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ALTERNATIVAS PARA A SAÚDE MENTAL DE ADOLESCENTES NA ATENÇÃO PRIMÁRIA – SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL

A atenção à saúde de adolescentes representa um desafio sob vários aspectos, sendo a própria adolescência um desafio em si. O jovem tem a tarefa de deixar para trás suas características infantis e amadurecer para um mundo adulto e as mudanças inerentes a este, nos níveis corporal, emocional e social. Trata-se de transformações a envolver não apenas o adolescente e sim, também, todo o ambiente no qual ele vive, seus familiares, professores e profissionais de saúde, e afinal, toda a sociedade. Apesar das múltiplas questões que a adolescência implica, existem, de um modo geral, poucos profissionais sensibilizados e capacitados a lidar com a singularidade dessa fase da vida. Muitos, por falta de conhecimento, preconceito cultural ou até mesmo pelas dificuldades experimentadas quando adolescentes, ou enquanto pais de adolescentes, guardam impressões e expectativas temerosas sobre essa condição e evitam trabalhar com essa faixa etária. Uma das consequências disso é a existência de uma lamentável lacuna na atenção à saúde desses jovens.

Com o intuito de suprir essa falta, em 2004, o Centro de Saúde 01 de Brazlândia, vinculado à Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal, criou um programa específico para atenção à saúde de adolescentes. Inicialmente, esse programa dispunha apenas de atendimentos, em consultório, para crianças e jovens entre 10 e 19 anos. Com o crescimento do serviço e o levantamento sistemático de dados estatísticos, foi possível verificar que a maioria das demandas dessa clientela e seus familiares envolviam questões psicossociais, muitas delas relacionadas justamente ao difícil processo de ajustamento do adolescente e sua família às rápidas mudanças próprias da idade, principalmente no que diz respeito à dinâmica das relações interpessoais no ambiente familiar. As queixas abordadas envolviam temas como a dificuldade dos pais exercerem uma autoridade saudável, superproteção parental, negligência, violência, enfim, a dificuldade dos responsáveis em lidar com os principais temas da adolescência (sexualidade, autonomia, responsabilidade e independência), levando a conflitos familiares de intensidade variável. Em não raras ocasiões, essa crise adaptativa se manifestava de forma tão intensa a ponto de se associar ao aparecimento de desajustes severos, caracterizados por transtornos de saúde mental no jovem ou seus familiares, como depressão, comportamentos antissociais, agressividade, automutilação, crises de ansiedade, tentativas de suicídio, transtornos alimentares, uso abusivo de álcool e outras drogas, entre outros.

A identificação desses transtornos tornou evidente não só a necessidade de um acompanhamento adequado dos usuários do serviço, como também do atendimento às demandas de saúde mental dos adolescentes, seus pais e cuidadores. No entanto, a oferta de atendimentos psicológicos e psiquiátricos é escassa na rede pública de saúde, tanto em Brazlândia como no conjunto do Distrito Federal. Quando se consegue agendar uma consulta desse tipo, quase sempre ela acontece no centro de Brasília, a 50km da cidade-satélite, cuja distância e custo de deslocamento até ela dificulta o comparecimento e acompanhamento do jovem.

O programa desenvolvido em Brazlândia teve como objetivo encontrar alternativas locais de promoção de saúde mental e prevenção de transtornos, efetivas e acessíveis, tanto para seus pais como para seus cuidadores. Essas alternativas não deveriam depender de consultas especializadas em psicologia ou psiquiatria. Elas teriam de ser aplicadas em ampla escala, para atender à grande demanda, e por profissionais da Atenção Básica, segundo uma metodologia adequada à lida com problemas como estresse, ansiedade, depressão e outras condições identificadas nessa população.

Desenvolvimento do programa

Em 2005, foi implementado um grupo de pais, ao qual todos os pais e cuidadores do serviço de atendimento a adolescentes foram encaminhados, encarregado de se reunir semanalmente, por duas horas e meia. A metodologia desenvolvida nesses encontros semanais foi a mesma bem-sucedida no Adolescentro, centro de referência de saúde integral ao adolescente no Distrito Federal.

A proposta dos encontros é ajudar os pais a lidar com os principais desafios da adolescência. Nesta fase do desenvolvimento, os pais se sentem impotentes diante dos problemas que surgem e, muitas vezes, acabam não sabendo como abordar questões apresentadas pelos filhos. As principais consequências dessa situação, entre outras, são o afastamento afetivo, o surgimento de conflitos nas relações entre pais e filhos, inadequações na forma de educar e dificuldades dos adolescentes para superar os desafios necessários a seu desenvolvimento.

Neste sentido, o grupo de pais oferece ajuda, apoio emocional e orientações para os pais necessitados, contribuindo para que estes estabeleçam regras e limites, usem sua autoridade parental sem violência, estabeleçam um vínculo de afeto e construam um diálogo mais efetivo nas relações com seus filhos. A nova forma de relação estabelecida não só resgata a capacidade de solucionar as dificuldades apresentadas como permite aos pais se sentirem competentes, agentes do processo de mudança e construção de vínculos mais saudáveis com os filhos.

Apesar da extrema importância e dos excelentes resultados observados na melhora das relações familiares, o grupo de pais não se mostrou tão resolutivo para lidar com muitos dos transtornos mentais observados entre jovens e responsáveis, como ansiedade, depressão, estresse, distúrbios do sono, dificuldades na aprendizagem escolar, síndrome do pânico, agressividade, violência, fobias e timidez, entre outros.

