A Teleconsulta de Enfermagem como estratégia de manutenção dos atendimentos em meio a pandemia de Covid19

Tema do relato:
Ações da Enfermagem para o enfrentamento da pandemia da COVID-19

Sua experiência está relacionada a que área:
Atenção em saúde

Instituição onde a experiência se desenvolve/desenvolveu (serviço/instituição)
Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis

Autor(es) Principal
Juliana Cipriano de Arma
Autor(es)
Lucilene Gama Paes
Vinicius Paim Brasil
Elizimara Siqueira Ferreira

Situação atual da experiência
Em estágio avançado de execução

Data de início da experiência
2020-04-01

Contextualização/introdução
A pandemia de Covid19, no início do ano de 2020, trouxe a necessidade de reestruturação dos serviços e do processo de trabalho da Atenção Primária à Saúde (APS). No município de Florianópolis, a organização visou a continuidade do cuidado e também o enfrentamento da pandemia. A partir da Resolução 634 do COFEN, que normatiza e regulamenta a realização da Teleconsulta em Enfermagem, surge essa nova estratégia de atendimento para manter o funcionamento das consultas de enfermagem, num contexto em que a orientação era que a população ficasse em casa. Naquele momento, o foco foi dar seguimento aos atributos da APS e, em especial ao acesso, a fim de manter os serviços acessíveis e as agendas dos profissionais disponíveis para isso (COFEN, 2020). Considerando fortemente, a responsabilidade da APS na resolução de 85% dos problemas de saúde da população e se tratar de um nível de atenção não substituível pelos outros, ou seja, os acompanhamentos de doenças crônicas, puericultura e pré-natal especialmente, não são realizados em outras instâncias do sistema de saúde. Enquanto no Brasil, a prática da teleconsulta não era regulamentada, nos países da Europa, Canadá e Estados Unidos já era consolidada até a chegada da pandemia. No Reino Unido, há uma serviço de atendimento pré-clínico no qual os enfermeiros, com sistemas de apoio clínicos e decisão computadorizada (NHS direct) fornecem orientações de auto-cuidado para lidar com problemas de saúde mais simples e diminuir a demanda por consultas desnecessárias no sistema de saúde (BUNN; BYRNE; KENDALL, 2004). Na experiência do Canadá, o atendimento de enfermagem por telefone aumentou significativamente o acesso público por informação em saúde. Os enfermeiros utilizam protocolos informatizados para avaliar as queixas de saúde do paciente e a capacidade individual antes de sugerir o tipo de cuidado mais adequado. Os protocolos utilizados foram desenvolvidos baseados em evidências e revisão da literatura médica e de enfermagem e são revisados e atualizados regularmente (PURC-STEPHENSON; THRASHER, 2012). Diante das inúmeras experiências internacionais de realidades que são referência na qualidade do atendimento na APS e, a partir da regulamentação da Teleconsulta no Brasil, a experiência trata da implementação da Teleconsulta de Enfermagem na rede de APS de Florianópolis e a elaboração de um guia para enfermeiros para que o serviço ofertado fosse baseado nas melhores evidências e que se adaptou rapidamente para a realidade de pandemia imposta, sendo capaz de reverter a situação adversa em promoção de cuidado e acesso para a população. Os atores envolvidos são os enfermeiros da Comissão Permanente de Sistematização da Assistência de Enfermagem (CSAE), a Responsável Técnica de Enfermagem e os enfermeiros da APS do município. Vale ressaltar a estrutura já existente na rede de Florianópolis em relação ao uso de tecnologias para contato com os usuários antes da chegada da pandemia. O município já contava com smartphone institucional para cada equipe, bem como acesso a internet nas unidades de saúde. No momento de chegada da pandemia, a rede estava familiarizada com o uso de tecnologias. Até então esse uso era restrito para esclarecimento de dúvidas a respeito dos fluxos das equipes, para agendamentos de consultas.
A principal justificativa foi a necessidade de implementação de atividades de cuidado continuado aos usuários e suas famílias no contexto da pandemia pelo novo coronavírus e o impacto que esta (teleconsulta) causou nos serviços de saúde. A implantação da teleconsulta contribuiu para as respostas efetivas no Sistema de Saúde, seja na assistência aos usuários com sintomas respiratórios ou mesmo nos demais casos que necessitavam de atenção continuada (demais casos agudos, crônicos ou crônicos agudizados) na APS.
Implantar a teleconsulta de enfermagem na rede de APS de Florianópolis Elaborar um guia de teleconsulta em enfermagem; Capacitar os enfermeiros da rede para implementação dessa estratégia de atendimento
