APSREDES

Diretor da Opas, James Fitzgerald, fala sobre o impacto da resolução que defende o acesso universal à saúde

A Estratégia para o Acesso Universal à Saúde e Cobertura Universal de Saúde aprovada pelos países da Região das Américas no Conselho Diretivo da Opas, em outubro de 2014, é considerada um marco político entre a comunidade internacional, direcionando a aplicação de fundos de financiamentos em projetos de saúde na Região, e já estimula avanços em políticas de saúde de alguns países das Américas. “A resolução representa um compromisso político entre os países com propósito de avançar na cobertura universal em saúde e, por meio da premissa de acesso universal à saúde, eliminar as barreiras geográficas, econômicas e sociais que ainda impedem às pessoas a terem acesso à saúde”, explica o diretor do Departamento de Sistemas e Serviços da Opas, James Fitzgerald.

O documento foi construído a partir de uma grande mobilização entre os países, coordenada pelo Departamento de Sistemas e Serviços da Opas e os respectivos pontos focais, durante o ano passado. Mais de 1500 pessoas e entidades em 31 países das Américas participaram da consulta pública da minuta do documento, que posteriormente foi posta em discussão no Conselho Diretivo da Opas. A participação do Brasil nas negociações foi fundamental para incluir o conceito de acesso universal à saúde, posicionando a saúde como uma questão de Direito.

O Portal da Inovação em Saúde conversou com o diretor do Departamento de Sistemas e Serviços da Opas, James Fitzgerald, para saber sobre a implantação da Estratégia para o Acesso Universal à Saúde e Cobertura Universal de Saúde. A entrevista ocorreu, em Brasília, no intervalo da reunião com todos os assessores técnicos da Opas dos países da Região das Américas, que discutiram durante três dias estratégias para fortalecer a cooperação técnica com os países.

Portal da Inovação – Quais são os eixos prioritários da Estratégia para o Acesso Universal à Saúde e Cobertura Universal de Saúde?

James Fitzgerald – São quatro eixos aprovados dentro da Estratégia: primeiro, a necessidade de ampliar o acesso aos serviços integrais baseados nas pessoas e na família, com foco na Atenção Primária em Saúde. Este ponto está muito delineado com a atitude do Brasil com o Programa Mais Médicos. O segundo eixo é uma chamada para que os países invistam mais e melhor em saúde, incrementam o gasto público em saúde para melhorar a capacidade pública enquanto governança e eliminem o gasto direto possível, que as vezes resulta em gastos catastróficos para as pessoas e para as famílias; em terceiro, é o fortalecimento da regulação e governança das funções públicas, para a implantação efetiva das políticas, com definições de marcos regulatórios e outros aspectos sobre regulação do setor privado; e o quarto eixo orienta que o setor saúde tenha foco no âmbito intersetorial, para falar com outros ministérios e outros setores, para assegurar que a saúde tenha presença nestas outras políticas.

Portal da Inovação – A Estratégia para o Acesso Universal à Saúde e Cobertura Universal de Saúdejá causa impacto nas políticas de saúde dos países das Américas?

James Fitzgerald – Está tendo muito impacto, a nível político na Organização dos Estados Americanos (OEA), na Cúpula das Américas, nas comissões de saúde parlamentares, no Banco Mundial no que se refere ao desenvolvimento dos próprios financiamentos (Grants), e agora nas reformas dos próprios países, como no Equador, em Honduras, e no Panamá, este último já está fazendo a integração do subsistemas de saúde. Os países caribenhos querem organizar o sistema de saúde como há no Brasil e em Cuba. O Peru está fazendo investimentos em recursos humanos para ser mais efetivo em acesso à saúde. Chile e Paraguai estão ampliando a atenção básica. O Brasil, que iniciou esta expansão antes da resolução, conseguiu a inclusão de mais de 18 mil médicos no sistema de saúde para melhorar o acesso à atenção básica, por meio do Programa Mais Médicos. São muitos avanços na Região das Américas neste momento. Publicamos um documento que diz que nos últimos 10 anos, em 10 países estudados, quase seis milhões de pessoas tem agora acesso a serviços de saúde integrais.