A solução foi encontrada no uso de uma metodologia inovadora: Tension and Trauma Releasing Exercises (TRE), uma técnica simples de exercícios corporais que ajudam a diminuir o nível de ativação do sistema nervoso autônomo. O TRE foi desenvolvido por David Berceli PhD, assistente social e perito internacional na área de intervenções em trauma e resolução de conflitos, com a finalidade de atender populações como as vítimas de catástrofes, para as quais, muitas vezes, não há disponibilidade de assistência psicológica ou social. Os exercícios de TRE induzem tremores espontâneos em alguns grupos musculares, permitindo uma descarga neuromuscular, consequente liberação de tensões no corpo e um relaxamento profundo, tanto físico como mental. Esses exercícios, quando praticados com regularidade, permitem a redução progressiva dos níveis de hiperexcitabilidade do sistema nervoso autônomo e, por conseguinte, o alívio de sintomas de muitos transtornos mentais, incluindo situações decorrentes de estresse, violência e traumas físicos e psicológicos.

Em 2012, em Brazlândia, foram capacitados seis facilitadores em TRE, entre agentes comunitários de saúde (ACS), técnico administrativo, fisioterapeuta e assistente social. Desde então, foi possível manter grupos semanais regulares de prática de TRE, atendendo não apenas os adolescentes e seus cuidadores, também a comunidade local.

Resultados observados

O grupo de pais se tornou uma atividade complementar ao atendimento biopsicossocial dos adolescentes no Centro de Saúde 01, sem o que seria muito difícil lidar com a maioria das queixas apresentadas pelas famílias. A participação dos pais no grupo tem-se revelado fundamental para o atendimento biopsicossocial do adolescente no consultório.

Os principais ganhos dessa atenção à saúde mental têm sido uma aproximação na relação entre pais e filhos, melhor exercício da autoridade parental, maior presença afetiva dos pais na vida dos adolescentes, redução e prevenção da violência doméstica e do envolvimento do jovem em situações de risco, e melhora da qualidade de vida.

Os grupos de TRE tornaram-se, também, uma atividade paralela na atenção aos adolescentes. As principais demandas psicossociais passaram a ser atendidas sem restrição de vagas, filas, lista de espera ou custo para a população. Apenas os casos mais graves continuaram a demandar atendimento psiquiátrico ou acompanhamento psicológico.

Ao longo do ano de 2015, foram oferecidos 86 encontros regulares em grupo para a prática de TRE, com a participação de 804 pessoas entre jovens e adultos. A prática regular de TRE pelos participantes resultou em relatos de melhoras clínicas em quadros de insônia, dores musculares, ansiedade, estresse, fibromialgia, depressão, síndrome do pânico e transtorno de estresse pós-traumático, com melhora significativa na qualidade da vida das famílias e da comunidade.

Conclusões

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS/OPAS), apesar da necessidade comprovada, apenas uma minoria dos transtornos mentais recebem o tratamento mais básico. Isto revela a necessidade de integrar os serviços de saúde mental à Atenção Básica, ainda mais imperiosa quando se trata da saúde mental de crianças e adolescentes.

Devido às características da adolescência, assim como da infância, é difícil conceber um adolescente ou uma criança sem o contexto familiar no qual vive. Muitas das demandas de adolescentes dizem respeito a problemas de relacionamentos familiares, e muitos dos comportamentos inadequados por eles apresentados, tão perturbadores para os pais, como atos infracionais e uso de drogas, costumam se associar às dinâmicas das relações intrafamiliares. A relação dos transtornos mentais com a dinâmica familiar fica clara quando observamos a maneira como os pais lidam com os temas da autoridade, vínculo afetivo, expressão do afeto, comunicação e apoio ao filho diante dos desafios de um ser em desenvolvimento.

O ponto inovador do grupo de pais é poder oferecer uma visão sistêmica à abordagem de adolescentes, pais e cuidadores, no acompanhamento e no tratamento, ajudando os últimos a desempenharem um papel ativo na construção de um melhor relacionamento com os filhos e dependentes.

Como já foi dito, muitos efeitos benéficos da prática do TRE foram observados. O caráter inovador do grupo de TRE relaciona-se à aplicação de uma metodologia de fácil execução e baixo custo para a resolução ou encaminhamento de um problema crônico na área da Saúde Mental, cujos serviços são de difícil acesso pela população geral, assim como a escassez de políticas de prevenção. O TRE também é inovador no sentido de propor atendimento não só aos adolescentes, também para os pais ou cuidadores, que muitas vezes apresentam problemas psicossociais capazes de interferir diretamente na saúde mental e na qualidade de vida do jovem sob sua responsabilidade.

Por sua evidente aplicabilidade em grupo e por profissionais não especialistas, o grupo de pais e o grupo de TRE reúnem um grande potencial para a atenção básica de saúde, principalmente em contextos onde o acesso a tratamentos especializados é difícil. Ambos podem ser usados tanto como atividades de promoção de saúde como em programas orientados para populações de risco, ajudando a prevenir e aliviar muitos problemas de saúde mental entre os adolescentes e seus familiares.

Autores         

Adair de Areda Vasconcelos – Agente de Saúde Pública

Edenir Aparecida R. Andrade – Médica Pediatra

Edna Rodrigues Sardeiro – Técnica em Saúde

Elza Maria Azevedo – Assistente Social

Goreti Maria Angnes – Auxiliar de Enfermagem

Lívia Batista Silva Carvalho – Fisioterapeuta

Marcelo Augusto do Amaral – Médico  Pediatra

Tânia Targino Gomes Moreira – Auxiliar de Enfermagem

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