Tefé - Amazonas

Produzindo inclusão da população ribeirinha pelas ações da unidade básica de saúde fluvial do Município de Tefé, Amazonas

Esta experiência mostra que é possível fornecer saúde de qualidade e cidadania para comunidades ribeirinhas e para os povos da floresta. Desenvolvida em Tefé, cidade à 540 km de Manaus (AM), onde as ruas são rios, os serviços da Atenção Primária à Saúde teve que se adaptar às condições do território.

Vontade política, flexibilidade normativa da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), qualificação técnica e dedicação dos profissionais de saúde do SUS de Tefé possibilitaram a ampliação do acesso aos serviços de saúde para cerca de 850 famílias.

A solução encontrada foi a construção de uma embarcação (chamada Vila Ega), para ser a Unidade de Saúde da Família Fluvial (USFF) formada por uma equipe multiprofissional de saúde. A embarcação atende comunidades que não tem estruturas físicas de Unidades Básicas de Saúde (UBS) e apoia o trabalho de outras quatro equipes tradicionais de saúde ribeirinhas.  

Desde junho de 2017 até maio de 2019, foram realizadas 14 viagens pela USFF Vila Ega onde a equipe trabalha com uma carteira ampliada de serviços, oferecendo consultas médicas, de enfermagem, odontológicas, com psicólogos, atendimentos de pré-natal e consultas puerperal, serviços de vigilância, busca ativa de doenças e agravos não-transmissíveis, exames laboratoriais, entre outros, além de vacinação.

Esta experiência, selecionada por meio do Prêmio APS Forte para o SUS, já faz diferença nas condições de vida daqueles usuários antes isolados ou com acesso restrito à saúde. É um SUS que se materializa no território. Os resultados de quase um ano da experiência são aumento das coberturas vacinais, zero morte materna,  acesso pela primeira vez às consultas odontológicas, aumento no número de exames citopatológicos do cólo de útero em mulheres entre 25 a 64 anos, entre outros.

Ficha Técnica

O QUE É O PROJETO?

Criação de uma Unidade Básica de Saúde – Fluvial ( UBSF Vila de Ega ).

QUEM É O RESPONSÁVEL?

Secretaria de Saúde do Município de Tefé – AM, com área territorial de 23.704 km2 e densidade demográfica de 2,53hab./km2 (IBGE 2010). Em torno de 20 % da população vive na área ribeirinha do município e tem quase que exclusivamente de acesso somente por via fluvial.

ONDE FOI DESENVOLVIDO?

Tefé – Amazonas: “O município de Tefé localiza-se â margem esquerda do Lago de Tefé, na região do Médio Rio Solimões. Distante da capital Manaus 516 Km em linha reta, 633 Km por via fluvial.” Tefé é a maior cidade em população da região do Médio Solimões, com população estimada de 59.849 pessoas, de acordo com o IBGE. A cidade concentra importantes serviços públicos que são procurados pela população rural e por moradores de municípios vizinhos. O comércio é o carro-chefe da economia urbana, com grande presença de lojas varejistas e atacadistas, agências bancárias, hotéis e supermercados. No setor primário, destacam-se a agricultura, pecuária a pesca e o extrativismo vegetal. A cidade possui dois hospitais públicos e postos de saúde em diversos bairros. De acordo com o IBGE, são 2 estabelecimentos de saúde municipais e cinco privados. Também possui um campus da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e do Instituto Federal de Educação do Amazonas (Ifam). O município está localizado cerca de 545 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas. É um entreposto estratégico na Amazônia Central, praticamente a meio caminho entre Manaus e a Colômbia. Próximo ao município, estão localizadas duas das maiores Reservas de Desenvolvimento Sustentável do Brasil: Mamirauá e Amanã. São mais de 3 milhões de hectares de florestas amazônicas.

POR QUE FOI DESENVOLVIDO?

A Amazônia deve ser entendida a partir do movimento das águas ou do ciclo das águas com a enchente, cheia, vazante e seca. A vida é marcada e organizada a partir desse movimento. As águas pulsam e tem uma dinâmica que produz mudanças nos territórios e faz com que a vida nas áreas de várzea e ribeirinha seja constantemente em movimento. Desse modo, entendeu-se que as políticas de saúde necessitam dialogar com esse território que tem a marca do líquido, por isso, o chamamos de “território líquido’ (Schweickardt, 2016).

O planejamento das viagens itinerantes nos anos anteriores à implementação da experiência, não garantia o acesso aos serviços de saúde à população ribeirinha conforme o preconizado pelo Sistema Único de Saúde. Vale ressaltar que na programação anual de saúde constava 06 viagens ano, porém ocorriam apenas 03 sendo estas no primeiro semestre, destaca-se ainda que a embarcação era imprópria para as atividades além de serem alugados (barco de madeira sem consultório, sem camarote, isto é, sem ambientes adequados para atendimento e alojamento das equipes). Os profissionais elencados na viagem itinerantes eram remanejados das equipes ESF que atuavam nas UBS da área urbana. É importante destacar que os profissionais desenvolviam as atividades de assistência e na prevenção se restringiam as atividades de imunização. Na maioria das viagens existia carência dos profissionais da equipe de saúde bucal e do profissional médico, entre outros;
Portanto, as ações de saúde realizadas pela experiência através da UBSF Vila de Ega a partir de 2017 se justificam pela capacidade de produzir acesso para a população ribeirinha que não tinha uma atenção equânime e regular das ações e serviços da APS no município, deixando de cumprir com os princípios da universalidade, integralidade, equidade e participação social.

QUANDO?

Início em 01/01/2017.
O Planejamento prevê 15 viagens no ano de 2019, garantido a entrada em áreas mais distantes.  As programações das viagens são feitas baseadas na dinâmica dos rios da região e o planejamento se dá de acordo com o regime de cheia e vazante dos rios e lagos do município. Ocorrem períodos de dificuldades de navegação com a vazante que acontece durante os meses de setembro até a primeira quinzena novembro, o que restringe a navegação da UBSF para regiões mais distantes, no entanto, as viagens são retomadas em meados do mês de novembro.

COMO A EXPERIÊNCIA FOI DESENVOLVIDA?

Primeiramente, é necessário esclarecer a diferença entre ESFF e ESFR:

I – Equipes de Saúde da Família Ribeirinhas (ESFR): desempenham a maior parte de suas funções em Unidades Básicas de Saúde “tradicional” construídas/localizadas nas comunidades pertencentes à área adscrita e cujo acesso se dá por rio; e

II – Equipes de Saúde da Família Fluviais (ESFF): desempenham suas funções na embarcação que compõe a Unidades Básicas de Saúde Fluviais (UBSF). Esta, navega até chegar as comunidades ribeirinhas que não possuem estrutura física de UBS.

A UBSF do município de Tefé denominada “Vila de Ega” cobre o território de abrangência da equipe ESFF com 1.433 habitantes distribuídos em 398 famílias e das ESFRs 10.125 habitantes distribuídos em 457 famílias. Existem 4 Unidades de Apoio e 04 (quatro) embarcações de pequeno porte. Esse apoio logístico garante o deslocamento dos profissionais de saúde no atendimento às comunidades ribeirinhas, bem como a manutenção dos ambientes para que a equipe possa organizar o atendimento nas comunidades

Fazem rodízio na utilização da embarcação principal descrita na experiência, denominada UBSF “Vila Ega”, 01 ESFF e 04 ESFRs para atendimento as respectivas áreas adscritas, distribuídas nos Rio Tefé, Rio Curumitá, Rio Solimões, Rio Caiambé, Lago de Caiambé, Lago do Catuá, Lago do Jutica e Lago de Tefé.

A composição de cada equipe é de 01 médico, 02 enfermeiros, 01 dentista, 01 assistente social ou fisioterapeuta ou psicólogo, 1 biomédico, 12 técnicos de enfermagem, 02 técnicos de saúde bucal, 01 técnico de análise clínica, microscopistas e agentes comunitários de saúde. Os agentes comunitários de saúde e os microscopistas residem na própria comunidade. A UBS Fluvial é composta por todos os profissionais que permanecem em tempo integral na UBSF para o atendimento imediato de todas as demandas que houver no que se refere às ações de Atenção Primária devido ao tempo de viagem e às distâncias que percorrem. Por isso é considerada Equipe Ampliada no sentido de quantidade de profissionais disponíveis para atendimento, enquanto que numa UBS tradicional as ações podem ser distribuídas durante os dias na semana com uma equipe que atua em diferentes períodos. A complexidade do território, exige um esforço no sentido de otimizar e valorizar o tempo de permanência da UBS Fluvial e das equipes nas comunidades ribeirinhas.

Semelhante às outras unidades, a UBS Vila Ega tem uma estrutura de: recepção, consultórios médicos, enfermagem e odontológico, sala de triagem, sala de procedimentos, farmácia, laboratório, sala de vacina, banheiros, almoxarifado, cabines com leitos para a equipe de saúde, tripulação, cozinha e área de serviço.

As ações desenvolvidas atualmente pelos profissionais nas comunidades ribeirinhas são: Consulta Médica contemplando todos os programas da atenção básica; Consulta de Enfermagem assegurando os programas preconizado pela PNAB; Educação em Saúde; Busca ativa de doenças e agravos não transmissíveis; Assistência ao parto e/ou consulta puerperal; Acompanhamento aos pacientes crônicos; Visitas domiciliares e orientações individualizadas; Acompanhamento nutricional das gestantes e puérperas; Multivacinação; Planejamento familiar; Programa Saúde na Escola; Coleta de exame citopatológico; Consulta Odontológica; Procedimentos odontológicos: Exodontia, Profilaxia, Aplicação flúor, Raspagem, Restauração, Capeamento pulpar; Exames laboratoriais; Reuniões com a comunidade visando o planejamento, monitoramento e avaliação das ações desenvolvidas; Avaliação das vulnerabilidades sociais; Atividades de fisioterapia; Consulta com psicólogo.

QUANTO CUSTOU?

A elaboração do projeto da UBS Fluvial do município de Tefé, deu-se no ano de 2017, inicialmente com a busca de Emendas Parlamentares, junto a Câmara de Deputados Federal que pudesse financiar a construção. A portaria ministerial publicada em 17/11/2017 garantiu recursos financeiros para construção da Unidade. A UBSF foi inaugurada dia 15 de junho de 2018 com todos os equipamentos necessários para o atendimento as populações ribeirinhas do município. Paralelo ao movimento para aquisição dos recursos para construção da embarcação a gestão municipal de saúde elaborou o projeto para garantia de liberação, pelo Ministério da Saúde, de recursos de custeio, para manutenção das viagens, iniciando a primeira viagem em 18 de junho de 2018, com a equipe da ESF Fluvial. O planejamento das ações e o cronograma das viagens para as áreas foi realizado juntamente com a construção da Programação Anual de Saúde, com a participação dos profissionais de saúde que atuam no território, das coordenações dos programas, do Conselho Municipal de Saúde e da gestora municipal de saúde.

Os recursos para custeio da ESFF e das ESFR’s são recursos novos, liberados pelo MS após a publicação das portarias de credenciamento das equipes, de acordo com a solicitação do município;

O custeio de 01(uma) ESFF é no valor mensal de R$: 90.000,00 e das 04 (quatro) ESFR’s é no valor mensal de RS: 194.712,50, repassados pelo MS; Importante destacar que esses recursos são utilizados para custeio e manutenção da unidade fluvial, das unidades básicas as quais as ESFR’s são vinculadas, assim como, custeio das ações desenvolvidas nas áreas ribeirinhas (aquisição de combustível, alimentação, produtos para a saúde, medicamentos, material de higiene e limpeza, material de expediente, entre outros) e pagamento de recursos Humanos;

COMO MEDIRAM OS RESULTADOS?

Os resultados foram alcançados durante as 14 viagens realizadas pela UBSF, mais de uma por mês, garantindo a regularidade das ações. Destacamos que a Unidade conseguiu superar o número de viagens porque realizou a integração das equipes ribeirinhas â equipe de saúde fluvial. Os resultados mostram que essa estratégia é adequada para o território líquido da Amazônia. Os principais resultados foram nos atendimentos realizados que resultou no cumprimento das metas estabelecidas pela gestão:

·         Atendimentos realizados no período de 18/06/2018 a 31/05/2019:

o   Atendimento médico: 6.637

o   Atendimento de enfermagem: 10.380

o   Atendimento odontológico: 5.463

o   Atendimento de outros profissionais de nível superior: 2.616

o   Procedimentos de enfermagem: 88.891

·         Cobertura Vacinal de crianças até 2 anos: 100%

·         Proporção de casos de doenças de notificação compulsória imediata (DNCI) encerrados em até 60 dias após notificação. Meta: 100%/Resultado: 100%;

·         Proporção de cura dos casos novos de hanseníase diagnosticados nos anos das coortes. Meta: 100%/Resultado: 100%;

·         Percentual mínimo seis grupos de ações de Vigilância Sanitária consideradas necessárias no município no ano. Meta: 100%/Resultado: 100%;

·         Proporção de parto normal no Sistema Único de Saúde e na Saúde Suplementar. . Meta: 78%/Resultado: 78,20%;

·         Proporção de óbitos de mulheres em idade fértil (10 a 49 anos) investigados. Meta: 100%/Resultado: 100%;

·         Proporção de gravidez na adolescência entre as faixas etárias 10 a 19 anos. Meta: 33%/Resultado: 32,49%;

·         Número de óbitos maternos em determinado período e local de residência. Meta:00/Resultado:00;

·         Razão de exames citopatológico do colo do útero em mulheres de 25 a 64 anos na população residente de determinado local e a população da mesma faixa etária. Meta: 0,91/Resultado:1,12;

·         Cobertura de acompanhamento das condicionalidades de Saúde do Programa Bolsa Família (PBF). Meta:90%/Resultado:90,26%;

·         Cobertura populacional estimada de saúde bucal na atenção básica. Meta:50%/Resultado:70,88%;

·         Cobertura populacional estimada pelas equipes de APS: Meta: 100%/Resultado: 100%;

·         Ações de matriciamento sistemático realizadas por CAPS com equipes de APS:Meta: 100%/Resultado: 100%.

Comparando os resultados obtidos com aqueles antes da experiência com a UBSF, observa-se o cumprimento dos objetivos através de uma proposta inovadora:

POR QUE A EXPERIÊNCIA É INOVADORA?

A experiência de UBSF é inovadora porque apresenta um modelo que garante um dos preceitos fundamentais do SUS que é o acesso Universal e a Equidade às políticas públicas de saúde, principalmente considerando as populações com maior dificuldade de acesso, como as populações ribeirinhas e os povos da floresta que tem em seus rios a sua “estrada” e traz um novo modelo de “unidade de saúde” que é capaz de superar dificuldades impostas pelas características do “território líquido” característico da Região Amazônica e do Pantanal sul-matogrossense;
A experiência conseguiu levar todos os serviços de uma UBS tradicional para regiões que recebiam ações pontuais, fragmentadas e de caráter campanhista. Pode-se dizer que é uma experiência única no Brasil e no mundo, quando uma política nacional conseguiu ser colocada em prática num território específico das duas regiões: Amazônia e Pantanal.  É inovadora pelo caráter dialógico entre os serviços de saúde e o território ribeirinho e dos povos da floresta que vai de encontro à realidade das pessoas superando as dificuldades e respeitando os direitos e porque promove a acesso a comunidade que estiveram por muito tempo isoladas.