Desafios

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São inquestionáveis os avanços possibilitados pela estratégia de desprecarização do trabalho, como se viu acima. Alguns desafios, contudo, permanecem no cenário, de maneira geral bem visualizados pelos gestores e equipes técnicas, seguindo-se nas linhas abaixo um breve comentário sobre os principais deles.

1. Em primeiro lugar, revela-se certo descompasso entre as políticas para ACS e ACE, tendo se obtido maior avanço em relação aos primeiros. Neste caso, talvez influam as tradições de cada área, com a arregimentação mais desordenada dos agentes, em função de estados emergenciais, no caso do controle de endemias, versus a estruturação mais bem planejada e mais fundamentada do ponto de vista normativo para os ACS, seja na era da PNACS ou na vigência do Programa/Estratégia de Saúde da Família. De toda forma está presente no cenário a intenção de reduzir tal descompasso e a distância conceitual que separa os dois campos de atuação.
2. Apesar do sucesso alcançado em relação ao panorama de implementação de leis municipais, com quase 100% de alcance, o cumprimento de outras metas, por exemplo, a realização de concursos públicos, a reposição adequada de agentes, bem como a estruturação de planos de cargos e carreiras ainda constitui realidade abstrata em muitos municípios, não se dispondo até mesmo de estimativas quantitativas quanto a tal problema.
3. A política de desprecarização, se por um lado produziu atores sociais relevantes, empoderados e atuantes, como se viu acima, por outro lado gerou alguma politização de fundo partidário ou corporativo e até mesmo acomodação dos agentes face ao novo estatuto conquistado. Estes são aspectos que atualmente preocupam os gestores, que reconhecem as dificuldades inerentes às mudanças em tal cenário, evitando, porém, cair na visão simplória da criminalização de tal movimento social.
4. Possível resultado do que foi apontado acima seria a redução de algumas metas e objetivos da atenção básica, verificadas nas estatísticas do SIAB, do que o indicador de visitas domiciliares é um bom exemplo, podendo refletir, talvez, baixa do compromisso e maior acomodação dos agentes.
5. O monitoramento da qualidade do processo de trabalho e em geral, em relação aos demais quesitos que permeiam a atenção básica é um desafio constante, esbarrando os gestores, algumas vezes no corporativismo dos agentes. Exemplo disso é a utilização da localização territorial das ferramentas de mão dos agentes, que tem provocado reações negativas nos mesmos, por considerarem tal fato como assédio moral e tentativa de controle abusivo.
6. A anteriormente referida demanda dos agentes por capacitação em outros campos de conhecimento e até mesmo para cursar faculdades – que vem acontecendo com certa freqüência – com requerimento de dispensa de trabalho para tanto, representaria outro aspecto preocupante, dada a potencialidade de gerar posterior evasão do profissional do campo de trabalho para o qual foi selecionado e capacitado.
7. Presente também no cenário, ao longo de toda a vigência da política, não sendo recente, portanto, é o descompasso entre a magnitude das ações administrativas e técnicas versus a relativa escassez de meios e de equipes para dar conta dos processos inerentes. Este aspecto, contraditoriamente, se viu agravado após o ano de 2007, dado o incremento da adesão de servidores a outros movimentos de mudança em curso em suas respectivas áreas. Acresce-se a necessidade de que ocorra, também, a qualificação constante desses operadores diretos e apoiadores.
8. Embora algum sucesso tenha sido obtido no que foi chamado contenção da ingerência política, não é demais lembrar que o esforço de fazer prevalecer uma lógica técnica face à lógica dos políticos representou e continua representando um desafio permanente.
9. A descontinuidade e baixa de compromisso da gestão municipal, seja no momento eleitoral ou mesmo como produto de uma dinâmica perversa interna, é lembrada como fator desestabilizador da política.
10. Aspecto curioso e aparentemente paradoxal são as desigualdades salariais entre os ACS, desprecarizados e amparados por um piso garantido por lei face a outros profissionais, mesmo de nível superior ou técnico, como é bem o caso da enfermagem, que algumas vezes alcançam cifras salariais inferiores aos daqueles, além da falta de garantias trabalhistas. Isso, evidentemente, afeta de forma negativa a eficácia da política, ao criar obstáculos para a gestão da mesma no cotidiano.