que possua unidades de Pronto-atendimento do SUS. É possível inclusive a organização por meio de arranjo regional construindo um serviço compartilhado se desejado pelos gestores municipais o que reduz os custos de implementação da prática.

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