O município de Vitória de Santo Antão, conhecido regionalmente como “Vitória”, tem população de 109.437 habitantes, área de 344,2 km2 , com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,633. Sua economia se baseia na agricultura de cana e comércio. Dista cerca de 150 km da capital Recife e tem uma história marcada por coronelismo e desigualdades sociais, mas também de lutas sociais importantes, sendo sede das históricas Ligas Camponesas dos anos 50 e 60.
O Comitê Estadual de Estudos da Mortalidade Materna de Pernambuco concentra entidades interinstitucionais, multiprofissionais, com perfil técnico e científico, e atuação educativa e investigativa. O Comitê tem o objetivo de identificar e analisar óbitos maternos e puerperais, bem como apontar medidas para redução de tal forma de mortalidade.
Criado em 1991, o Comitê é composto pela Secretaria Estadual de Saúde, pelas Secretarias Municipais de Saúde, por comissões hospitalares, pela Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de Pernambuco, pelos Conselhos Regionais de Medicina e Enfermagem, por universidades públicas e privadas, além de diversas organizações de mulheres, como, por exemplo, as denominadas Cais do Porto, Curumim, SOS Corpo, Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos e Rede Saúde de PE.
Outro movimento importante na região, fundado em 1996, é conduzido pelo grupo denominado “Loucas de Pedra Lilás”, organização não-governamental formada por mulheres empenhadas na atividade teatral, com humor e irreverência, com foco nas posturas cidadãs, nas relações entre homens e mulheres, além de outras questões, como educação sexual e reprodutiva, ou ainda prevenção e combate à violência.
A experiência apresenta o resultado da atuação de várias dessas entidades, em apoio a movimentos locais de mulheres, no município de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata pernambucana. Ali, uma estrutura de poder cristalizada dificulta a atuação dos movimentos sociais, reproduzindo o modelo tradicional de muitos dos municípios nordestinos. São localidades aonde ocorre alternância de poder restrito às elites, com exercício de práticas políticas arcaicas, o que tem restringido a participação social em saúde e em outras áreas. Além disso, em Vitória de Santo Antão, a atual gestão municipal tem mantido distância da atuação do Conselho de Saúde e não realiza esforços para garantir a participação representativa no exercício do controle social.
A motivação para a ação das referidas entidades se deu em decorrência das denúncias de abuso de esterilizações nos hospitais privados, excesso de partos em mulheres não residentes no município e também elevada proporção de partos cesáreos nos hospitais privados conveniados. Paralelamente, o único hospital pú- blico, sob gestão estadual, estava desativado e encaminhava todas as gestantes para as maternidades conveniadas.
Fato notório na localidade é que a assistência ao parto representava fonte de lucro material e político. As maternidades privadas conveniadas ao SUS realizavam cesáreas em alta escala, tendo como desdobramento comum a laqueadura tubária das parturientes.
Havia dados do setor de epidemiologia da Secretaria Estadual de Saúde (SES) que deram sustentação aos argumentos e às ações que se seguiram. Como, por exemplo, o fato de Vitória de Santo Antão ocupar o segundo lugar no estado, depois da capital, em termos de número de nascimentos, embora existam vários municípios mais populosos. Assim, do total de mais de 11 mil nascidos em 2010, apenas dois mil eram de residentes de Santo Antão.
As consequências de tal situação de risco das mulheres e dos recém-nascidos passaram a ser bem conhecidas e divulgadas. Foram feitas articulações entre organizações da capital, já apresentadas, e entidades locais, como o Centro das Mulheres de Vitória e o Centro Acadêmico da Faculdade de Enfermagem.
As ações desencadeadas foram planejadas dentro de uma sequência estruturada. A primeira foi uma visita surpresa ao Hospital Regional Público João Murilo. Nessa visita, um grupo de mulheres de toda a região realizou entrevistas com membros do Conselho Gestor e também com funcionários, para avaliar a estrutura e as razões da inatividade do hospital. A segunda estratégia foi também uma visita surpresa de ativistas e profissionais de saúde, em dois grupos de oito mulheres, a duas das maternidades conveniadas.
A terceira ação, que obteve maior impacto, foi uma passeata com cerca de 250 mulheres de toda a região da Zona da Mata, da qual Vitória de Santo Antão é uma das cidades-polo, com distribuição de panfletos reivindicando auditoria do SUS nos hospitais conveniados, bem como a imediata reativação do Hospital Regional Público João Murilo, com reativação concomitante do Comitê Municipal de Estudos da Mortalidade Materna (CMEMM) no município. Houve, então, marcante articulação com a imprensa estadual, resultando na divulgação de muitas notícias e, em especial, de uma coluna no Diário de Pernambuco, com o título “Uma Indústria de Partos”. Ocorreu, também, troca intensa de e-mails, informações e documentos entre as lideranças e os militantes, durante os preparativos das ações. A internet foi usada amplamente durante todo o processo de organização, planejamento, articulação e mobilização.
A ação seguinte foi a solicitação para a apresentação da situação na reunião mensal da CIB (Comissão Intergestores Bipartite) estadual. Nessa reunião, foi apresentada a dramática situação encontrada pelo movimento de mulheres e demais organizações. Na sequência, houve reiteração das pressões relativas às auditorias e à reorganização do Hospital Regional João Murilo. Além disso, foi elaborado um ofício ao Ministério Público estadual, insistindo na realização das auditorias, especialmente financeiras e sanitárias, com foco também no problema da morbidade e da mortalidade das mulheres e dos bebês.
A capacitação das lideranças e de todas as mulheres envolvidas ocorreu mediante vários eventos de iniciativa coletiva, tais como pequenas ações, reuniões, debates, troca de e-mails, esclarecimentos e produções de materiais audiovisuais
Alguns resultados nessa experiência podem ser destacados:
∙ Reativação do CMEMM de Vitória de Santo Antão, cujas reuniões passaram a ser muito importantes para a comunidade.
∙ Fechamento de um dos hospitais conveniados, o Hospital Geral de Vitória, por parte da Vigilância Sanitária estadual, após denúncia da morte de um bebê.
∙ Instalação de novo setor de emergência na maternidade do Hospital João Murilo, com novo quadro de funcionários.