Revisão de literatura e experiências de outros países O primeiro momento para o desenvolvimento da atividade foi a revisão de literatura a respeito da teleconsulta em outros países, no momentos pré pandemia e também nas adaptações realizada com a chegada da pandemia, considerando que muitos países experienciaram a pandemia antes de chegar no Brasil e se prepararam para tal enfrentamento. Então documentos internacionais foram revisados, alguns traduzidos e adaptados para a realidade de Florianópolis para servir de base para o documento municipal que serviria de guia para os enfermeiros da rede. Elaboração do Guia com base na Resolução 634 Ao estruturar o guia de teleconsulta para enfermagem, foi pensado em alinhar ao máximo essa estratégia de atendimento ao que é a consulta de enfermagem presencial. Entendendo que a teleconsulta deve estar inserida na Sistematização da Assistência de Enfermagem e ter o processo de enfermagem como modo de execução da consulta, para isso, preconiza-se os passos previstos na Resolução 358 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN, 2009). Tendo firmada a base no processo de enfermagem, a proposta do guia foi de apresentar a Resolução 634/2020 de forma detalhada com orientações acerca de sua execução na prática pelos enfermeiros. No guia, são abordados os requisitos para a realização da teleconsulta de qualidade, desde os equipamentos necessários para o enfermeiro e para o usuário, como as indicações sobre que tipo de atendimento pode ser feito a distância e qual deve ser realizado presencial. Sempre lembrando do caráter complementar que a teleconsulta possui em relação ao atendimento presencial, ela não é entendida como uma ferramenta substitutiva. Outro ponto frisado é em relação a segurança do profissional e do usuário na realização da tele, toda demanda deve ser avaliada em relação a sinal de alerta e ao encontrar 1% de dúvida, é orientado a atender o paciente presencialmente. No guia é reforçada a importância do registro do atendimento no prontuário, no caso de Florianópolis eletrônico, que deve seguir os moldes também da consulta presencial, acrescido da informação a respeito do consentimento. No guia foram pensadas algumas formas de consentimento e, na prática, percebe-se que o consentimento verbal é o mais utilizado, por isso a necessidade de registrar que o paciente foi esclarecido sobre a realização da teleconsulta e forneceu consentimento verbal para tal. Além disso, também há orientação de que o enfermeiro deixe registrado o meio que foi utilizado para a teleconsulta, se foi consulta por chamada de vídeo, voz ou mensagem de texto. Um dos pontos que vale ser destacado como lição aprendida nesse período de execução das teleconsultas foi em relação ao tipo de contato utilizado para a teleconsulta. Basicamente há a chamada de vídeo, a chamada de voz ou a mensagem de texto. Dos três tipos, orienta-se que a primeira escolha para os atendimentos seja a chamada de vídeo, por permitir maior interação e percepção da linguagem não verbal na comunicação com a pessoa que está sendo atendida. Inclusive, em relação às chamadas de vídeo, documento da Universidade de Oxford, mostra que são seguras para pacientes de baixo risco; promovem elevada satisfação dos usuários e profissionais; confiabilidade e boa conexão técnica são importantes; e é possível realizar um limitado exame físico (GREENHALGH, 2020). Capacitação dos enfermeiros A implantação desta nova ferramenta necessitou uma verdadeira adaptação dos profissionais de saúde e principalmente aos enfermeiros, pois além de ser uma novidade no contexto dos serviços de saúde, a teleconsulta por meio eletrônico é algo novo e, até o início da pandemia, não incorporado a realidade dos cursos de graduação, pois conforme sabemos a regulamentação da teleconsulta para a enfermagem só foi realizada em abril de 2020 (COFEN, 2020). Neste contexto, foi necessário estabelecer estratégias de educação permanente e capacitação nesta temática, surgindo um grande questionamento: Como realizar capacitações e educação permanente numa realidade onde o distanciamento social é a peça chave? A resposta disso foi mais uma vez o uso da tecnologia como aliada. Utilizando o apoio virtual de reuniões com a categoria e fundamentalmente o uso das redes sociais através de “lives”, ou seja, um tipo de seminário virtual no qual a teleconsulta foi abordada e apresentada aos participantes. Desde a primeira oportunidade ficou claro o compromisso e a disposição por parte dos profissionais de