Ações voltadas a adolescentes grávidas, idosos vivendo em instituições de longa permanência e jovens que praticam automutilação demonstram, na prática, o princípio da integralidade aplicado a diferentes faixas etárias. As estratégias desenvolvidas pelos municípios de Sobral – CE, Vitória – ES e Fraiburgo -SC, finalistas do Eixo 3 – Ação Integral nos Ciclos de Vida do Prêmio APS Forte no SUS: integralidade no cuidado, foram apresentadas nesta quinta-feira (24/03).
A apresentação integra o ciclo de quatro seminários virtuais, promovidos às quintas-feiras de março pelo Portal da Inovação na gestão do SUS, para divulgar as iniciativas finalistas. As vencedoras do Prêmio nos quatro eixos – Organização dos serviços de APS para o atendimento integral, Integralidade e equidade, Atenção Integral nos Ciclos de Vida e Promoção da Saúde – serão conhecidas no dia 07 de abril, em uma solenidade na sede da OPAS/OMS em Brasília.
Durante a divulgação das iniciativas finalistas do eixo 3, o moderador Renato Tasca, médico sanitarista e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas Saúde, afirmou que, depois do acesso, a integralidade é o atributo mais importante da APS. “A integralidade, de alguma forma, é a melhor interpretação da repetida frase sobre a atenção à pessoa. Integralidade é o que se percebe nestas iniciativas, a atenção nas pessoas. E, como as pessoas são muito diferentes, as exigências são muito diferentes, os serviços têm que ter esta capacidade de se plasmar com as necessidades da população”.
Sobral – CE
Projeto Flor do Mandacaru: apoio à saúde do adolescente e redução da gravidez na adolescência
O projeto Flor do Mandacaru foi apresentado pelo Gerente da Estratégia Trevo de Quatro Folhas, Carlos Romualdo de Carvalho e Araújo, do município de Sobral – CE. A ação começou a ser desenvolvida em 2013, a partir de uma análise situacional, em que foi constatado que a maioria das adolescentes iniciava tardiamente o pré-natal. Os profissionais de saúde percebiam que os jovens tinham vergonha de procurar as unidades de saúde para pedir orientações, receber preservativos e, principalmente, para seguir os cuidados necessários na gravidez.
O objetivo da iniciativa é oferecer atendimento integral à saúde do adolescente, com ênfase na saúde sexual, na prevenção da gravidez e no cuidado do pré-natal. Para isso, a APS do município se reorganizou, garantindo o acesso facilitado ao atendimento clínico, aos métodos contraceptivos, à realização de exames de prevenção do câncer ginecológico, à prevenção e tratamento das ISTs, às orientações sobre a saúde sexual e reprodutiva e ao atendimento psicológico.
O atendimento é sigiloso, para que os adolescentes possam assumir a gravidez e serem acompanhados pela equipe de Saúde da Família do seu território. Os profissionais estimulam a coragem e a vontade de assumir o pré-natal e a criança. As ações seguem a perspectiva do apoio integral, centrado na mãe e pai adolescentes, e nas pessoas que estão próximas. “O apoio dado pelos pais dos adolescentes é fundamental para que eles possam estabelecer o vínculo com o bebê”, observa o coordenador.
Segundo Carlos, o cuidado diferenciado com os adolescentes contribui para o fortalecimento da APS. “A fortaleza do projeto Flor do Mandacaru está no ponto de apoio que representa para a APS. É um espaço onde o adolescente encontra acolhimento e se sente apoiado. O projeto fortalece a APS por meio de fluxos de encaminhamento, e possibilita a continuidade no acompanhamento da adolescente”.
O coordenador destaca que uma das grandes preocupações do projeto é evitar a mortalidade por falta de pré-natal, ou pelo início tardio do acompanhamento das adolescentes grávidas. “É uma forma de não perder, tanto a mãe como a criança”. Além do cuidado com a saúde, o projeto faz o acompanhamento das adolescentes grávidas, para que sigam estudando.
A equipe do Projeto atua de forma articulada, integrando a APS a outros setores, envolvendo assistência social e educação. São realizadas atividades coletivas, com oficinas de educação em saúde nas escolas de Sobral e projetos sociais. As redes sociais reforçam a estratégia, servindo como canal de divulgação das ações e comunicação com os jovens.
Entre 2013 e 20121, foram atendidos 1.750 adolescentes. A taxa de gravidez na adolescência, que era de 26.09% em 2006, reduziu para 11.33% em 2021, apresentando uma queda de 56.3%. “Este resultado não é só nosso, mas é intersetorial”, disse Carlos.
Vitória – ES
Cuidado integral à saúde das pessoas idosas residentes em ILPI: estratégias para a Atenção Primária
Em Vitória – ES, o foco da Atenção Primária à Saúde se voltou à população de idosos que vivem em instituição de longa permanência, para assegurar a integralidade do cuidado nas diferentes fases da vida. Segundo Sandra Maria Bissoli, da Gerência de Atenção à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, a capital capixaba possui nove instituições de longa permanência de caráter residencial, que acolhem pessoas com mais de 60 anos de idade. Destas, duas são filantrópicas, e sete são privadas com fins lucrativos.
Ao todo, existem 207 idosos vivendo em instituições. Entre eles, a maior parte, 64%, são mulheres. Os homens representam 34% das pessoas institucionalizadas. Sandra revelou que a iniciativa surgiu quando as equipes de saúde descobriram que as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) do município não possuíam Plano de Atenção Integral à Saúde da Pessoa Idosa Institucionalizada (PAISPI). “Percebemos a distância que existe entre as garantias legais e a implementação das políticas. E decidimos atuar no apoio à elaboração deste documento”, contou.
