A distribuição de recursos para estados e municípios no primeiro ano da pandemia não priorizou regiões com mais carências, o que contribuiu para a sobrecarga dos sistemas de saúde em atendimentos não-covid. É o que apontam os pesquisadores da FGV EAESP Alessandro Bigoni, Ana Maria Malik, Renato Tasca, Mariana Baleeiro Martins Carrera, Laura Maria Cesar Schiesari, Dante Dianezi Gambardella e Adriano Massuda, pesquisadores da FGV EAESP, em estudo publicado na revista “The Lancet Regional Health – Americas”.
O objetivo do trabalho foi discutir a resiliência do Sistema Único de Saúde (SUS) diante do impacto da pandemia sobre o atendimento a condições de saúde não relacionadas à covid-19. Para isso, a pesquisa comparou o desempenho do SUS em 2020 com o ano anterior à pandemia, a partir de dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Os indicadores têm base nos parâmetros da Organização Mundial da Saúde e consideram financiamento, infraestrutura e força de trabalho do sistema de saúde brasileiro.
Os autores constataram que os aportes do governo federal para estados aumentaram em 38,6% e, para os municípios, 33,9% no ano de 2020. No entanto, não houve aumento de investimentos para compensar a baixa nos procedimentos não relacionados à covid-19.
Procedimentos como transplantes, cirurgias de baixa e média complexidade, exames de imagem e consultas médicas tiveram redução expressiva a partir do início da pandemia. A recuperação desses índices no último semestre de 2020 foi insuficiente para alcançar níveis pré-pandemia, e provocou atraso no diagnóstico e tratamento de condições crônicas, por exemplo.
Embora o repasse de verbas federais para os estados tenha sido equitativo, regiões mais vulneráveis gastaram mais esses recursos. A região Norte, por exemplo, teve despesas significativamente maiores com leitos de UTI do que outros estados.
Outro equívoco apontado pelos autores foi o investimento centrado em pessoal e infraestrutura das unidades de saúde. Em 2020, por exemplo, houve maior oferta de empregos para enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas e médicos, mas não necessariamente mais trabalhadores ocupando essas posições, o que evidencia o estresse e a sobrecarga de quem esteve na linha de frente durante a pandemia.
Os autores frisam que a natureza universal e descentralizada do SUS já foi exemplo de resiliência em emergências de saúde anteriores. No entanto, a capacidade de resposta vem diminuindo desde 2015 por fatores como a austeridade fiscal, cenário que se agravou com a ausência de coordenação geral a partir do atual governo.