Portal da Inovação – Qual é a diferença entre cobertura universal em saúde e acesso universal em saúde, segundo a resolução aprovada pelos países da Região das Américas?

James Fitzgerald – Tivemos um debate muito grande sobre este conceito durante o processo de consulta pública do documento. O que foi acordado pelos próprios países e pelos experts que estavam trabalhando foi que cobertura universal em saúde implica em um conjunto de mecanismos, financiamentos, insumos, que são necessários para prestar a atenção à saúde. São elementos chaves para o sistema de saúde, independente de quem está prestando a atenção, público ou privado. A cobertura universal em saúde é importante, mas é insuficiente para assegurar a saúde. Precisamos de acesso universal à saúde, isso implica que devemos eliminar as barreiras que existem ainda nos países, como barreiras geográficas, econômicas e sociais que impedem as pessoas de terem acesso ao próprio serviço de saúde, englobando serviço de prevenção, de promoção, de tratamento, de diagnóstico, de paliativos, que são serviços muito integrais que não apenas focados na prestação. Então a diferença é que cobertura é mais limitado.

Portal da Inovação – Qual foi a contribuição do Brasil na negociação e aprovação do documento?

James Fitzgerald – O Brasil teve um papel muito importante neste processo porque de acordo com os valores e princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) gerou uma discussão sobre o Direito à Saúde e o Brasil cobrou este princípio fundamental no documento. E depois ampliou a discussão sobre acesso integral. Isto envolveu outros países e teve um impacto bastante importante nas negociações.

Portal da Inovação – Quais são os principais desafios para avançar na implantação da Estratégia para o Acesso Universal à Saúde e Cobertura Universal de Saúde?

James Fitzgerald – Primeiro é o compromisso político. As vezes, os países querem fazer mudanças mas o contexto político não permite. A questão da condução política do processo que um desafio bastante grande. Depois quando se vence este desafio, começa o processo de planejamento que deve implicar a participação de todos setores, a participação social, de prestadores de serviços, entre outros. Então é um debate muito complexo nos países porque existem interesses muito contraditórios no setor saúde, e aí surgem as barreiras ao acesso universal em alguns países. Então este processo de negociação interno em cada país é complexo e precisa de uma forte condução política.

Portal da Inovação – Quais são os próximos passos do Departamento de Serviços e Sistemas em Saúde da Opas depois desta reunião, em Brasília, com os assessores técnicos que ficam nos países da Região das Américas?

James Fitzgerald – No ano passado tivemos uma reunião com este grupo de assessores da Opas dos países das Américas, hoje reunidos em Brasília, para elaborar todo este processo de planejamento. Foi este grupo que esboçou a primeira proposta da Declaração para o Conselho Diretivo. Porém, depois da negociação entre os países a proposta aprovada ficou muito diferente da inicial. Desde outubro de 2014, os países já estão fazendo muitas coisas, pois há reforma importantes no sistema de saúde dos países da Região das Américas. Agora vamos sair desta reunião com uma definição de algumas prioridades para avançar e apoiar os processos nacionais de planejamento, que chamamos de elaboração de holding maps acerca de acesso universal nos países. Os apontamentos mostram que precisamos fortalecer as capacidades do sistema em algumas áreas pontuais, como por exemplo a economia em saúde, o financiamento em saúde, a política de recursos humanos adequados para as atividades em saúde e depois as questões de acesso aos medicamentos de alto custo, que representa desafios particulares nos países.Também vamos avançar na questão da cooperação entre os países, para que um aprenda com a experiência do outro, reconhecendo também que cada sistema é diferente e com contexto diferente.

Por Vanessa Borges, para o Portal da Inovação em Saúde

Foto – Guilherme Kardel

Esta gostando do conteúdo? Compartilhe