O Plano deve ser elaborado pela ILPI, de forma articulada com a gestão local de saúde. Conforme destacou Sandra, as equipes de Atenção Primária do território em que a instituição está inserida devem colaborar com a elaboração do documento. Entretanto, foi constatado que era necessário instrumentalizar a APS para que pudesse desempenhar suas atribuições junto às ILPI.
O Plano deve estabelecer a organização assistencial e administrativa da ILPI, para prover a atenção integral à saúde da pessoa idosa institucionalizada, contendo aspectos de promoção, proteção e prevenção de âmbito individual e coletivo, compatíveis com os princípios da universalidade, equidade e integralidade. “Na instituição, o idoso precisa receber atenção integral à saúde”, salientou Sandra. “A UBS é a ordenadora do cuidado em saúde na ILPI, pois consegue estabelecer fluxos, atribuições de cada integrante da rede e o que deve ser desenvolvido de forma integrada. A APS é capaz de trabalhar melhor a intersetorialidade, porque tem clareza do papel de cada integrante da rede”.
Em 2019, foram elaboradas as diretrizes para elaboração do PAISPI, com apresentação às ILPI, UBS, Ministério Público e Conselho Municipal do Idoso. Em 2021, foi instituída a comissão técnica para avaliação e monitoramento dos planos, foram realizadas visitas às UBS para orientações de fluxos e atribuições e feitas as orientações às ILPI, entre outras ações. Em 2022, iniciou o recebimento dos planos para análise pela comissão.
Conforme o relato de Sandra, nove instituições já implantaram as diretrizes, e seis protocolaram para análise. “Por ser um instrumento legal, a gente se emprenhou em criar uma diretriz que fosse capaz de fazer com que a instituição elaborasse um plano bem amplo, dentro da realidade dela. Nossa maior força, com o plano, é poder acompanhar melhor o estado de saúde desta população. O desafio, para a UBS, é oferecer a atenção de acordo com a necessidade desta população específica”, comentou.
Fraiburgo – SC
Marcas que afetam – acolhimento na automutilação
A demanda pela atenção voltada a jovens que praticam a automutilação foi percebida nos matriciamentos da APS de Fraiburgo – SC. Ao apresentar o relato da iniciativa, a psicóloga da Atenção Especializada Reguladora do escritório de psicologia da Secretaria Municipal de Saúde, Geovana Liebl, observou que a prática se tornou mais comum entre os adolescentes a partir da disseminação de um jogo virtual que estimula as automutilações.
A partir da necessidade de acolher esta demanda, foi elaborada uma estratégia envolvendo a APS, a atenção especializada, a assistência social, a gestão de educação e os conselhos de direitos do município. Foi criado, então, um projeto para garantir o atendimento de adolescentes e jovens que realizaram a automutilação.
Os objetivos do projeto são capacitar profissionais da saúde para identificar situações de automutilação e realizar o preenchimento correto da ficha de notificação, que é obrigatória; orientar os familiares dos adolescentes que realizaram a automutilação; identificar o perfil epidemiológico das automutilações para elaboração do diagnóstico do território, e realizar ações de promoção de saúde.
Segundo Geovana, foi implementado um fluxograma, e foi criado um formulário de acolhimento específico, além de uma ficha de orientações aos familiares, para que pudessem colaborar com o adolescente em sofrimento. Os jovens são encaminhados para atendimentos individuais e grupais. São desenvolvidas ações de orientação aos familiares e promoção de saúde nas escolas.
As atividades em grupo são semanais, totalizando 12 encontros em três meses. Os jovens participam de oficinas temáticas, como autoestima, autocuidado, habilidades sociais e resiliência. Ao mesmo tempo, são atendidos com Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS).
O perfil epidemiológico traçado a partir dos acolhimentos demonstra que 95% dos casos de automutilação ocorrem entre o sexo feminino. A maioria das pessoas, o equivalente a 75%, tem idade entre 14 e 15 anos. As mutilações ocorrem, em 90% das vezes, nos antebraços e punhos e 95% acontecem na residência. “Identificamos que os fatores de risco são violência sexual na infância, conflitos familiares, conflitos relacionados ao namoro e bulling. A partir disso, vamos pensando em estratégias para trabalhar com a saúde mental dos adolescentes”, enfatizou Geovana.
O debatedor, Leonardo Passeri, que é consultor técnico de saúde dos adolescentes e jovens do Ministério da Saúde, destacou a relevância das iniciativas selecionadas pelo Prêmio APS Forte. “De Norte a Sul, temos experiências muito boas, que mostram que estamos seguindo no caminho certo. Qualquer iniciativa que seja vencedora vai representar muito bem todos os eixos. Esperamos que estas experiências inspirem outros estados e municípios. Muitas ações não requerem recursos, apenas um olhar diferenciado. Às vezes, a inovação está na simplicidade”.
Antes de encerrar, o médico sanitarista Renato Tasca, que é italiano mas trabalhou por dez anos junto à OPAS/OMS Brasil, reforçou sua admiração pela atuação da APS no país. “Eu, como estrangeiro, me surpreendo todos os dias, tanto com a incrível diversidade do Brasil, quanto com o SUS. A saúde da família tem esta capacidade de se adaptar, tem a multidisciplinaridade, a aproximação, todos os atributos territoriais. Mais uma vez, vejo que defender o SUS é a melhor solução para atender a diversidade e alcançar a universalidade de verdade. Estas iniciativas representam uma forma de amenização das desigualdades, da pobreza e sofrimento destas populações”, finalizou.
Assista à íntegra da live em: