- Views 0
- Likes 0
A FESF SUS pode ser considerada, como enunciado por um dos seus gestores em entrevista, uma “solução conjuntural para problemas estruturais”, levantando, ainda, uma questão que não quer calar, ou seja, se sua atuação interessaria, de fato, aos gestores municipais.
Com efeito, a iniciativa talvez pague o preço de uma autêntica e profunda ruptura política, extremamente difícil em se completar. Assim, o sentimento corrente é o de que desprecarizar relações de trabalho e instituir uma cultura de “carreira” na saúde, na verdade, constituem processos complexos e onerosos para os municípios, motivo de muitas dissidências, e que conduz os mentores e gestores da iniciativa à necessidade de se “pensar macro”, dados os limites estruturais, que devem ser melhor conhecidos e contornados.
Há que se admitir que exista, de fato, um cenário em que imperam forças contrárias ou desestabilizadoras, com os ingredientes de descontinuidade, instabilidade, gestão precária, desresponsabilização, além da fragilidade do financiamento e da consolidação ainda bastante precária da FESF SUS.
A história da iniciativa, assim, pode ser representada como um movimento de “sístoles e diástoles”. Um dos entrevistados vislumbrou que a FESF SUS talvez seja um projeto a ser consolidado ao longo de vários anos, pois seria muito avançado para o momento presente, com referência especialmente ao financiamento e à cultura de gestão compartilhada
As atividades mais recentes da FESF SUS BA (setembro de 2014) têm foco diferente da proposta original, com a atuação central na estratégia de SF substituída por ações diversificadas, ligadas às necessidades e programas diversos da SES, tais como: internação domiciliar, telessaúde, arquitetura hospitalar, hospitais de pequeno porte (HPP), regulação de leitos hospitalares, apoio à qualidade e acesso na atenção básioca, além de viabilização de outros programas, tais como UNASUS, E-Sus, “Melhor em Casa”, Rede Humanização, “Baixo sul” e Residência Multiprofissional em SF.
Isso resulta em que, dos quase 1500 contratados atuais da FESF SUS, apenas 386 fazem parte, efetivamente, de uma carreira típica e formal, predominando os funcionários em regime temporário de contratação.
São aspectos que colocam no cenário o tema da relação entre FESF SUS e SESAB, traduzido em termos gerais pela dicotomia entre “somar-se ou antepor-se”. As mudanças recentes, que sem dúvida colocam a FESF SUS em posição subsidiária em relação ao Gestor Estadual são apostadas como portadoras do risco de se criar um “monstrinho”, com a Fundação presente e permanente, mas desviada de suas funções originais, o que se lastima, por ser a mesma uma construção recente, inacabada e já correndo riscos tão fortes.
Em contraposição a tais riscos, deve ser levado em conta, também, o fato de que a FESF SUS já tem cinco anos de existência e que perfaz um caminho bem demarcado e estabelecido, o que dá segurança em relação à sua continuidade. Já a SESAB tem dificuldades para desenvolver, por exemplo, processos educativos de sua força de trabalho, o que vem sendo tratado com mais eficiência pela
fundação, que já faz ofertas integradas para os municípios em relação aos diversos serviços. Segundo seu presidente, a parceria com a SESAB vem para fortalecer e diversificar a atuação da FESF SUS, não para enfraquecê-la.
Mesmo com as mudanças em curso, há que se admitir que é mantido o apoio a melhoria do acesso e da qualidade na atenção básica, além de estratégias de desenvolvimento regional, sem ocorrer, entretanto, a contratação extensiva de equipes de saúde da família em municípios, como cogitado inicialmente. Assim, há distância entre as propostas originais de desenvolvimento de carreira em SF, desprecarização e apoio a municípios para tanto, em troca de atividades de apoio à própria SESAB, na verdade substitutivas de ações típicas da mesma.
O argumento para tais mudanças, apresentado pelos gestores da FESF SUS, é o de que, diante de um panorama de instabilidade na relação com os municípios, com diversas dificuldades na adesão e adimplência dos mesmos, optou-se pela diversificação de ações da FESF SUS como estratégia de sobrevivência da instituição.
São apontados fatores diversos para isso ter acontecido, por exemplo, a expectativa frustrada de uma terceira parte no financiamento, além da SESAB e dos municípios, ou seja, do governo federal (MS) não ter acontecido de fato. A questão interfederativa é outro complicador apontado, resultando em que a FESF SUS estaria atuando dentro de um “vazio” institucional, com administração “duas vezes indireta”, enfrentado a permissividade tradicional da atuação das municipalidades, principalmente nas relações de trabalho, em cenários de forte “privatização” da política com marcantes dificuldades em fazer valer a Lei, associado a autoritarismo e centralização, além de baixo conhecimento sobre o SUS em geral.