enfermagem da Rede municipal de Florianópolis no que tange a adoção da teleconsulta na realidade dos serviços de saúde municipais. Compromisso este, ainda mais fortalecido, quando os profissionais perceberam a relevância da mesma no cuidado dos usuários sob sua gestão. As capacitações da rede municipal abordaram os seguintes temas: O que teleconsulta? Regulamentação e legislação aplicada a teleconsulta de enfermagem Processo de Enfermagem na teleconsulta Exame físico a distância no âmbito da teleconsulta de enfermagem Dúvidas, receios e sugestões. Atualização do Guia Após a implantação e uso do guia de teleconsulta, percebeu-se a necessidade de uma atualização incluindo orientações a respeito do exame físico que seria possível durante a teleconsulta. Para adequação à necessidade da enfermagem da rede e também buscando aprimorar a primeira versão do guia, elaborado no início da pandemia, a CSAE trabalhou para atualizar a versão, incluindo os principais motivos de procura por atendimento na APS. Nas orientações de exame físico, frisa-se a necessidade de avaliar a indicação de teleconsulta ou consulta presencial, baseado na presença de sinais de alerta para cada motivo de consulta. A teleconsulta apresenta limitações para realização de um exame físico completo, mas isso não significa que boas avaliações não podem ser realizadas e com bom grau de confiabilidade. Na atualização do guia, foi acrescentado um anexo com guia de exame físico para ser realizado durante a teleconsulta contemplando os principais motivos de consultas na APS. As queixas são apresentadas sempre alinhadas com os protocolos de enfermagem municipais, incluindo uma sessão sobre sinais de alerta a serem descartados para prosseguimento da avaliação. O guia é ilustrativo e detalhado sobre cada passo, orientando quais ações ou movimentos devem ser solicitadas ao usuário e qual avaliação e conduta a partir do que for detectado no vídeo.
O principal objetivo que consiste em implantar a teleconsulta de enfermagem na rede de APS de Florianópolis, foi alcançado considerando que 100% das unidades de APS da rede, realizam a teleconsulta de enfermagem. Esse dado evidencia a rápida curva de aprendizado e disponibilidade para incorporar uma ferramenta nova no escopo de prática da enfermagem. O guia de teleconsulta de enfermagem foi implantado e publicado nos materiais oficiais da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis e já se encontra na segunda versão. A atualização se deu a partir de uma demanda percebida na prática dos enfermeiros, inclusive considerando o atendimento dos Técnicos de Enfermagem e a inclusão de orientações específicas para o exame físico nesta modalidade. A avaliação, após as capacitações, pode ser verificada por meio da grande maioria de comentários positivos e sugestões na rede social na qual a capacitação foi realizada, dados estes que serviram para a CSAE direcionar a educação permanente nesta temática, bem como confirmar que a estratégia escolhida era a mais acertada para o momento epidemiológico em questão. O produto dessas capacitações foi claro, o impacto no número de atendimentos virtuais desde o início da pandemia pelos enfermeiros da rede, os quais aumentaram 4.686% em 12 meses avaliados, segundo relatório gerado pelo prontuário eletrônico utilizado no município. Dessa forma, se evidencia que a ferramenta implantada proporcionou acesso a população sendo grandemente responsável pela manutenção da APS funcionando com a chegada da pandemia e fechamento de outros serviços de saúde. Além disso, é uma ferramenta que se consolidou na enfermagem de Florianópolis, pois após quase 24 meses de pandemia, os números de atendimento seguem ganhando corpo, bem como a prática segue sendo aprimorada pelas atualizações e educação permanente realizadas. Entretanto, apesar do incremento substancial em teleconsultas ao longo da implementação dessa ferramenta, essa modalidade compreende a 18% do total de atendimentos do enfermeiro na rede no ano de 2020 e a 27% no ano de 2021. Atingindo o ápice da utilização da ferramenta no mês de março de 2021, com o total de 14.216 teleconsultas apenas neste mês, considerado o pico da pandemia em Florianópolis. O quantitativo de teleconsultas em relação às consultas presenciais, revela que, desde a sua introdução no processo de trabalho da enfermagem, tem sido utilizada como ferramenta complementar aos atendimentos presenciais, reforçando que não substitui os mesmos. O uso da teleconsulta também trouxe benefícios em relação a redução do tempo de atendimento, favorecido pela longitudinalidade do cuidado