A ampliação do escopo de práticas dos profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde pode ser o caminho para aprimorar a resolutividade do Sistema Único de Saúde (SUS), de forma a garantir o acesso da população aos serviços de saúde com universalidade, equidade e integralidade e reduzir as internações sensíveis à Atenção Básica. A discussão esteve em pauta durante a primeira sessão da reunião técnica “Acesso e qualidade a cuidados e serviços de saúde: desafios para a gestão dos recursos humanos em saúde”, promovida dia 10 de outubro pela Unidade Técnica de Capacidades Humanas para a Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) no Brasil, em coordenação com a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde. A iniciativa reuniu representantes do Ministério da Saúde, dos conselhos de secretários estaduais e das secretarias municipais de saúde (Conass e Conasems) e de instituições de assistência, ensino e pesquisa.”A Opas, em conjunto com o Ministério da Saúde, vem desenvolvendo uma série de ações no campo de Recursos Humanos em Saúde, que combinam a produção de conhecimento científico e a avaliação das experiências dos estados e municípios. Nosso objetivo é integrar as diferentes perspectivas sobre o tema e compor uma visão conjunta para o país, voltada à um sistema universal de saúde, além de propor eixos de ação e investigação que podem ser impulsionados a partir de 2019″, explicou a coordenadora da Unidade Técnica de Capacidades Humanas para a Saúde da Opas, Mónica Padilla.

A assessora técnica do Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho em Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Cleane Saraiva Tavares, ressaltou as contribuições da Rede Observatório Recursos Humanos em Saúde (Rede Observa RH). “Hoje temos um vasto conjunto de dados, informações, marcos regulatórios e experiências que precisam ser discutidos, sistematizados e disponibilizados para subsidiar a tomada de decisões e aprimorar os serviços de saúde. Por isso, temos nos esforçado para ampliar o debate sobre o escopo de práticas e marcos regulatórios das profissões, promovendo o diálogo com conselhos, associações e universidades”, afirmou.

O debate sobre o marco regulatório das profissões de saúde e suas implicações para a resolutividade da Atenção Primária foi dinamizado pelo estudo de caso “Estratégias para ampliação do acesso das crianças aos serviços de Atenção Primária à Saúde”, apresentado pela enfermeira Lívia de Almeida Faller, vice-presidente do Instituto Municipal da Estratégia Saúde da Família, responsável pela gestão de recursos humanos da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. “A Estratégia Saúde da Família alcançou 56% de cobertura em nosso município. Ampliamos o número de médicos e enfermeiros nas unidades básicas de saúde e, ainda assim, chamava atenção o alto o índice de internações sensíveis à Atenção Básica, sobretudo na faixa etária até 14 anos. Investigando esse quadro, constatamos o baixo número de consultas de enfermagem e então percebemos a oportunidade de melhoria”, contou Lívia.

A solução foi criar um Protocolo de Enfermagem na Atenção Primária à Saúde, em Saúde da Criança, elaborado por profissionais da gestão e da assistência, posteriormente submetido à consulta pública. “Assim, conseguimos validar de forma ética e científica a atuação do profissional de enfermagem; criar um fluxograma para apoiar a tomada de decisões desses profissionais, com o apoio do Telessaúde; e, finalmente, ampliar o acesso das crianças à Atenção Primária à Saúde”, resumiu Lívia.

Acesse o Protocolo da Enfermagem na APS da Criança Link ???

A análise do modelo brasileiro de regulação das profissões de saúde ficou a cargo do advogado sanitarista Fernando Aith, professor da Faculdade de Saúde Pública e codiretor do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (USP), que apresentou os resultados de pesquisa desenvolvida pela USP em parceria com o Ministério da Saúde e a Opas. O estudo buscou definir o perfil jurídico-institucional do modelo brasileiro de regulação das profissões da saúde, a partir de três eixos: formação, exercício profissional e relações de trabalho. Para isso, foram analisados o itinerário de criação de novas categorias profissionais, os projetos de lei que criam novas profissões de saúde e os conflitos regulatórios que chegam ao Poder Judiciário.

A pesquisa descreve um campo marcado pela extrema fragmentação institucional, com múltiplos atores regulatórios atuando no mesmo nível hierárquico e um complexo quadro de sobreposição de normas jurídicas. “São leis, decretos, resoluções e portarias, dentre outros mecanismos, sustentados por órgãos do Poder Executivo, como os ministérios da Saúde, da Educação, do Planejamento e do Trabalho; pelos 13 conselhos profissionais que representam as 14 profissões da saúde; e, ainda, por instâncias do Poder Judiciário, como o Supremo Tribunal Federal (STF)”, explica Aith. A consequência, segundo o pesquisador, é a judicialização dos conflitos. “O estudo revela a necessidade de ampliar o diálogo entre todas as instâncias envolvidas com a regulação das profissões de saúde no Brasil. Uma estratégia para a resolução amigável de conflitos regulatórios, que evite a judicialização, é a revitalização da Câmara de Regulação do Trabalho em Saúde, que foi ciada em 2004 e que ainda precisa ser aprimorada”, apontou o pesquisador.

Na terceira apresentação do encontro, a pesquisadora Cristiana Leite Carvalho, que atua no Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), problematizou as oportunidades e os desafios para a ampliação do escopo de práticas profissionais na Atenção Básica. A partir de exemplos do Canadá e da Austrália, Cláudia detalhou o conceito de “skill mix”, ou “mix de competências”, que propõe a combinação de diferentes perfis profissionais em um mesmo nível de atenção à saúde como estratégia para promover a qualidade, a segurança e reduzir custos.

“Nossas pesquisas com médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos e fisioterapeutas mostram que o repertório de competências desses profissionais é muito mais amplo que os escopos de práticas definidos pelos marcos regulatórios. Assim, sugerimos que ao menos quatro ações podem contribuir para otimizar o trabalho dos profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde e aumentar a resolutividade da Atenção Básica: investir em infraestrutura e disponibilizar recursos materiais nas unidades básicas de saúde; promover capacitações constantes e incentivar o uso do Telessaúde, sobretudo em áreas com déficit de especialistas; aumentar a flexibilização em relação aos escopos de práticas dos profissionais; e criar protocolos de atenção, com o compartilhamento de escopos de prática entre as equipes de saúde”, pontuou a pesquisadora.

Para o coordenador de Sistemas e Serviços de Saúde da Opas, o médico Renato Tasca, os debates reforçam a demanda por inovação nas políticas de recursos humanos do SUS, sobretudo no que diz respeito ao escopo de práticas das profissões e à combinação de diferentes perfis profissionais na Atenção Básica. “A missão da OPAS é apoiar o Brasil, suas instituições e seus pesquisadores neste caminho. Temos a nosso favor os tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário. É nosso compromisso verificar se as políticas, programas e ações desenvolvidos são coerentes às convenções globais e acompanhar o cumprimento dos compromissos assumidos”, concluiu.

– Saiba mais sobre outros dois encontros, realizados nos dias 11 e 22 de outubro, que abordaram as transformações na educação médica após a implementação do Programa Mais Médicos e as tendências do mercado brasileiro de educação na área da saúde.

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