Foco de ação presente é o do chamado Projeto Baixo Sul, no qual se tem priorizado atividades de apoio e supervisão de contratados pela fundação, com ênfase no desenvolvimento regional, buscando ainda ser um laboratório para eventual replicação de atividades da FESF SUS, mediante promoção de governança e convergência regional de variadas instituições, dentro de uma proposta de ação intersetorial.
Em síntese, os desafios atuais da atuação da FESF SUS são atribuídos a uma série de fatores, dentro de um panorama social e político no qual a Fundação não viu reconhecida sua importância e identidade. Entre tais desafios pode ser destacado o fato de que os gestores municipais não estariam acostumados à responsabilização e à priorização de ações, tendo seu raciocínio político distante das evidências e de algum impacto epidemiológico, com um controle social muito débil. Daí que a manutenção do status quo – e não a mudança qualitativa – ter sido a regra geral no ambiente da gestão municipal.
Além disso, a implementação de um PECS de tal proporção e carga inovadora não é processo isento de conflitos, por exemplo, relativos a critérios de qualidade e produtividade para se auferir vencimentos, o que acaba sendo uma discussão central e foco de bastante polêmica. Assim, o objeto central primitivo (Atenção Básica) é considerado como pouco prioritário no cenário dos municípios e dos tomadores de decisão em geral, sendo um tema marginal, como, aliás, a própria imagem do SUS.
Além disso, são complexas e por vezes contraditórias as relações da FESF SUS com os sindicatos, nas quais embora se reconheçam ganhos, há demandas frequentes por mais concessões, aspecto sem dúvida potencializado pelo ambiente receptivo às demandas e negociações no âmbito da Fundação. Acima de tudo, entretanto, se admite que, tendo os acordos coletivos como regra, embora em ambiente de conflito, isso tem possibilitado o crescimento e a qualificação do próprio movimento sindical.
A FESF SUS poderia estar sendo “vítima de seu próprio sucesso”, por ter colocado “todas as suas fichas na mesa de uma só vez”, em ambiente social em que “fazer as coisas direito é muito difícil”, além da presença de gestores municipais mal qualificados.
É forte, ainda, a insegurança quanto ao momento político de sucessão na Bahia (agosto de 2014), trazendo ao horizonte próximo a questão: “o que será da FESF SUS?”, em ambiente marcado por certo sentimento de fragilidade na sustentabilidade da proposta, mesmo na versão atual “reparadora”, distante da formulação original. Admite-se que, mesmo com o Conselho Curador atuante, como no momento, tais riscos existiriam.
Sem dúvida, o cenário é farto em debilidades e pendências não totalmente resolvidas, entre as quais podem ser destacas: alta dependência financeira da SESAB, o que é diferente da proposta original; forte defecção de profissionais, com causas ainda a esclarecer, possivelmente pela busca de flexibilização de jornadas, cargas horárias, responsabilidades, vencimentos, entre outras; a concorrência das novas políticas para a atenção básica no país, como o PROVAB e o programa Mais Médicos; no âmbito interno, o reconhecimento de que a proposta em vigor de gratificação por qualidade no trabalho (GPQ) tem ainda limitações, por estar sendo conferida difusamente, tendo assim papel mais de reposição salarial do que ligado à qualidade do que se produz.
Outro ponto de conflito é o fato de que a carreira da FESF SUS mostra, em relação às carreiras (ou status quo) dos funcionários municiais, diferenciais de salários e vantagens importantes, de forma favorável aos trabalhadores da Fundação. Isso estaria resultando em que propostas de carreiras acabam sendo fatores geradores de dicotomias e conflitos, ao invés de aplacá-los. Trata-se de conflito que repercute também nos Conselhos Municipais, com a posição contrária dos servidores municipais ganhando destaque.
O federalismo real brasileiro é um fator a mais nas dificuldades, com as características relações autoritárias entre entes, além de autonomia e cultura diferenciada. Assim, a FESF SUS atua como instituição “entre” níveis de governo, com características especiais no cenário e necessidades de adaptação diferenciadas, nem sempre possibilitadas pelo panorama legal e normativo vigente.
A gestão compartilhada, seja entre entes federativos ou os diversos atores sociais no cenário da saúde, ainda pode ser considerado um tema que merece aperfeiçoamento e ampliação do debate, embora seja reconhecida a qualidade a a profundidade do que já foi feito.