na APS e a redução dos custos e riscos de deslocamentos dos usuários e enfermeiros no contexto pandêmico, diminuindo a circulação de pessoas nas unidades de saúde, assim como promove melhoria na qualidade assistencial à medida que a teleconsulta é agregada ao processo de trabalho como mais uma forma de acesso e mais uma ferramenta de cuidado dos enfermeiros. Em relação e aceitação dos pacientes, há um bom retorno, principalmente daqueles que já possuem vínculo com a equipe. Percebe-se que a teleconsulta consegue ser resolutiva em muitas demandas da APS, o que tem inclusive trazido a reflexão sobre como os serviços funcionarão no período pós pandemia, pensando nos legados que essas inovações podem trazer para o futuro. A teleconsulta tem potencial também de adentrar em lugares de difícil acesso ou com estrutura deficitária. Da mesma forma é útil para o acesso a cuidadores de idosos e pais e mães ou responsáveis por crianças. Um grande benefício é percebido em relação ao acesso da população economicamente ativa, pois a teleconsulta permite que usuários trabalhadores e que não acessavam a unidade de saúde por conta da restrição do horário de funcionamento, algumas unidades ficam abertas até as 17 horas. Essas pessoas começaram a utilizar o serviço da unidade, pois a teleconsulta pode ser realizada no intervalo do trabalho, por exemplo. Evitando que a pessoa falte o serviço para realizar um atendimento eletivo, mais uma vez a ampliação de acesso sendo destacada por meio da prática da teleconsulta. Ainda como resultado alcançado e de forma permanente foi a inclusão do tema Teleconsulta na grade curricular da enfermagem na Residência Multiprofissional do município. Isso mostra como a prática se consolidou no corpo de enfermagem do município e a necessidade de constante capacitação dos enfermeiros, inclusive daqueles que estão em formação na rede. A prática também contribui para o compromisso da residência com a responsabilidade de formar residentes e prepará-los para a necessidade da rede e também como forma de ter a prática multiplicada pelos residentes em outros locais ao encerrarem o curso. Neste link é possível visualizar a teleconsula sendo realizada por uma enfermeira da APS de Florianópolis: https://photos.app.goo.gl/QtxDgpfeQQURiREd7 O vídeo foi gravado com o devido consentimento do usuário atendido.
Todos esses movimentos de estruturação da rede serviram de aliados nesse momento em que uma nova realidade chegou com a pandemia, trazendo a necessidade de encontrar novas estratégias de cuidado garantindo acesso, mas também a continuidade do cuidado, pensando que com o cenário do coronavírus, as pessoas não deixam de adoecer, não deixam de ter hipertensão, diabetes, não deixam de ter sofrimentos psíquicos e é preciso encontrar formas para lidar com isso. Um grande avanço foi a incorporação de uma ferramenta tecnológica no processo de trabalho do Sistema Único de Saúde, pois o uso de meios virtuais está sendo utilizado em vários outros serviços. A pandemia, entretanto, acelerou a entrada das tecnologias nos serviços de saúde. Todo esse avanço deve ser visto com parcimônia e avaliação, e sempre é válido ressaltar que a teleconsulta é uma modalidade de consulta complementar e não substitutiva à consulta presencial. A teleconsulta proporcionou também a manutenção de profissionais enfermeiros trabalhando, na forma teletrabalho (home office), muito comum no período da pandemia, no qual o enfermeiro se mantém atendendo mesmo em períodos de isolamento ou restrição domiciliar, seja por apresentar algum sintoma seja por ter tido contato com caso suspeito de Covid, aqui reforçando o acesso como resultado da prática. Ademais, permite que usuários trabalhadores e que não acessavam a unidade de saúde por conta da restrição do horário de funcionamento, pois algumas unidades ficam abertas até as 17 horas, impedindo que a população economicamente ativa frequentasse. Essas pessoas começaram a utilizar o serviço da unidade pq a teleconsulta pode ser realizada no intervalo do trabalho por exemplo. Evitando que a pessoa falte o serviço para realizar um atendimento eletivo. Conclui-se então que a teleconsulta é uma ferramenta que proporciona acesso com qualidade e segurança, desde que regulamentada e com programas de educação permanente institucionais. É uma prática inovadora e com potencial para ser replicada em outras localidades e essa organização por meio de um guia orientador para prática, coloca a enfermagem na vanguarda do uso de tecnologias como forma de cuidado na APS.

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