Considerando que a alimentação é um fenômeno social complexo, polissêmico e multidimensional, o ato alimentar está ligado tanto aos processos biológicos, quanto aos culturais da espécie humana, traduzindo a complexidade dos processos adaptativos dos povos e sociedades. Este trabalho tem a proposta de descrever uma experiência de utilização da autobiografia alimentar como uma ferramenta pedagógica de apoio na ressignificação do papel da alimentação em sociedade. A autobiografia alimentar proposta foi desenvolvida como prática pedagógica de projetos de extensão da Faculdade de Saúde e Faculdade de Planaltina da Universidade de Brasília em 2018 e 2019. Para o desenvolvimento da oficina, um roteiro de perguntas prévios sobre a alimentação foi apresentado, contendo indagações sobre a alimentação em diferentes fases da vida (infância, fase escolar, adolescência e fase adulta) para serem respondidas individualmente. Após, trabalhou-se em roda de conversa e discussão em pequenos grupos para compartilhamento de experiências relacionadas à alimentação, mediante a apresentação de narrativas/histórias de vida. A história de vida possibilitou exercitar a cultura “do lado de dentro”, pois o relato autobiográfico inscreve o papel da alimentação na vida íntima e pessoal, entrelaçando-a com a vida em sociedade. Ao narrar a própria história, foi possível provocar nos(as) educandos(as) um campo de ressignificação e reinvenção identitária onde os(as) narradores(as) se enxergam como seres humanos a partir da significação cultural que forja sujeitos individuais e sociais e onde o simbólico/cultural é condicionante das escolhas. Além disso, o exercício da escuta auxiliou nos processos de reflexão, empatia, alteridade e tolerância no grupo. Destaca-se que a dinâmica proposta identificou tema-chaves para aprofundamento em momentos posteriores, que incluíram gênero, prazer, corpo, transtornos alimentares, comensalidade e escolhas alimentares. Por meio da atividade, foi possível compreender que a expressão da cultura nas escolhas alimentares é central para o reconhecimento da alimentação como um processo complexo e estruturante da vida em sociedade. Neste sentido, a autobiografia alimentar apresenta-se como uma vivência oportuna para desvendar tensões socialmente construídas em torno da alimentação, desconstruir estigmas sociais e em relação ao corpo, gênero, promover o empoderamento feminino e gerar fortalecimento da autoestima e construção de identidades.